Pode ser exagero, mas Joe Sacco vem sendo comparado a nomes de peso como Truman Capote e Tom Wolfe. Nascido em Malta, ilha do Mediterrâneo, e formado em jornalismo pela Universidade do Oregon, Estados Unidos, ele se tornou um inovador ao fundir com eficiência duas linguagens distintas: jornalismo e quadrinhos. Seu modus operandi é arriscado, mas infalível. Solitário, Sacco infiltra-se nos pontos mais improváveis e turbulentos do planeta e, sem ter que se preocupar em alimentar jornais e revistas com notícias, faz do tempo seu grande aliado. Mistura-se sem pressa às comunidades locais e vai colhendo narrativas surpreendentes, transformando-as em alentadas histórias em quadrinhos realistas, dinâmicas, desenhadas com traço ora acadêmico ora típico do undergroud. O curioso é que o próprio Sacco é um dos personagens principais de suas tramas. Não raro ele aparece com sua figura diminuta e inseparáveis óculos de grau em aventuras perigosas como as que resultaram, por exemplo, no contundente Área de segurança Gorazde – a guerra da Bósnia oriental 1992-1995 (Conrad Editora, 232 págs, R$ 37). Trata-se de uma eloquente denúncia das atrocidades cometidas pelos sérvios contra os muçulmanos confinados na cidade de Gorazde.

Coincidentemente, outro conflito de eco mundial – as ações do grupo separatista ETA, sigla da organização Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade) – também serve de pano de fundo para mais um quadrinho empolgante, Zestas (Conrad Editora, 115 págs, R$ 25), parceria do ilustrador Ernesto Murillo com o autor de argumentos Joaquín Resano, ambos espanhóis. Neste caso, o terrorismo funciona apenas como um ingrediente a mais na ficção, embora na apresentação o álbum traga uma cronologia do ETA na Espanha.

A história de Sacco é diferente. Com a volúpia dos melhores repórteres, ele visita hospitais, conversa com médicos e enfermeiras, relata grandes sofrimentos e reconstitui a barbárie da guerra com incômodo realismo. É especialmente comovente o trecho no qual um refugiado muçulmano é obrigado a atravessar uma espessa poça de sangue de seus compatriotas sacrificados. Ainda que mostre imagens desconfortáveis, Sacco também é capaz de registrar pequenos gestos de esperança de populações tão oprimidas.

Tanto no caso de Sacco quanto no da dupla Ernesto Murillo/Joaquín Resano há paralelos com uma obra-prima dos quadrinhos:

Maus – a história de um sobrevivente

, do sueco Art Spiegelman, lançada no Brasil em 1987 pela extinta editora Brasiliense. Em Maus, os gatos são nazistas e os ratos judeus numa Polônia ocupada na Segunda Guerra, cenário para a história real de Vladek Spiegelman, sobrevivente dos campos de concentração e pai do autor. Impressionado com a obra, Art Spielgelman afirmou que Sacco está na vanguarda. Ele também é um precursor. E revolucionário.

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