A bola de cristal dos economistas e homens de negócios definitivamente já viveu dias melhores. Mas tão certo como o ano começar em 1º de janeiro é o fato de que toda virada do calendário é acompanhada de uma onda de palpites na área econômica. Dos estudos baseados em informações respeitáveis, assinados por instituições de primeira, as previsões são assentadas no mais deslavado “chutômetro” – sendo que estas muitas vezes se saem melhor na espinhosa tarefa de prever o “clima” no planeta dinheiro.

Ninguém nega que 2001 terminou mal. Recessão nas duas maiores economias do mundo – a americana e a japonesa – e desaceleração em praticamente todos os países desenvolvidos. No Brasil, a economia começou o ano crescendo a uma taxa de mais de 4,5% e chegou ao final com uma taxa inferior a 2% de crescimento. A análise corrente aponta agora para uma retomada do crescimento econômico nos Estados Unidos, ainda a locomotiva da economia mundial com quase um terço da riqueza existente. Em recessão aberta desde março, a virada nos EUA abriria uma janela para que as economias menos desenvolvidas – a brasileira incluída – voltem a respirar. A questão, apontam os analistas, é saber quando a retomada americana se dará de fato. A maioria prevê que ocorra no início do segundo semestre, mas também um pouco antes ou um pouco depois. Caso a previsão se confirme, significará mais negócios nas principais economias do mundo, com mais investimento e geração de empregos. Antes de comemorar, entretanto, vale dizer que mesmo as previsões mais entusiasmadas consideram que o crescimento não será grande coisa – será, de qualquer forma, melhor do que continuar em recessão. “Estamos esperando um ano melhor em 2002, mesmo porque 2001 foi como um trem-fantasma, um susto em cada curva”, diz o presidente do BankBoston do Brasil, Geraldo Carbone. De susto em susto, os bancos não tiveram do que reclamar no ano passado – muitos registraram lucro recorde, dentre eles o próprio BankBoston, que teve o melhor resultado em 54 anos no País. Os economistas do BankBoston prevêem que a economia brasileira crescerá até dezembro de 2002 cerca de 2,5%, na melhor das hipóteses 3%. O que significa que o desemprego provavelmente continuará crescente. Os altos e baixos do dólar do ano passado deverão voltar nos próximos meses, avalia Carbone, principalmente por conta do calendário eleitoral. “Eleição é sempre um evento importante no Brasil, por isso esperamos alguma volatilidade no mercado de câmbio”, diz o banqueiro, que, como outros executivos e empresários, não considera mais a possibilidade de vitória do PT um problema. “Acho que o PT não assusta. É verdade que não há unanimidade entre os economistas petistas, mas isso é normal dentro de um partido”, avalia o banqueiro.
 

Alguns preferem enxergar uma mudança mais ampla nos “humores”. E isso mesmo entre o empresariado, como é o caso do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva. Ele considera que os atentados de 11 de setembro e a derrocada da política econômica do ministro Cavallo na Argentina devem trazer desdobramentos importantes inclusive na condução da economia brasileira. “A desindustrialização que a Argentina vive é uma lição muito útil para o Brasil. O certo é que os ventos estão mudando. É uma fase inteira do pensamento econômico que está se encerrando, o fim do predomínio do financeiro sobre a economia real. Inclusive porque as diferenças (entre os mais ricos e os mais pobres) aparecem mais depois de 11 de setembro”, diz Piva. O presidente da Fiesp prefere acreditar que a economia crescerá “moderadamente” no ano que vem, principalmente porque o crédito está mais caro e mais curto. “Ao contrário de 2001, acredito que 2002 começa mal e deverá acabar bem, inclusive por ser um ano eleitoral”, diz Piva.

O dinheiro “curto e caro” não vale apenas para as pessoas físicas. Vale também para as empresas, mesmo as grandes, que têm acesso ao mercado financeiro internacional. Um estudo feito pela Unctad, instituição de pesquisas econômicas ligadas à Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado recentemente, não traz boas notícias nesse terreno. A Unctad prevê que bancos e investidores estrangeiros irão mudar o destino dos preciosos dólares que têm para investir. Irá sobrar menos dinheiro para o mercado brasileiro, e boa parte desses recursos migrará para países do Leste Europeu e da Ásia, concluiu o levantamento feito com as maiores multinacionais do mundo. A China, que no ano passado formalizou a sua entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC), aparece em primeiro lugar no ranking dos países que deverão receber mais investimentos estrangeiros. Suas principais armas: crescimento superior a 6% ao ano, população de 1,3 bilhão de pessoas e distribuição mais uniforme da renda.

A falta de dólares para “irrigar” a economia brasileira será muito provavelmente o maior problema para o país enfrentar, avaliam os especialistas. E a crise profunda que a Argentina enfrenta deverá complicar ainda mais o quadro, que já não era nada animador. Isso porque muitas das grandes empresas estrangeiras que investiram pesado no mercado argentino também investiram por aqui. Se tiverem grandes prejuízos por lá, certamente reduzirão seus investimentos, avalia o estudo da Unctad, que, por isso, coloca a América do Sul atrás da Ásia e do Leste Europeu como destino para os investimentos em moeda forte.

A conturbada conjuntura internacional – com retração das maiores economias e o clima generalizado de incerteza – poderá, para alguns, abrir brechas para a economia brasileira. O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, especialista em economia internacional, é um deles. Crítico contundente da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o embaixador considera que hoje está mais claro qual é de fato o interesse americano ao defender com todas as forças a criação da área de livre comércio no continente. “A posição americana é a de brigar pela abertura de todos os mercados, enquanto defende o seu próprio”, avalia. O colapso argentino também é exemplo importante. “Como o Brasil, desregulamentou sua economia, abriu para as importações, privatizou, na expectativa de que os capitais estrangeiros viriam em abundância. E hoje abandonaram a Argentina, o que deve nos servir de alerta”, considera Guimarães.

Mais próximo do consumidor brasileiro, o empresário Samuel Klein, dono da rede de varejo Casas Bahia, engrossa o coro daqueles que acreditam que a história está andando mais depressa desde setembro. “O capitalismo terá de mudar um pouco, senão os países ricos vão ter muitos inimigos”, diz Klein. Preocupado com a alta dívida em dólar que o Brasil carrega, sugere, com a autoridade de quem faturou R$ 3,5 bilhões em 2001, que o Fundo Monetário Internacional adote uma postura mais pragmática na hora de gerir as dívidas dos países menos desenvolvidos. “O FMI deveria fazer como eu faço nas minhas lojas: se o cliente não está conseguindo pagar, abaixa a dívida 50% que ele paga.