Dentro de uma trincheira cavada numa verdejante paisagem, dois soldados inimigos, um bósnio e um sérvio, ambos feridos, tentam imputar um ao outro a responsabilidade pela guerra fratricida que dizima suas etnias. Enfiado numa camiseta com a estampa da famosa língua dos Rolling Stones, o bósnio Chiki (Branko Djuric) encerra o assunto acusando o inimigo Nino (Rene Bitorajac), a quem mantém prisioneiro sob a mira de um rifle. Seu argumento é cínico, porque se considera o dono da situação: “Eu tenho a arma, você não.” Este clima de humor negro perpassa do começo ao fim o enredo de Terra de ninguém (No man’s land, França/Bélgica/Itália/Inglaterra/Eslovênia, 2001), sátira antibelicista dirigida pelo bósnio Danis Tanovic, vencedora do Globo de Ouro de 2002 na categoria melhor filme em língua estrangeira, em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Passado o primeiro impacto, a situação entre os dois soldados será invertida. Nino tomará a arma do adversário e repetirá a mesma lenga-lenga sobre o conflito. É uma situação meio absurda, que nunca se resolve. O que os imobiliza dentro da trincheira, a terra de ninguém do título, na verdade é uma armadilha humana. Postado entre a dupla se posiciona mais um soldado bósnio, o pobre Cera (Filip Savagovic), obrigado a ficar deitado de costas sobre uma mina com o mecanismo de ativação ligado. Para ele, não há opção. Se sair de cima do artefato, ele e os outros vão para os ares. O caso acaba sendo descoberto pela imprensa e termina num tremendo escândalo envolvendo a incompetência das tropas de ajuda da ONU, encarregada de salvar o homem-mina. Com experiência adquirida no documentário, o diretor Tanovic enfatiza detalhes realistas do campo de batalha e cria uma situação típica do teatro do absurdo. Só erra na mão ao retratar de forma rasa a hipocrisia humanitária e a fome de notícia dos correspondentes de guerra.