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RETORNO
No discurso, voz de Chávez falha e multidão pede “que descanse”

Nas comemorações dos 200 anos da independência da Venezuela, na terça-feira 5, o poderio bélico do país foi exibido em desfile de blindados, lança-foguetes e helicópteros militares pelo Passeio dos Próceres, uma extensa avenida da capital Caracas. A comemoração ufanista, no entanto, estava em total desarmonia com o cenário político do país. No poder desde 1999, o presidente Hugo Chávez se limitou a participar do desfile por meio de uma transmissão pela tevê e mensagens disparadas no microblog Twitter. “Estou novamente com vocês em corpo, nervo, alma e espírito”, dizia uma de suas mensagens virtuais. Depois de um mês afastado do território venezuelano, para tratamento de um câncer em Cuba, Chávez havia regressado de surpresa na véspera. Encontrou um país agitado pela falta de reconhecimento das autoridades em escalão inferior ao dele e pela fragilidade das instituições. Até os presos amotinados no cárcere El Rodeo, no norte do país, se recusavam a negociar a rendição com o ministro da Justiça, Tarek el Aissami. Na rebelião que já provocou 29 mortes, eles reinvidicavam um negociador realmente “próximo” do presidente.

“Chávez criou um sultanato e governa sozinho”, afirma o cientista político Angel Alvarez, da Universidade Central da Venezuela. “Sua presença e suas declarações mobilizam os partidários e detratores e sua ausência deixa a política sem um porta-voz que fixe a agenda.” Personalista e centralizador, o presidente venezuelano construiu no decorrer de mais de uma década a imagem de líder inspirado no herói da libertação, Simón Bolívar, e minou a possibilidade de surgimento de novos líderes. Mesmo com a oposição fragmentada, os seguidores de Chávez não conseguiram encontrar uma liderança com força suficiente para se sobressair na ausência do presidente. O vice-presidente, Elías Jaua, chegou a anunciar a promoção de mais de 300 altos oficiais das Forças Armadas, mas sua ascendência sobre os militares permaneceu em baixa. Dentro e fora dos quartéis, todos sabiam que ele atuava a mando do presidente, que continuou à frente do governo, ainda que “despachando” da ilha de Cuba.

Como emissários do presidente em convalescença, destacaram-se apenas o general Henry Rangel Silva, chefe do Comando Operacional; o chanceler Nicolás Maduro e o governador Adán Chávez, irmão mais velho do presidente (leia quadro ao lado). Não por acaso, o general e o chanceler começam a aparecer como prováveis peças-chave da reforma ministerial que Chávez deve anunciar nas próximas semanas. O governador, por sua vez, vem sendo apontado como potencial sucessor do presidente, caso ele precise afastar-se do governo por um período mais prolongado ou não concorra às eleições de 2012. Como na Venezuela, o vice é escolhido pelo presidente, bastaria indicar o irmão mais velho para o posto. Afinal, o atual vice é o sétimo da lista de Chávez.

Além da expectativa de mudanças no governo, contribui para aumentar o clima de insegurança a falta de informações detalhadas sobre a saúde de Chávez. Quando deixou o país, no dia 5 de junho, ele oficialmente retomava uma agenda interrompida no mês anterior, por conta de uma lesão no joelho. Depois de encontrar-se com a presidente Dilma Rousseff em Brasília e com o presidente Rafael Correa em Quito, Chávez passou mais de três semanas em Cuba, onde foi submetido a duas cirurgias. Sete dias antes de voltar para Caracas, ele assumiu em comunicado que havia extraído um tumor cancerígeno. Em discurso de 20 minutos no balcão do palácio, no dia do retorno, disse que continuaria sob tratamento “por um tempo”. Quando sua voz começou a falhar, a multidão gritou: “Que descanse! Que descanse!”. Chávez descansou rapidamente, mas voltou a discursar. Por enquanto, nada indica que ele se preocupa com o vazio de poder instaurado durante a sua ausência. 

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“Seria imperdoável não ver outros métodos,
inclusive a luta armada, para obter o poder”

Adán Chávez, governador de Barinas e irmão de Hugo Chávez

O primeiro-irmão
Assim como Fidel Castro, sua referência ideológica de longa data, Hugo Chávez tem um irmão menos carismático nas imediações do poder. Aos 58 anos, dois a mais que o presidente, Adán Chávez é governador do Estado de Barinas, posto ocupado no passado pelo pai deles, Hugo de los Reyes Chávez. Professor de física, Adán já foi embaixador da Venezuela em Cuba, ministro da Educação e chefe da Casa Civil. Jamais, porém, teve tanta visibilidade quanto durante o período em que o presidente se afastou do território venezuelano. Apontado como mentor ideológico de Hugo na juventude, Adán já integrou grupos de esquerda radical e enquanto o irmão presidente estava em Cuba surpreendeu ao defender a luta armada em encontro do PSUV, o partido de Chávez. “Nosso processo bolivariano se iniciou pela via eleitoral”, afirmou Adán. “Como disse Ernesto Che Guevara em 1961, seria imperdoável limitar-se somente à via eleitoral e não ver os outros métodos, inclusive a luta armada, para obter o poder. Ou, em nosso caso, para mantê-lo consolidado.”

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