Sob a gélida temperatura do inverno russo, o presidente Fernando Henrique Cardoso passou a semana praticando seu esporte predileto nas viagens internacionais: mandar recados sobre os assuntos internos do País. Quanto à sucessão, disse que não era “xerife” de candidatos, numa referência ao belicismo reinante no ninho tucano. Obteve êxito parcial. As alas pró José Serra e pró Tasso Jereissatti cessaram o tiroteio que fez estragos dentro do PSDB. Mas FHC não conseguiu esquentar as relações ainda glaciais entre Tasso e o agora candidato tucano oficial, o ministro da Saúde, José Serra. O governador do Ceará só compareceu à solenidade de lançamento do nome de Serra, em Brasília, na quinta-feira 17, depois que o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), condicionou a presença do PSDB mineiro na festa à de Tasso. Mas o comparecimento protocolar do cacique cearense não foi suficiente para esconder o constrangimento e garantir seu empenho na campanha. Cumprindo o script partidário, os dois trocaram abraços, apertos de mão, mas Tasso já traçou seu objetivo. E ele está distante da candidatura tucana. Não aceita participar da coordenação de campanha e irá cuidar da eleição de seu grupo no Ceará e de sua própria, para o Senado.

Na chegada ao aeroporto, deu o tom de sua insatisfação: “Sou leal, mas continuo independente para falar com quem quiser, na hora em que eu achar necessário.” A direção tucana procurou minimizar. “O PSDB iniciará e terminará a campanha unido”, aposta o deputado Aécio Neves. A primeira tentativa de demonstrar essa coesão foi com o lançamento de Serra, no qual estavam todos os governadores, ministros e boa parte da bancada tucana. Vilma, viúva do ex-ministro Sérgio Motta, e Renata, filha de Mário Covas, também compareceram, numa demonstração de que a família do ex-governador, favorável ao nome de Tasso, já dá o aval à candidatura de Serra. O ministro da Saúde, que precisa se viabilizar para agregar o PSDB, evitar dissidências e atrair o apoio de outros partidos, não se incomodou com a falta de entusiasmo dos tassistas. Nos 26 minutos de discurso aos correligionários, o ministro não fez ataques. Procurou reforçar que era o candidato do governo. Ressaltou a implementação dos remédios genéricos, defendeu o crescimento, o fortalecimento da empresa nacional e adiantou seu slogan: “O lema do nosso governo será nada contra a estabilidade, tudo contra a desigualdade.” Serra chegou a elogiar a oposição no que se refere aos projetos de seu Ministério enviados ao Congresso: “Devo reconhecer, aliás, que a bancada oposicionista no Congresso também apoiou essa medida (genéricos), bem como todas as outras sobre a saúde que enviamos ao Congresso.” Após o lançamento oficial de sua candidatura, Serra foi almoçar com os tucanos na churrascaria Porcão. Foi recebido com gritos de “É presidente, é presidente”. O clima festivo, porém, não contou com Tasso, que preferiu voltar mais cedo para casa. Com 7% das intenções de votos nas pesquisas eleitorais, Serra acelera as articulações políticas. Já avisou o Palácio que deixa o cargo no dia 20 de fevereiro para intensificar a campanha. O ministro apresentará semanalmente propostas de governo.

O vice – No domingo 13, Serra procurou reservadamente o presidente do PMDB, deputado Michel Temer. Os dois, velhos conhecidos da militância estudantil, conversaram por três horas na casa de Temer em São Paulo. O ministro ofereceu a vaga de vice para um peemedebista, de preferência do Nordeste, onde a candidata do PFL Roseana Sarney cresce nas pesquisas e Serra encontra muitas resistências. Questionado por Temer sobre uma eventual composição entre os três partidos do governo (PSDB, PFL e PMDB), caso o PFL reivindicasse a vice-presidência, Serra foi taxativo: “Minha aliança preferencial é com o PMDB para vice e para a montagem do governo.” A pressa de Serra se explica: o PMDB também é cortejado por Roseana e terá candidatos a governador em quase todos os Estados do País. O tucano fez até uma deferência a Itamar no discurso de lançamento da candidatura, ao atribuir a ele o início da estabilidade.

Os dois não avançaram em nomes por um motivo pontual. O PMDB, que vinha insistindo na tese da candidatura própria, tem suas prévias marcadas para 17 de março e espera uma manifestação pública do governador mineiro, Itamar Franco, que vacila entre ficar e sair do páreo. Até lá, o partido fica impedido de negociar qualquer composição. Mas os peemedebistas decidiram não esperar pela iniciativa de Itamar Franco. Resolveram antecipar a decisão. Na quarta-feira16, o partido enviou a Minas Gerais o líder do Senado, Renan Calheiros (AL), com a missão de extrair de Itamar uma rápida definição sobre seu futuro político e deixar o partido livre para negociar com o PSDB ou com o próprio PFL, que tem como interlocutor dentro do PMDB o pai da candidata Roseana, o senador José Sarney. A conversa, com direito a pão de queijo e café, durou uma hora e meia. Assim que deixou o Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro, Renan ligou para os caciques do partido e informou que Itamar vai jogar a toalha.

Ameaça – Na conversa, Itamar, acompanhado do secretário de Governo, Henrique Hargreaves, deu todas as indicações que o partido aguardava. “Não acredito que seja possível emplacar uma candidatura sem união”, admitiu Itamar. O governador chegou a antecipar o enredo. Avisou que, quando oficializar a desistência, vai criticar a direção do PMDB. “Vou xingar e dizer que nunca acreditei nas prévias, que até hoje não têm nem as regras definidas. Se o PMDB apoiar o governo, vou no rumo oposto, para a oposição”, avisou Itamar, antecipando que pode desembarcar na candidatura do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Itamar estará esta semana em São Paulo para conversar com o ex-governador Orestes Quércia e com o presidente do PT, José Dirceu. A cúpula do PMDB já começa a tramar mais uma ação para inviabilizar os outros dois que ficarão na disputa, o senador Pedro Simon (RS) e o ministro para Assuntos Fundiários, Raul Jungmann (PE). Quando Itamar anunciar a desistência, o PMDB pretende cancelar as prévias e decidir quem apoiará – Serra ou Roseana – na convenção em junho. Ou seja: o que tiver as melhores chances de vencer.

 

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