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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu transformar o País num “canteiro de obras”, e a disputa pelos R$ 100 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), depois de décadas de vacas magras, já transformou o clima de compadrio vigente entre as grandes empreiteiras brasileiras em verdadeiro canteiro de intrigas. Na semana passada, três delas, Carioca Christiani-Nielsen, Serveng-Civilsan e Paulista Construtora, deflagraram uma batalha judicial no Superior Tribunal de Justiça contra a gigante Norberto Odebrecht e contra o Ministério da Integração por causa das obras da transposição do rio São Francisco – um projeto de R$ 4 bilhões só na primeira fase. Na ação, à qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade, as três empreiteiras acusam o Ministério de agir “dolosamente” e com “má-fé” para favorecer a Odebrecht. “Nessa condição, sozinha, sem competição, a construtora Norberto Odebrecht passaria a ter a garantia de ver para si adjudicado o lote em questão. Sem competição alguma!”, ressalta a acusação.

Havia uma velha aliança para tocar as obras no São Francisco. Dezenove empreiteiras combinaram a divisão entre si de 14 lotes de obras, entre R$ 240 milhões e R$ 280 milhões cada uma. Todas entrariam em várias licitações, mas, pelo acordo de cavalheiros, só uma disputaria o lote para valer. O primeiro deveria ser da Odebrecht; o segundo da Camargo Corrêa e o terceiro da Andrade Gutierrez. O último lote, o 14, foi destinado ao consórcio formado pela CR Almeida, de Cecílio do Rego Almeida, do Paraná, e a Via Engenharia, de Brasília. Polêmico, Cecílio vem há meses sendo atacado pelos antigos parceiros. Em meados do ano, perdeu para a construtora Iesa, fora do combinado, a licitação do contorno ferroviário de São Francisco do Sul (SC) e deve perder em breve o contorno de Joinville (SC) para a paulista Convap. Cecílio descobriu em abril que empreiteiras de pouca tradição mas com muita agressividade, como a Delta, do Recife, e a ARG, de Belo Horizonte, armavam-se para levar a concessão da duplicação da rodovia Regis Bittencourt, entre São Paulo e Curitiba. Por fim, ficou furioso com a Odebrecht ao saber que fora posto para escanteio na divisão do bolo das hidrelétricas do rio Madeira, obra de R$ 20 bilhões. Nesse clima, faltando duas semanas para entregar as propostas da transposição, em maio, a CR Almeida avisou que todos os acordos estavam quebrados. “Vou explodir todo mundo”, anunciou ele. “Agora é cada um por si.”

Foi o que aconteceu. Cerca de 20 empreiteiras novas resolveram entrar na disputa pela transposição. Formaram consórcios às pressas e apresentaram propostas para vencer. A mineira ARG – investigada pelo Ministério Público por ter sacado R$ 102 milhões em dinheiro vivo no Banco Rural – foi com tudo para cima do lote 8, pretendido pelo consórcio da Carioca. A Gautama, do baiano Zuleido Veras, se juntou ao empreiteiro paranaense Joel Malucelli e também atacou o lote 8. A Carioca mudou de estratégia e entrou para valer no lote 1, reduto da Odebrecht, e no terceiro, da Andrade Gutierrez. A Santa Bárbara, que estava fora do jogo, atacou o lote 9, cobiçado pela OAS. A pernambucana Delta, líder da Operação Tapa-Buracos, tinha o lote 6 prometido, mas foi atacada por quatro consórcios, incluindo o da Queiroz Galvão. “Parece o início da Primeira Guerra Mundial, com todos contra todos”, queixa- se o presidente de uma das empreiteiras envolvidas.

Em julho, a Odebrecht entrou com uma representação junto ao ministro da Integração, Geddel Vieira Lima, contestando a utilização do chamado “atestado pleno” de capacitação técnica. As licitações têm uma série de exigências, como experiência em um volume determinado em algum tipo de obra. Isso afasta as pequenas ou as aventureiras. As empreiteiras se juntam em consórcios para somar suas experiências e ganhar os atestados. No caso do “atestado pleno”, elas aproveitam o atestado obtido em consórcios antigos para novas licitações. É um hábito estranho, mas a legislação é omissa. Quando armavam os consórcios para a transposição, as empreiteiras fizeram cinco consultas ao Ministério da Integração. Em todas, o Ministério respondeu que poderiam usar os tais “atestados plenos”. Os consórcios foram todos armados entre março e abril com base nessa regra. O problema é que, ao permitir o “atestado pleno”, empresas sem tecnologia suficiente para determinadas obras acabam entrando na disputa. Isso acabou gerando uma guerra das “pequenas” contra as “grandes” e rachando os acordos dessas últimas.

A partir da contestação feita pela construtora baiana, o Ministério mudou sua posição, em ato assinado por Pedro Sanguinetti, adjunto de Geddel. Com isso, mais de 50 empreiteiras serão excluídas da licitação quando for julgada a habilitação de cada lote. No primeiro trecho, o consórcio Carioca-Serveng-Paulista deve ser desabilitado. A Odebrecht poderá, então, chegar sozinha à última fase da disputa. No segundo trecho, se prevalecer a nova regra, vão cair os consórcios liderados pela Carioca, pela Camter e até a Camargo Corrêa. Nesse lote, ficará sozinho o consórcio liderado pela OAS. O consórcio da Carioca reagiu com uma ação judicial contra o Ministério, exigindo a manutenção das regras. O processo está no STJ. A Odebrecht não vai se manifestar publicamente. A Carioca também informa que só vai se manifestar na Justiça. “Cada um conta da história a parte que lhe interessa”, disse a ISTOÉ o consultor jurídico de Geddel, Marcus Gouvêa. “Será que quem fez 10% de uma obra pode se locupletar de um atestado de 100% para outra obra?” E arremata: “Não houve mudança de regra, mas confusão de interpretação."

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As intrigas entre empreiteiras vão além das obras do São Francisco. No Pará, a Odebrecht vai disputar para valer a hidrelétrica de Belo Monte, obra de R$ 7,5 bilhões que estaria assegurada à Camargo Corrêa. No Tocantins, a Vale do Rio Doce preparava-se para ganhar a concessão de um trecho da Ferrovia Norte-Sul, entre Palmas e Aguiarnópolis, obra de R$ 1,15 bilhão – mas de repente se viu atropelada pela ARG. Por fim, está sendo preparada outra batalha pela obra de ampliação da base de lançamento de foguetes de Alcântara, avaliada em R$ 600 milhões. Odebrecht e Andrade Gutierrez planejavam ganhar juntas. Mas, por causa das outras batalhas, a Camargo Corrêa ameaça retaliar entrando na disputa para ganhar. Também é pública a batalha travada entre a Odebrecht e a Camargo Corrêa por causa das hidrelétricas do rio Madeira. A Camargo, furiosa com o fato de uma velha parceira ter fechado, nas suas costas, contrato de exclusividade com os três principais fornecedores internacionais de turbinas de hidrelétricas, denunciou a Odebrecht ao Cade e ainda contratou a consultoria do ex-ministro José Dirceu.