A fila vira o quarteirão da Central do Brasil. São pobres, desvalidos e desempregados à espera de um prato de refeição por R$ 1, no Restaurante Popular Betinho. Rosângela Matheus, primeira dama do Estado do Rio, secretária de Ação Social, responsável pelo projeto, surge, na quinta-feira 17, em um Santana prata, com um jeans listrado destacando seu manequim 40 e um top decotado de gosto duvidoso. Indefectível batom vermelho, aparentemente incompatível com sua dedicação à Igreja Evangélica. Causa furor. Muitos a identificam, outros apenas a devoram com os olhos. “É minha governadora, sou apaixonada por ela”, derrete-se a ambulante Irene de Oliveira, 65 anos, já quase cega e sem os dentes superiores. Com a maior naturalidade, Rosinha, 38 anos, comporta-se como candidata. Dá autógrafos, escreve dedicatórias, distribui beijos e tapinhas nas costas. Não resiste a uma criança.

Uma hora antes, a mulher de Anthony Garotinho, governador do Rio alçando vôo na campanha à Presidência, esbanjava charme: deixou a imprensa esperando mais de uma hora nos portões do Palácio Laranjeiras para dizer que ainda não pode aceitar a indicação do PSB à sucessão de seu marido porque não ouviu suas “bases”. “Meus filhos estão de férias, eles precisam saber o que é um pai em campanha à Presidência e uma mãe candidata a governadora”, esquivou-se. Militantes do PSB estavam lá no Palácio para entregar a ela os resultados da prévia entre os filiados que cravou Rosinha na cabeça. Carisma é o que não falta à primeira-dama.

Rosinha não anunciou sua decisão, mas o terreno para o lançamento de sua candidatura não poderia estar mais fertilizado. Segundo informações do Sistema Financeiro de Estados e Municípios (Siafem), do Ministério da Fazenda, de janeiro a abril de 2000 o orçamento da Secretaria de Ação Social foi de R$ 12 milhões, quando era administrada por Antônio Pitanga, marido da vice-governadora Benedita da Silva, ambos do PT. De maio a dezembro do mesmo ano, quando Rosinha assumiu o cargo, o critério mudou: houve uma injeção de mais R$ 61 milhões. Em 2001, a previsão inicial de R$ 158 milhões saltou para R$ 163 milhões. Este ano, já contando com a debandada da secretária, a previsão orçamentária é de R$ 83 milhões. “Posso garantir que assumi a secretaria em abril de 2000 com o orçamento que Pitanga organizou, mas os recursos foram viabilizados porque eu tinha projetos”, justifica Rosinha.

ISTOÉ recebeu denúncia semelhante. O projeto citado no orçamento como Mutirão pela Paz teve um aumento da dotação original de R$ 110 mil para R$ 6 milhões. Outro, chamado de Articulação e Programação de Coordenação de Programas Sociais, passou de R$ 340 mil para R$ 13 milhões. Tudo na virada Pitanga-Rosinha. Curiosamente, o orçamento de ambos foi zerado para este ano. Rosinha afirma desconhecer os nomes desses programas, talvez porque tenham sido modificados para uso externo. Ela também desconhece o tamanho dos orçamentos que comandou no ano passado e neste ano. Mas no jogo político, sabe as regras. É simpática e envolvente, e inspira confiança quando fala com seu jeito tranquilo.

“Tudo certinho?”, costuma iniciar uma conversa. É capaz de tirar da cartola frases de efeito como “não sou panela de pressão”, em resposta à ansiedade do PSB pelo seu “sim” à idéia de candidatar-se. Tem mão-de-ferro na administração da casa, dos nove filhos (quatro do casal e cinco adotados) e da secretaria, além de ser uma voz sempre ouvida por Garotinho. Para o presidente regional do PDT, deputado Carlos Lupi, a hesitação de Rosinha é apenas encenação para mantê-la em evidência. Ela e o marido já estariam decididos a levar adiante o projeto da “oligarquia do chuvisco”, referindo-se ao doce típico de Campos, cidade natal do governador.

O casal começou junto no teatro amador e no radialismo. Ambos têm o dom da oratória. Fundaram o PT em Campos em 1981 e deixaram o partido dois anos depois, criticando o “radicalismo excessivo”. A birra continua. Um dos projetos preferidos de Benedita, o Vida Nova, para oferecer aos jovens alternativas ao tráfico de drogas, é hoje um dos principais alvos de denúncias contra a secretaria. Os inscritos estariam sendo usados pelo governo como massa de manobra, a exemplo das denúncias contra o programa do cheque-cidadão, em que igrejas, em sua maioria evangélicas, distribuem cheques do governo a famílias carentes. Rosinha desmente. Prefere citar o sucesso de programas como o Reconstruindo Cidadania e o Combate à Exploração Sexual Infantil, mas não tem os resultados na ponta da língua. Rosinha ainda não assumiu que tentará ocupar o trono do marido no Palácio Guanabara. Como evangélica, não pode mentir. Pelo menos em tese.