Depois que sai do consultório em Porto Alegre, o ginecologista Carlos de Castro, 46 anos, se arma com metralhadora, rifle, faca e extermina os adversários sem piedade. Castro não é um criminoso, mas engrossa a lista dos cerca de sete milhões de brasileiros que se renderam aos jogos eletrônicos. Nos Estados Unidos, são 145 milhões de viciados. À primeira vista, Castro parece solitário diante do PC. Não está. Joga ligado pela internet a outros membros do Clan da Véia Nadir (trocadilho da palavra clã com lan, sigla para rede local de computadores), clube que fundou e reúne 35 jogadores com o intuito de promover batalhas na tela dos micros. Entre os participantes, há até um estudante de oito anos. Todos são vidrados em uma das versões de Quake, jogo de tiro em que o objetivo é matar os adversários. “Quando eu tinha 18 anos, a única diversão eram as lojas de fliperama. Hoje, não preciso mais sair de casa”, diz Castro, ou Zé do Bode para os inimigos virtuais mais íntimos.

A internet não é a única opção para quem quer jogar em rede. As lan houses, lojas com computadores conectados entre si apenas para disputa de games, não param de crescer no País. No ano passado, havia em torno de 20 em todo o Brasil. Hoje, são mais de 200. A maioria serve para que gamemaníacos disputem unidos por PCs em rede o game Counter-Strike, que reproduz no mundo virtual a antiga brincadeira de polícia e ladrão. Os jogadores se dividem em dois times que se enfrentam, o dos terroristas e o dos policiais. Sobram explosões, tiros de fuzis, facadas e granadas na tela. Embora os jogos sejam criticados por promover a violência, Rodrigo Amaral, sócio do Cyberlounge, de São Paulo, afirma que eles funcionam com o objetivo oposto: “É uma válvula de escape para o stress do dia-a-dia.”

A febre em torno do Counter-Strike é tanta que, além de estar praticamente esgotado nas prateleiras brasileiras, é tema de campeonatos internacionais patrocinados por gigantes da informática como Intel e Samsumg. Os membros do G3X, grupo formado por cinco estudantes paulistanos, conquistou no final de 2001 o sétimo lugar em um torneio na Coréia do Sul do qual participaram 135 jogadores de 27 países. Já embolsaram prêmios como computadores Pentium IV avaliados em mais de R$ 2 mil, jogos eletrônicos e placas de vídeo. “Antes, eu encarava o Counter-Strike como um joguinho. Quando comecei a ganhar prêmios, vi que é algo sério”, diz Rafael Frid, 17 anos, que se transforma no sanguinário Blood do G3X. “Para nós, eles são atletas tão respeitados como os de qualquer outro esporte”, elogia Leonardo de Biase, dono da Monkey, rede de lan houses com 16 lojas em sete capitais brasileiras, e empresário do grupo.

Os jogos de tiro não são os únicos a conquistar os internautas. O Age of Empires, game de estratégia da Microsoft em que o jogador tem que criar civilizações e fazê-las prosperar, já conquistou mais de 15 milhões de usuários no mundo e também é disputado em rede. “Já joguei durante seis horas”, diz o campeão brasileiro de Age of Empires, o paulistano Norson Saho, 22 anos, cujo nickname (apelido) é Gary Payton. Ele abandonou a faculdade de engenharia para se dedicar ao mundo dos games. “Ainda não dá para viver só do jogo, mas as perspectivas são boas”, diz ele, que já ganhou um computador, US$ 600 em dinheiro e uma viagem para um torneio virtual em Seattle.

Nem todos os jogos, porém, exigem a compra de um CD, o aprendizado de inúmeros comandos e troca de tiros. Há opções simples de divertimento em sites como www.atrativa.com.br ou www.bananagames.com.br, onde se pode disputar gamão, xadrez, o clássico jogo da velha e até sinuca. Não precisa nem de um computador potente, já que os games rodam nos computadores dos próprios sites. Basta que o internauta se cadastre para começar a se divertir. “Os jogos online têm um potencial enorme e o fliperama do futuro será a residência de cada usuário”, diz Arakem Leão, presidente do Banana Games. A empresa quer lançar este ano um sistema de distribuição de jogos pela internet ao preço de R$ 10 mensais por usuário.

Se parecem brincadeira de criança, os jogos são negócio de gente grande. O setor movimenta US$ 17 bilhões no planeta. Só as atrações online devem saltar de US$ 138 milhões para US$ 2,3 bilhões em 2005, segundo a consultoria americana GartnerG2. A página americana Battle.net, que entrou para o Guinness book – livro dos recordes como o maior site de games da internet, possui 8,2 milhões de jogadores cadastrados. O setor vai ganhar em abril até uma feira em São Paulo, a Eletronic Games Expo Latin America, que promete novos games, campeonatos e um congresso sobre o tema. Além, é claro, de muito sangue e adrenalina correndo no monitor do computador.