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De um presídio espanhol, a 150 km de Barcelona, um brasileiro clama por ajuda. Em carta de dez páginas enviada à ISTOÉ, ele relata em detalhes as torturas que sofreu no cárcere. Seu crime: ter levado para a Europa um quilo de cocaína. A pena, quatro anos e meio de prisão. Por ser homossexual, foi rejeitado por companheiros de cela, pediu proteção e acabou seviciado pelos guardas. Virou um incômodo, sofreu surras e ameaças – tudo conforme seu relato escrito à mão, no qual enumera os dias e até os nomes dos carcereiros que cometeram cada violência contra ele. Célio Carmo de Queiroz, que foi pego na Espanha em agosto de 2007, pediu socorro aos consulados, à Embaixada do Brasil, a organizações espanholas de proteção a homossexuais e até para o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Como mostra na desesperada carta, nada melhorou em sua situação.

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Diante das denúncias de maus-tratos, o consulado foi à prisão ouvi-lo. O cônsul-geral de Barcelona, Sérgio Maurício da Costa Palazzo, em resposta à ISTOÉ, disse que não conseguiu falar com o preso por uma determinação do presídio. A direção, por sua vez, argumenta que é o próprio Queiroz que não quer se comunicar com as autoridades brasileiras. Em uma visita posterior, o cônsul ouviu de outros brasileiros detidos que Queiroz queria, sim, conversar com ele. O presídio continuou não liberando a visita oficial. Por ter chamado a atenção do governo – sua queixa foi parar nas mãos do então ministro das Relações Exteriores Celso Amorim – o diretor do presídio Brians 2, Pedro Dominguez Quinoya, pediu que fosse feita uma apuração do caso. A conclusão foi a de que as acusações são inverídicas e que é “impossível ocorrer tortura dentro das celas, que são todas monitoradas por câmeras”. Na carta, Queiroz conta que foi tirado da cela e levado para outro local, sem câmera, quando foi violentado (leia a carta na íntegra no site). O caso foi arquivado e o Itamaraty deu o assunto por encerrado. O brasileiro só deverá ser solto em fevereiro de 2012.

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BATALHA
Trecho da carta de Célio de Queiroz enviada à ISTOÉ, na qual
relata torturas e maus-tratos sofridos na prisão, na Espanha

O caso acima é só uma pequena ilustração da complexa realidade dos mais de dois mil brasileiros presos no Exterior – número que o próprio Itamaraty acredita ser maior, pois muitos casos nem são relatados aos consulados e embaixadas. É obrigação do país que prende, conforme a Convenção de Viena, de 1969, comunicar ao país de origem do detento sobre sua prisão. No entanto, muitos não o fazem. “Nenhum país cumpre os tratados por completo, alguns lugares sequer permitem o contato do preso com o consulado”, explica o advogado porto-riquenho Angel Oquendo, especialista em direitos humanos. É muito frequente também que o próprio preso peça que seu caso não seja informado, por receio de que sua família saiba.

Do lado de cá, fora das grades, quem sofre são os familiares. Distantes, sem informações e com dificuldades de entender a língua e os trâmites jurídicos, os parentes buscam apoio no Itamaraty, que nem sempre consegue dar o respaldo esperado. É o caso da família de Fernando Pereira, 35 anos. Preso nos Estados Unidos, ele foi acusado de ter abusado de uma menina de cinco anos em 2004, quando vivia em Miami com a mulher Luciana Miragliotta e as duas filhas. A menina é filha de um casal que vivia na mesma rua do brasileiro. Na época, um pedófilo da região tinha acabado de ser preso, gerando alvoroço no bairro. “Meu marido foi vítima de uma histeria coletiva. Até hoje não foi apresentada nenhuma prova concreta”, diz Luciana, de Londres, onde mora com as filhas.

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A angústia da família de Pereira vai de Londres a São Luiz de Montes Belos (GO), onde vive sua mãe, Edilamar Matos Ferreira. “Nossa vida é chorar e esperar”, desabafa. O advogado foi pago com a ajuda de uma prima do preso e do pai de um companheiro de cela. Ao todo, já se foram US$ 40 mil (R$ 62 mil). Outra dor é a distância. Há oito meses, Edilamar foi ver o filho e gastou toda a sua reserva em um encontro frustrante. “Não me deixaram chegar perto, as visitas ficam a 500 metros de distância.” Luciana também lamenta o retorno dado pelo governo brasileiro. Quando o marido foi levado, ela ficou 20 dias sem notícias. Ligou para a embaixada em Washington (EUA) e pediu ajuda para localizá-lo. “Quando finalmente consegui falar, não fizeram nada”, conta. Só ficou sabendo do paradeiro dele quando recebeu um e-mail da esposa de outro preso que estava na mesma prisão.

De acordo com Eduardo Gradilone, sub-secretário-geral das Comunidades Brasileiras no Exterior, os consulados têm autonomia para analisar cada caso, podendo até custear as despesas de um advogado. E atuando de forma mais incisiva em casos graves, como o dos dois brasileiros condenados à morte na Indonésia. Belisário Santos Jr., advogado especializado em direito internacional, diz que o consulado pode diminuir o sofrimento dos parentes. “É o cônsul que faz o papel da família nessas situações.” Jaques Chulam e sua família deram essa sorte. O surfista tinha 30 anos quando foi pego em 2004 no Aeroporto de Lisboa levando um quilo de cocaína para ser vendido em Amsterdã. Foi preso em flagrante, levado ao Estabelecimento Prisional de Lisboa e, quatro meses depois, julgado à pena mínima por tráfico, quatro anos. Graças ao bom comportamento, saiu na metade. Durante o período, foi defendido por um advogado carioca bancado pelo consulado brasileiro. Ao serviço consular, é só elogios. “Eles faziam visitas periódicas e levavam kits de higiene, cartões telefônicos e cartas já seladas”, conta. “Não gastamos nenhum centavo nesse período em que ele ficou preso”, complementa o pai, Mauro Chulam.

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LIVRE
Ex-traficante e ex-viciado em drogas, Chulam
passou dois anos e meio preso em Lisboa por tráfico

A experiência do surfista é oposta à de Ricardo Costa, ex-modelo e empresário que está preso no Arizona há dois anos acusado pela ex-mulher americana de abuso de dois dos três filhos do casal. “A estadia dele na prisão é paga. Temos que bancar cada sabonete, pasta de dente e ligação feita”, relata Sérgio Souza Costa, o pai, que contratou um advogado local. “Trabalhamos duro aqui para não pensar no que está acontecendo, mas também para pagar as despesas dele”, afirma o irmão Eduardo. Desde que Costa foi preso, Sérgio, Eduardo e Cristina, a mãe, dividem a rotina em São Paulo e a briga internacional que travaram com a Justiça do Arizona. Costa até hoje não foi julgado, contrariando a legislação local que prevê um prazo de no máximo 150 dias para o julgamento. Além disso, o caso do brasileiro se tornou notório após a juíza ter oferecido uma fiança de US$ 75 milhões (R$ 117 milhões) para o preso, a mais alta da história doso EUA. Do consulado brasileiro em Los Angeles, a família ouviu que não havia como interferir nas decisões da Justiça. No entanto, quando comunicaram que Costa estava sendo ameaçado de tortura por guardas, o consulado agiu.

O embaixador Gradilone explica que uma frente trabalhada pelo governo brasileiro é o acordo de transferência de presos. Atualmente, o Brasil tem esse acerto com 15 nações. Algumas, no entanto, se recusam a fazê-lo, como o Japão, que acha as penas máximas nacionais muito pequenas. Uma das relações mais delicadas, segundo o embaixador, é com a Espanha, o primeiro no ranking de brasileiros detidos. O acordo de transferência de presos é uma forma de trazer o detento para sua realidade e, assim, facilitar o reingresso na sociedade. Difícil é um preso querer estar atrás das grades no Brasil. “Prisão é prisão em qualquer lugar, você não tem liberdade”, diz Jaques Chulam, que transformou sua história no livro “Surfista, ex-Drogado, ex-Traficante” (Editora Francisco Alves). “Mas dei muita sorte de ter sido preso em Lisboa, foi ali que me livrei do vício e revi minha vida.” Se tivesse sido preso nos Estados Unidos, estaria lá até hoje. Se estivesse detido no Brasil, provavelmente ainda estaria me drogando”, diz Chulam, cuja história, à exceção da regra, teve um final feliz.

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Confira a carta de Célio Carmo de Queiroz na íntegra

Colaborou Tiani Trein Barbieri