A consultora e empresária Costanza Pascolato adianta as tendências do São Paulo Fashion Week e faz um balanço do setor

A elegância da empresária Costanza Pascolato chega a ser desconcertante. Aos 62 anos, ela ainda é a personificação da sensualidade da moda brasileira. É alegre, charmosa e surpreendentemente despachada. Ao receber ISTOÉ em seu apartamento em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, na segunda-feira 21, pediu desculpas por estar vestindo jogging. “Acabei de chegar da ginástica. A atividade física me ajuda a controlar a ansiedade. Parei até com os remédios para dormir”, disse. Em seguida, foi se produzir. Voltou uma hora depois, com uma roupa escolhida a dedo para o momento. “Coloquei bata branca e brincos grandes porque traduzem a tendência da estação”, explicou.

À vontade, Costanza confidenciou que, apesar do corre-corre de sua vida – ela é dona da tecelagem Santa Constancia, que vende tecidos para os principais estilistas do País –, tem dificuldade em fazer várias coisas ao mesmo tempo. “Sou disléxica. As pessoas pensam que paro de falar quando estou sendo fotografada para ficar mais bonita. Quem dera”, confessou com humor. Mas esta semana Costanza terá de dar um jeitinho na dislexia (distúrbio que provoca dificuldade na fala ou na escrita). Uma das principais consultoras de moda do Brasil, essa italiana radicada em São Paulo, estará atenta às novidades do São Paulo Fashion Week, que começa segunda-feira 28. Ela adianta que a coleção de inverno 2002 deverá ser uma mistura da moda hippie do verão com um gênero Mad Max de luxo, espécie de “desleixo chique”, com costuras desalinhadas e tecidos sobrepostos.

ISTOÉ – Há um ano, durante a penúltima edição do SP Fashion Week, o Brasil estava na mira dos principais jornalistas internacionais . Na temporada passada, a badalação foi menor. Por quê?
Costanza

Vivemos um momento interessante da moda brasileira. Desde 1996, quando o Paulo Borges (criador do SP Fashion Week) tomou a frente das passarelas, nós tivemos uma mudança radical em termos de profissionalização da moda. Nossos estilistas pararam de se preocupar com o que estava acontecendo lá fora e atentaram para o seu trabalho. Há dois anos, mais em evidência do que nunca, os estilistas que trabalhassem copiando a moda internacional só iam se expor à mídia brasileira e estrangeira. Além disso, o público comprador está cada vez mais exigente. Sabe identificar o que é cópia e o que é criação. Os estilistas não estão mais no anonimato e São Paulo também não. Para fazer parte do calendário, não se pode dar esse tipo de mancada. Estamos entre os países que assumem a dianteira do mundo da moda. Depois de Nova York, Paris, Londres, Milão e Tóquio, vêm São Paulo, Madri e Sydney. Não é pouca coisa.

ISTOÉ – A profissionalização está relacionada com o medo da concorrência internacional?
Costanza

Claro. Os estilistas temiam que chegassem grifes como a Gap e pegassem o filão de mercado que eles já vinham batalhando há quase dez anos. No início dos anos 90, nossos criadores já faziam moda para o público brasileiro. Marcas como Ellus, Zoomp, Forum, M.Oficcer e Iódice não queriam ser apenas grifes de jeans, senão teriam uma Levi’s poderosa desbancando.

ISTOÉ – A mudança de nome do Morumbi Fashion para SP Fashion Week sinalizou para uma possível internacionalização da moda brasileira. Isso aconteceu de fato?
Costanza

Eu sempre cismei com essa história de o Morumbi, o patrocinador, aparecer no nome da nossa semana de moda. A gente sabe que sem patrocínio nenhum negócio deslancha. Mas calma lá. Vincular o trabalho genial dos nossos estilistas a um patrocinador de varejo, a um shopping center, é complicado. Mas não tínhamos o menor apoio do governo. Agora pode-se contar com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), que faz a ponte entre Brasília e os empresários do setor da moda.

ISTOÉ – A idéia da ?moda de shopping? aterroriza os estilistas?
Costanza

Mais ou menos. Ao mesmo tempo que o shopping tem a força da influência de moda, ele mina a exclusividade dos lançadores de tendência. Ou seja, qualquer coisa que se colocar para vender lá vai chegar à massa. Num primeiro momento ganha-se muito dinheiro. Mas depois perde-se com esse lucro porque as peças dos estilistas são copiadas e vão para um varejo mais popular, como o Bom Retiro e o Brás. Lojas boas, como a Le Lis Blanc ou a Les Filós, por exemplo, acabam fazendo uma moda de qualidade, que agrada à brasileira, mas é mais fácil de copiar. A mesma coisa acontece com grifes cariocas, como a Krishna e a Cantão.

ISTOÉ – Existe diferença entre o público que consome e elabora a moda no Rio e o que faz o mesmo em São Paulo?
Costanza

O Rio tem a orla, tem um comportamento próprio. É mais casual, menos burocrático e menos comercial do que São Paulo. Mas perde em termos industriais e efetivos para a cidade que acabou por se tornar a capital brasileira da moda. Sem dúvida, o Rio é “mais Brasil”. Mas, até aí, Roma e Florença são o berço cultural da Itália e a moda italiana só virou comércio quando migrou para o pólo industrial de Milão. O prêt-à-porter, como é conhecido hoje, é industrial, é de Milão.

ISTOÉ – Como andam os números na moda? O ano 2001 foi bom?
Costanza

Não. Crescemos nos últimos cinco anos porque a economia permitiu. Agora, a retração é total. O Paulo Borges teve dificuldade em obter certos patrocínios para esta edição do SP Fashion Week porque todo mundo se retraiu. Há até quem esteja reaproveitando tecidos que encalharam no verão para emplacar no inverno. As confecções não querem investir, botar dinheiro em mercadoria. Então, os estilistas compram tecidos em cima da hora. Aí, o calendário que seria legal três meses antes dos desfiles fica comprometido. Minha tecelagem, a Santa Constancia, também não passou impune. Quem disser que faturou em 2001 está mentindo. Os estilistas também estão duros. Compram de última hora ou até mandam copiar em outro lugar.

ISTOÉ – O consumidor brasileiro reclama muito que não se reconhece nos modelos expostos nos desfiles. Isso é universal?
Costanza

É. O consumidor padrão, que mobiliza a indústria, não tem interesse no processo de criação, quer saber do produto final. Eu vi muita gente comprar loucuras conceituais nos anos 80. Isso mudou. No Brasil, as pessoas querem estar bonitas, ricas e gostosas.

ISTOÉ – Você acha que atingimos essa pequena porcentagem da população que tem o hábito de consumir e pensar a moda de elite no Brasil?
Costanza

Sim. Mas a mostra desse consumidor é infinitamente menor do que nos países onde a cultura de moda é estabelecida há tempos. Hoje, por exemplo, eu estava voltando da ginástica e vi uma moça simples falando ao orelhão. Ela estava com uma blusa coreana dessas que a gente vê aos montes no Bom Retiro e que são superbem-feitinhas, bem-acabadas, não amassam. Você acha que o brasileiro com menos grana não vai comprar roupas no Bom Retiro? Claro que vai. Lá, as coisas contrabandeadas são baratas e de qualidade. E isso detona com a indústria têxtil nacional. Estados Unidos, França e Itália, além de cultura de moda, têm um protecionismo maior. Lá não entram tantos produtos ilegais como aqui.

ISTOÉ – Até que ponto essa distância entre a massa consumidora e os estilistas é fruto do fracasso da economia nacional ou do elitismo da criação?
Costanza

Os dois. Há quem faça moda para o brasileiro, para aquele nicho que quer atingir, seja ele de alta, seja de baixa renda. O problema é o que está correndo solto por fora, que acaba minando o processo de criação.

ISTOÉ – Esse marasmo da economia brasileira e a entrada em excesso de mercadoria estrangeira chegam a reverter o crescimento que a indústria têxtil nacional teve nos últimos anos?
Costanza

Houve uma refreada, mas a nossa indústria está no caminho certo. Antes, os melhores estilistas trabalhavam com mais de 60% de tecidos importados. Agora é possível produzir uma coleção inteira só com tecidos nacionais. Isso sem falar de marcas populares como a C&A ou a Hering, que cada vez mais apresentam peças e tecidos de bom gosto.

ISTOÉ – Você é a favor da democratização da moda ou acha que ela é uma espécie de arte que só pode ser compreendida por poucos?
Costanza

Em Nova York, Milão, Londres e Paris, a moda é pensada, elaborada e viabilizada por um grande grupo de pessoas, que têm isso como cultura. Costumo chamá-las de “intelectuais da moda”. No Brasil, esse grupo não enche barriga de estilista. Precisamos democratizar a moda para engordar nossa indústria. A democratização é sem dúvida minha principal busca para a Santa Constancia. Essa saia que você está usando, por exemplo, é feita com um tecido meu. Onde você comprou?

ISTOÉ – Na Hering.
Costanza

Então, você percebe o que eu quero dizer? Quero que meus tecidos estejam tanto na Hering quanto nas butiques chiques. O que importa para o empresário é o lucro, não só o status de elite. Dá perfeitamente para investir no “médio bom” e abranger uma maior quantidade de consumidores. O Brasil é muito amplo e o consumo de moda no País também. Este ano teve gente que não viajou com medo dos atentados. Logo, a Daslu vendeu como nunca. Já os consumidores de menor poder aquisitivo migraram todos para lojas como as do Bom Retiro. Não adianta achar que estamos na Europa, nossa realidade é outra. Temos que trabalhar com tecidos caros e com os acessíveis também.

ISTOÉ – E quais são os tecidos e os modelos que vão vingar neste inverno?
Costanza

Desde a coleções de verão 2002, da Europa, as batas estão com tudo. Tecidos leves e confortáveis, como a seda e o chifon, são a cara das estações quentes. Já o inverno é mais formal. Continua essa história da moda hippie, grandes brincos como este que estou usando e tecidos sobrepostos. Mas o inverno será sempre vitoriano, ou seja, terá tecidos mais trabalhados, mais pesados, como o couro. No frio, teremos a sensualidade do Dolce & Gabbana com um lado selvagem das peles e do couro como no filme Mad Max. Costuras mais desfiadas simularão o mau acabamento, será um desleixo de luxo. As barras das calças não precisam ser feitas. São soltas e dobradas para parecer casual. Terá também muita saia sobreposta a leggings.

ISTOÉ – O que você acha de a Globo ter feito uma parceria com a agência Mega para premiar a vencedora do concurso de modelos com um papel na novela Desejos de mulher?
Costanza

É evidente que a moda está cada vez mais na moda. Nossos estilistas são bons, os tecidos também e nós fomos premiados com a beleza de Gisele Bündchen e de outras beldades. Também evoluímos comercialmente nos últimos anos. Agora a novela da Globo fala de uma coisa que não deixa de ser o sonho dos jovens brasileiros. Tudo o que eles querem é ser modelo ou ator, concorda? A Globo e a Mega conseguiram juntar as duas coisas. Isso é uma tacada certa, na medida em que atinge exatamente o que o público jovem almeja. Eles sabem brincar com sonhos. Agora vamos ver se a novela é boa.

ISTOÉ – É verdade que você foi chamada para fazer parte do elenco e teria recusado por ser contra essa forma de falar da moda?
Costanza

O Euclydes (Marinho, autor da novela Desejos de mulher) me chamou para fazer uma ponta, meio que comentando um dos desfiles deles, mas eu acho que não tem nada a ver. Sabemos que a Globo é mestra em formar opiniões, em pautar a moda das ruas, as conversas das pessoas, mas não me interessa colaborar com isso.

ISTOÉ – Você acha que eles passam para a massa uma leitura errada do que é moda?
Costanza

Sempre foi assim, só que antes eles copiavam o modelo antigo, estereotipando o Clodovil. Tripudiavam em cima da figura do homossexual que adora dar alfinetadas, que é esnobe. É tão comum essa visão distorcida que até o Robert Altman, que considero um gênio, fez aquela droga de filme Prêt-à-porter. O público achou engraçado, mas para nós, que realmente entendemos de moda, aquilo é horroroso. Ele errou total e é um gênio. Imagine então o que pode virar o suposto mundo da moda nas mãos da Globo. A própria Sílvia Pfeifer, que foi modelo do Armani, destoa daquele cenário. É tudo muito falso, mas perfeito para saciar o sonho da grande massa. Fui prestigiar a festa de lançamento, mas jamais poderia participar da novela.