No dia 25 de agosto de 1961, esgotada sua capacidade de manobra com um Congresso dominado pela oposição, e após ter sido denunciado na véspera, na televisão, pelo seu maior eleitor, o governador Carlos Lacerda, do Estado da Guanabara, o presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo, precipitando o Brasil nunca crise sem precedentes, na trilha de uma guerra civil.

Entre os fatos políticos mais surpreendentes do período republicano – a rebelião comunista de 1935, o suicídio de Getúlio em 1954, a queda de Jânio em 1961 e o impea­chment de Collor em 1992 – a renúncia é o mais intrigante. O sacrifício de Vargas, o “putsch” de 1935
e o impeachment foram gestos extremados, decisivos e definidos. Na renúncia, o que impressiona é o despropósito, o caráter fortuito, a inconsequência. A ironia do seu peso sobre a história é ter sido concebida para não existir.

Até o final da vida, Jânio manteve sigilo sobre o episódio. Cinquenta anos depois, ainda há gente com dúvida, pois a verdade definitiva nunca foi revelada pelo autor.

O ex-presidente passou o resto da vida se explicando, mas sempre de maneira parcial. Nunca disse, em público, realmente, o que pretendia. Não poderia.

Em 1996, Jânio Quadros Neto publicou o livro Jânio Quadros: Memorial à História do Brasil, que fornece a mais convincente explicação sobre a renúncia. Em 25 de agosto de 1991, trigésimo aniversário do ato, no mesmo quarto do Hospital Albert Einstein onde faleceria seis meses depois, em 1992, o avô deu ao neto a sua versão.

“A minha renúncia era para ter sido uma articulação. Nunca imaginei que ela seria de fato executada. Renunciei à minha candidatura à Presidência em 1960 e ela não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de recuperar a governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana.

O maior erro que já cometi.”
Tudo fora pensado e (mal) planejado. Jânio mandou o vice-presidente João Goulart em missão à China, para afastá-lo das articulações políticas. Na época, presidente e vice podiam ser eleitos por partidos diferentes, até opostos como era o caso (Goulart elegeu-se com 36% dos votos). O presidente escreveu a carta-renúncia no dia 19 e entregou ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Acreditava que não haveria ninguém para assumir o cargo. Achou que os militares, os governadores e o “povo” exigiriam que ficasse.

“O Jango era, na época, semelhante ao Lula” – disse ao neto. “Era completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossível ele assumir, que todos iriam implorar que eu ficasse. Charles De Gaulle renunciou na França e o povo foi às ruas exigir a sua volta. A mesma coisa ocorreu com Fidel Castro, em Cuba. Achei que voltaria para Brasília na glória. Pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Fui reprovado e o país pagou um preço muito caro. Deu tudo errado.”

Em março de 1962, ao retornar da Europa, o desacreditado ex-presidente foi à televisão, em São Paulo, para explicar-se com o discurso “Razões da Renúncia”. Mas precisava relançar-se e estancar o desgaste da sua imagem. Não podia, portanto, revelar que seu objetivo era retornar com mais poderes. Perdeu, então, o governo pela segunda vez, “esvaziando como um balão furado”, disse o jornalista Carlos Castello Branco. Como na renúncia, não era ele que deveria se adaptar à realidade política, mas a realidade que tinha de ajustar-se ao seu caráter e aos seus desejos.
A história não respeita o sigilo.

Ricardo Arnt é diretor da revista “Planeta” e autor do livro “Janio Quadros, o Prometeu de Vila Maria” (Ediouro, 2004)