Quem anda pelos corredores do hospital Great Ormon Street, em Londres, depara a todo momento com crianças internadas lendo as histórias do bruxo-mirim Harry Potter, o personagem criado pela autora escocesa Joanne Rowling que virou sucesso mundial. Engana-se quem pensa que os pequenos estão apenas lendo as aventuras do menino como leitores comuns. Para eles, o feitiço de Harry é mais poderoso. As obras estão sendo usadas para ajudar crianças entre sete e 14 anos a lidar melhor com distúrbios como ansiedade ou depressão. “Elas se identificam com o enredo que traz Harry Potter superando obstáculos”, conta Polly Carmichael, psiquiatra do hospital. As histórias mexem com a fantasia da garotada, mostrando a elas que as dificuldades podem ser superadas.

O resultado da magia é evidente. Bastam alguns dias lendo um dos livros da série para que as crianças se sintam mais à vontade para falar sobre seus medos e inseguranças. Elas também passam a ter idéias criativas para enfrentar esses sentimentos. Carmichael lembra o caso de um garoto com os pais separados que não se conformava com a situação. “De repente, ele me disse que tinha encontrado um lado bom na história. Agora ele teria duas casas para morar”, recorda-se. Os progressos foram tão animadores que os livros de Harry Potter se tornaram parte do tratamento.

Na verdade, esse é apenas um exemplo de uma tendência que vem ganhando espaço na medicina: ir muito mais além das condutas-padrão, baseadas em remédios e cirurgias. Instituições do mundo todo estão recorrendo às mais diversas formas de distração e estratégias para atenuar o sofrimento da internação e auxiliar no tratamento da doença. Os especialistas estão observando que saídas nada convencionais, como usar a magia de Harry Potter, ajudam de fato no combate às enfermidades. Elas podem fornecer idéias criativas para o doente aprender a lidar com seu problema, a exemplo do que está ocorrendo com os pacientes ingleses, e até aumentar a auto-estima dos pacientes.

Nos Estados Unidos, por exemplo, uma invenção está resgatando a alegria de crianças com câncer. Pacientes de diversos hospitais estão participando de acampamentos inusitados, onde, em vez de ficarem em barracas, se instalam em casas construídas sobre a copa das árvores. As construções contam até com rampas de acesso a deficientes físicos. O projeto é de autoria de Bill Allen, um dos fundadores da organização Forever Young Treehouse, entidade criada há dois anos. “Queria que elas fossem para um local longe da dor e se sentissem como crianças normais”, justifica Allen. “Pensei em fazer as casas sobre as árvores para que as crianças achem que estão numa floresta e possam admirar as estrelas”, completa. Cientistas da Universidade de Berkeley, na Califórnia, comprovaram que os benefícios dessa brincadeira vão além de estimular a fantasia das crianças. É uma forma de terapia. Para chegarem a essa conclusão, eles analisaram a garotada que frequentou o acampamento e compararam com um grupo que não participou. “Não dá para dizer que a chance de se curar entre as que participaram é maior. Mas elas ficaram mais dispostas a se tratarem, facilitando o combate à doença”, explicou a ISTOÉ Bery Thompson, pesquisador da entidade.

No Brasil, também há várias iniciativas com esse mesmo espírito. Uma delas é o Projeto Felicidade, desenvolvido há cerca de um ano pelo Rabino Shabsi Alpern, da instituição judaica Beit Chabad do Brasil, instalada em São Paulo. O objetivo é proporcionar alegria e conforto às crianças carentes com câncer. Por isso, elas são retiradas do hospital para passear por outros lugares. São beneficiadas pelo programa o Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, o Hospital Darcy Vargas e o Hospital São Paulo, todos na capital paulista.

Podem participar crianças que apresentam melhores condições físicas. Elas são levadas para passar cinco dias em hotéis de primeira linha e em centros de lazer que apóiam o projeto. Tudo em companhia dos pais. Elas desfrutam de todo o conforto dos hotéis e ainda aproveitam para visitar o Parque da Mônica, o Hopi Hari – megaparque de diversões no interior de São Paulo, cinema e shopping center. O programa conta com a ajuda de voluntários e patrocinadores. O projeto pode parecer uma mera brincadeira, mas não é. “Elas voltam a brincar, tornam-se mais alegres e receptivas ao tratamento, pois passam a ter bastante vontade de viver”, afirma Flávia Bochernitsan, diretora do projeto.

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Proporcionar felicidade a uma criança ou adolescente doente também é o objetivo do Hospital do Câncer, de São Paulo. Desde 1999, o Departamento de Pediatria da instituição criou um programa de acampamento para os pequenos que também funciona com a ajuda de patrocinadores. O último foi realizado no final do ano passado, no Uruguai. Lá, eles conheceram um local chamado La Floresta, localizado perto de Montevidéu. No acampamento, os pequenos, sempre acompanhados de médicos, participaram de caminhadas, brincadeiras e jogos. “O programa é importante porque estimula a autoconfiança deles, que muitas vezes têm medo até de brincar devido à doença”, explica Beatriz de Camargo, chefe da pediatria do hospital.

Apesar de existirem várias estratégias para que a criança leve uma vida normal fora do hospital, também se está investindo em formas para amenizar a internação. No Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, por exemplo, todos os dias pela manhã pais e filhos se reúnem numa sala de convivência onde é assado um bolo caseiro de diferentes sabores – banana ou cenoura, por exemplo. O aroma exala pelo ambiente e lembra o bolo feito em casa. “O paciente se recorda da sensação de estar em casa e o local fica aconchegante, diferente do clima frio de hospital”, explica Claúdio Schvartsman, coordenador do departamento de pediatria. Outra idéia do hospital foi adaptar o cardápio ao gosto da criança para que ela se alimente bem. Foram incluídos hambúrgueres e salgadinhos assados em vez de fritos, além da brinquedoteca, que estimula a criatividade dos doentes. “Quando o paciente se sente bem e confortável, recupera-se bem mais rápido do que se estivesse deprimido numa cama”, garante o médico.

O estudante Danilo Kretly, 11 anos, sabe disso. Todos os dias em que ficou internado para se recuperar de uma cirurgia no pé, ele brincava no espaço de lazer e não dispensava um pedaço de bolo. “Ele gosta porque parece com o bolo que faço”, contou sua mãe, Adriana Kretly, 38 anos. Não são apenas as crianças que desfrutam das novas formas de terapias. Na Santa Casa de Porto Alegre, as pacientes internadas podem participar de oficinas de tapeçaria. “Elas se sentem bem menos ansiosas no tempo livre. Ficam mais tranquilas”, comenta Mara Bernardo, coordenadora do serviço social. Ou seja, essas mulheres e também os outros pacientes acabam adquirindo fora da cama do hospital a paz necessária para enfrentar suas doenças.


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