img.jpg
OUSADIA
Diniz já brigou com a família Sendas e com os Klein, das
Casas Bahia, e agora faz sua investida mais ambiciosa

Nos últimos anos, poucos empresários brasileiros demonstraram tanta disposição para brigas quanto Abilio Diniz. Em 2004, tornou-se sócio da família Sendas, dona dos supermercados do mesmo nome, mas o casamento acabaria na Justiça. Em 2009, juntou-se aos Klein, das Casas Bahia, e foram necessários apenas 60 dias para que os desentendimentos começassem. Na semana passada, Diniz novamente deu provas de sua vocação para confrontos. Em outra manobra surpreendente, anunciou uma proposta de união do Pão de Açúcar (rede criada por seus pais nos anos 40 do século passado) com a filial do Carrefour no Brasil. Até aí, tudo bem. Empresários ambiciosos e competitivos como ele passam boa parte do tempo criando estratégias para esmagar a concorrência. Desta vez, a transação deixou transtornado o próprio sócio francês do Pão de Açúcar, o Grupo Casino, que nem sequer foi avisado das negociações. “Espero que o Casino analise a proposta sem emoção”, disse Diniz. A operação também é polêmica por envolver dinheiro do BNDES – banco público de fomento que surgiu para estimular a economia do País e não favorecer diretamente um único empresário.

As conversas entre Diniz e o Carrefour começaram no início do ano, mas só avançaram nos últimos dois meses, quando o dono do Pão de Açúcar convenceu o governo brasileiro da viabilidade do negócio. A proposta prevê a criação de uma companhia, batizada de NPA (Novo Pão de Açúcar), que já nasceria como terceiro maior grupo de capital aperto do Brasil, atrás apenas de Petrobras e Vale. A complexa operação prevê uma redução de participação do francês Casino na operação brasileira, enquanto Diniz, sem desembolsar um centavo sequer, passaria a ser acionista de um negócio muito maior. Logo após o anúncio, executivos do Casino deram entrevistas não identificadas nos jornais com adjetivos nada lisonjeiros ao empresário brasileiro. Na quinta-feira 30, Jean-Charles Naouri, controlador do Casino, teria desembolsado mais de US$ 1 bilhão para comprar ações do Pão de Açúcar, aumentando assim seu poder de fogo para peitar as investidas de Diniz.

img1.jpg
FOMENTO
Luciano Coutinho, do BNDES, Jean Naouri, do Casino, e André Esteves,
do Pactual (da esq. para a dir.): dinheiro público na operação

O apoio do BNDES foi vital para a megafusão. De acordo com a engenharia financeira elaborada pela butique de investimentos Estáter, o BNDES vai injetar R$ 4 bilhões para deter 18% do negócio, e o BTG Pactual, do banqueiro André Esteves, R$ 690 milhões por 3,2% das ações. Instituição privada, o Pactual só precisa dar explicações a respeito de seus interesses corporativos para seus acionistas. A questão discutível é o papel de um banco público – que deve explicações para toda a sociedade – em um negócio que envolve interesses restritos a um grande empresário com acesso fácil a financiamentos privados. Segundo Luciano Coutinho, presidente do BNDES, o aporte está alinhado com as intenções do governo de criar fortes conglomerados nacionais. Foi assim nos casos VCP-Aracruz, Bertin-Friboi, Sadia-Perdigão e Oi-Brasil Telecom, para citar os exemplos mais conhecidos. Mas essa é realmente a função do BNDES? A operação recebeu um rosário de críticas. Para Sérgio Lazzarini, professor do instituto Insper, o argumento da criação de “campeões nacionais” não se justifica, já que dificilmente o Novo Pão de Açúcar será uma empresa de peso global. Como o negócio está sujeito à avaliação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), especialistas, como o ex-presidente do órgão Rui Coutinho, acreditam que a união terá restrições, por ferir o mercado. É estranho, portanto, que um órgão de governo aprove a fusão e outro vete pouco depois.

Para o consumidor, o casamento também deve ser motivo de preocupação. Se o negócio for aprovado, Diniz vai ser dono de um terço do varejo nacional (leia quadro). Na área de supermercados, o segundo colocado, o Walmart, ficará com apenas 11% dos negócios do setor – uma distância brutal em um segmento em que o preço nas prateleiras é fundamental para atrair clientela. Para o professor da Fundação Getulio Vargas, Arthur Barrionuevo, os fornecedores correm o risco de enfrentar dificuldades. “Quem tem menos força pode sofrer nas mãos dos grandes compradores”, diz. Não é essa a avaliação dos envolvidos diretamente na operação. “Nos Estados Unidos, o Walmart é dono de 32% das vendas”, diz Cláudio Galeazzi, sócio do BTG. O colosso americano, porém, cresceu em função de uma política de preços baixos – e não comprando concorrentes. Inabalável, Diniz disse que está otimista quanto à aprovação do negócio pelos órgãos reguladores. E que, aos 74 anos, está preparado para novas – e sempre complicadas – batalhas.  

g.jpg