Em uma iniciativa que a princípio parece desencargo de consciência, a sexta maior montadora do mundo, a francesa Peugeot, investiu dez milhões de euros (R$ 27 milhões) em uma devastada região amazônica. Para uns era só mais um buraco em um dos Estados que mais desmatam no País, Mato Grosso. Para os franceses, a área se transformou em um promissor poço de seqüestro de carbono, um dos gases poluentes que agravam o efeito estufa.

A mesma Amazônia que é palco de tragédias é também cenário de um projeto que visa amenizar as conseqüências do aquecimento global. “Quando se investe em uma área devastada, a comunidade local aprende que é possível reverter a situação”, diz Peter May, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Ele coordenou o estudo que avaliou os resultados obtidos na Fazenda São Nicolau, em Cotriguaçu, no noroeste de Mato Grosso. Desde setembro de 1998, ali são conduzidas experiências para medir a quantidade de carbono absorvida pela atmosfera em uma área desmatada de dez mil hectares, uma vez e meia a cidade de Paris.

Após cinco anos de pesquisa, a Peugeot começa a colher resultados. Foram dois milhões de mudas plantadas, o que resultou em 100 mil toneladas de carbono fixadas. “É uma evolução. Antes, cada árvore absorvia 1,5 tonelada de carbono; agora passou para 5,5 toneladas”, diz May. Isso acontece porque as árvores em fase de crescimento absorvem mais carbono do que as florestas maduras, explica o engenheiro agrônomo Paulo César Nunes, coordenador de conservação das florestas de Mato Grosso.

Em áreas onde o terreno servia apenas para pastagem, foram cultivadas espécies nativas como a figueira-branca, a aroeira, o ipê-rosa, a paineira e a exótica teca. “Percebemos que os animais foram aos poucos migrando para esse novo cenário”, conta Nunes. O marsupial cuíca, da família do canguru, é uma das 12 espécies de mamíferos que voltaram a viver na fazenda após o reflorestamento. “O auge do projeto é a volta dos animais a uma área antes tão degradada”, diz May. Desde 2000, os cientistas acompanham 500 espécies de vertebrados da região. A iniciativa da Peugeot é uma espécie de mecenato ecológico. “Não vamos negociar os créditos de carbono com outros países. Temos apenas interesse científico”, promete Jean-Martin Folz, presidente mundial da montadora.

A empresa distribuiu 80 mil mudas aos fazendeiros da redondeza. Uma árvore absorve em média três toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano, enquanto uma pequena queimada pode emitir 350 toneladas. “Não se pode dar um passo para a frente e dez para trás”, diz Peter May. A experiência não foi sempre um sucesso. Na fase inicial, as mudas plantadas não resistiam à concorrência do vigoroso capim brachiaria. Para superar essa barreira, tentou-se pulverizar a aérea com herbicida, o que contaminou as águas da região. “Encontramos no gado a solução. Eles ao mesmo tempo controlam o capim e adubam a terra”, diz Folz.

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O projeto, com duração até 2038, pretende alcançar 1,2 milhão de toneladas de carbono fixadas. Nada mau para uma montadora que emite 50 gramas de CO2 por quilômetro rodado de seus carros. A indústria automobilística é apenas uma das vilãs responsáveis pela emissão de quatro bilhões de toneladas de poluentes que formam um cobertor na atmosfera da Terra. E o poço de carbono é um primeiro passo para combater o aquecimento global.


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