No 28º Panorama, acontecido em 2003, o curador cubano Gerardo Mosquera negou o sentido da mostra organizada regularmente pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo desde 1969, afirmando ser impossível identificar uma produção genuinamente brasileira e incluindo artistas estrangeiros em seu “antipanorama”. Em cartaz até janeiro de 2006, a curadoria de Felipe Chaimovich para a 29ª edição da mostra vai na direção oposta, ao rastrear a produção de 14 Estados brasileiros e retomar uma pergunta que remonta ao modernismo e à Academia Imperial de Belas Artes, instalada em 1826, no Rio de Janeiro: o que é arte brasileira?

As 50 obras expostas – que englobam trabalhos em grafite, performance, intervenção sonora, fotografia, vídeo, pintura, desenho e instalação – não respondem diretamente à pergunta. Mas sua disposição por gêneros artísticos dá subsídios suficientes para abrir o debate. “A idéia de arte nacional é um projeto político que nasce com as academias dos séculos XVIII e XIX e os gêneros sustentavam esse conceito”, afirma o crítico Chaimovich, também professor de história e crítico de arte. As academias sistematizaram a representação do mundo em oito partes: paisagem, retrato, costume, natureza-morta, alegoria, história, religiosidade e emblema. Isto estava a serviço da definição de um critério estético uniforme de brasilidade. Mas a opção de Chaimovich por olhar a produção contemporânea segundo a divisão acadêmica não pode ser considerada nostálgica. O 29º Panorama mostra que a percepção que se tem hoje dos gêneros é outra. “Minha busca foi pelas obras que forçam os limites”, diz o curador.

No limiar entre natureza-morta e costume, a performance do mineiro Marco Paulo Rolla derrubou uma mesa de café da manhã, largou no chão do museu os restos em decomposição e ofereceu ao público uma outra acepção do termo natureza-morta. Café da manhã, assim como a cama Quarto de troncos, do paulista João Loureiro, ou A casa, do carioca José Bechara, instalação em que o mobiliário doméstico é expelido de um cômodo, estão a serviço da inversão e da descontextualização de hábitos cotidianos. No mesmo módulo, Expediente, do artista conceitual pernambucano Paulo Brusky desloca para o espaço expositivo a mesa de trabalho de um funcionário do museu. Numa leitura superficial, Cristo de rapadura, do baiano Caetano Dias, poderia ser interpretado como religiosidade. Na realidade, a escultura devorável contém as memórias do trabalho escravo durante o ciclo do açúcar e – por que não? – do canibalismo e da antropofagia.