Economista critica conduçãoeconômica e diz que o País estáperdendo a oportunidade de crescercom o bom momento da economia

O professor Luiz Gonzaga Belluzzo se divide entre duas paixões: o Palmeiras e a economia brasileira. Como palmeirense roxo (ou melhor, verde), já se candidatou à presidência do clube algumas vezes, mais para fazer oposição ao controvertido ex-dirigente Mustafá Contursi. Hoje se contenta com o título de conselheiro vitalício, mas não com o atual time – quinto lugar no Campeonato Brasileiro –, que considera muito fraco e sem chances de disputar o título deste ano. “Temos um centroavante que mais parece um poste da Eletropaulo”, diz ele, indignado. Na economia, não é diferente em relação às críticas. Não concorda com a atual condução da política econômica, especialmente no que diz respeito a taxas de câmbio e juros. Professor da Universidade de Campinas e um dos fundadores da Facamp, foi um dos economistas que ajudaram na confecção do Plano Cruzado na equipe do ministro Dilson Funaro, durante o mandato do presidente José Sarney. Autor de vários livros, ganhou, na quinta-feira 27, o Trófeu Juca Pato como intelectual do ano de 2004 pelo livro Ensaio sobre o capitalismo no século 20. Belluzzo recebeu ISTOÉ em seu apartamento no bairro paulistano dos Jardins em meio aos livros sobre economia e pôsteres de times campeões do Palmeiras e um porquinho em cerâmica vestido com as cores do clube, xodó e mascote dos torcedores alviverdes.

ISTOÉ – Que avaliação o sr. faz do atual momento da economia do brasileira?
Luiz Gonzaga Belluzzo

Pode-se olhar por dois ângulos: ausência nos últimos dois anos de qualquer turbulência interna ou externa; ajustamento muito rápido
na balança de pagamentos; redução da chamada vulnerabilidade externa, com ganhos importantes nas exportações e crescimento acima de média mundial; aumento das reservas; e saída do acordo com o Fundo Monetário. Por outro lado, estamos crescendo bem abaixo das demais economias emergentes. Se compararmos o nosso desempenho com os asiáticos, por exemplo, sobretudo com os grandes países da Ásia, vamos ver que tanto em termos de taxa de crescimento quanto em termos de avanço da estrutura produtiva, sobretudo da indústria, ficamos muito atrás. Isso é grave porque não é um fenômeno que ocorre agora, mas vem desde a crise dos anos 80.

ISTOÉ – Por que não conseguimos acompanhar os países emergentes?
Luiz Gonzaga Belluzzo

Porque o Brasil fez opções equivocadas. As coisas nunca começam no ponto em que terminam. O Brasil foi o país que mais cresceu nos 50 anos que vão de 1930 a 1980. Entretanto, nos anos 70, depois da primeira crise do petróleo, fizemos uma opção perigosa de avançar no processo de substituição de importações com financiamento externo. É muito fácil constatar que a economia optou pela estratégia errada, escolhendo setores pesados para substituir importações, em vez de buscar a introdução em áreas ligadas a novas tecnologias, da microeletrônica, da informática. E pior que isso. O Brasil fez isso usando o endividamento externo pesado para financiar setores que não estavam sujeitos à concorrência externa. Ou seja, não eram setores dinâmicos na economia mundial e não geravam capacidade de pagamento em dólar.

ISTOÉ – O oposto do que aconteceu na Coréia, por exemplo.
Luiz Gonzaga Belluzzo

Na Coréia, na China e em outros países. Nos anos 60, diga-se, fizemos um ensaio de combinar o processo de importações com uma estratégia de incentivo às exportações. Isso acabou sendo interrompido nos anos 80. Enfim, abandonamos a discussão sobre a necessidade de políticas estruturais contrariando o que os outros países que estavam sendo bem sucedidos faziam. Então, a dificuldade nos anos 90 e agora é rearticular essas políticas e combiná-las com a política macroeconômica. No fundo há uma idéia de que as políticas desenvolvimentistas são populistas, o que não tem confirmação na experiência de outros países. No caso da Ásia, por exemplo, eles combinam virtuosamente as duas coisas, mas algumas questões eles resolveram de pronto, como os mecanismos internos de financiamento. O que acontece com o Brasil não é só um problema de baixo crescimento a curto prazo. É que estruturalmente ficamos para trás do ponto de vista do avanço da indústria. Olhando a dinâmica das economias asiáticas, sobretudo da China, o que se vê é que eles estão graduando as suas exportações, incorporando sistemas de geração de inovação de tecnologia internamente.

ISTOÉ – Quer dizer, estamos perdendo de goleada para os asiáticos?
Luiz Gonzaga Belluzzo

Na verdade, os asiáticos têm uma estratégia de integração à economia internacional, de perceber os movimentos que estão acontecendo lá fora e de não abandonar as políticas internas que tem a ver com infra-estrutura, política industrial e de comércio exterior, que devem andar juntas. O Brasil foi abandonando isso.

ISTOÉ – Alguns economistas têm dito que esse momento da economia internacional não passa de uma bolha.
Luiz Gonzaga Belluzzo

É sim. Estamos navegando em uma grande bolha global. Faz parte dessa bolha a valorização do real. É assim que o capitalismo cresce. Sobretudo nessa etapa, ele cresce com bolha de ativos.

ISTOÉ – Mas o Brasil está crescendo menos…
Luiz Gonzaga Belluzzo

Ridiculamente menos. Todos estão aproveitando a bolha para crescer, aumentar sua capacidade produtiva, investir. E quem está aproveitando mais são aqueles que estão ganhando participação nos setores mais dinâmicos, constituindo suas estruturas industriais produtivas para competir. Ninguém pode garantir que isso será permanente, mas não pode auto-restringir sua capacidade de crescimento quando tem tudo para crescer com estabilidade de preços e avançar na diferenciação produtiva e na reconstituição de sua infra-estrutura. Um dos aspectos graves que o Brasil não está tratando é a falta de um arranjo entre as políticas monetária e fiscal. No Brasil, o cara que faz a despesa não é o mesmo que paga a conta. Temos que ter um situação fiscal compatível com a redução da dívida, mas ao mesmo tempo exigir que a política monetária tenha um compromisso com a estabilização fiscal.

ISTOÉ – E o déficit nominal zero?
Luiz Gonzaga Belluzzo

Acho que a proposta do deputado Delfim Netto (PMDB-SP) é de uma grande ironia, porque, na verdade, ele está querendo que a política monetária se ajuste à política fiscal. Essa falta de integração e essa independência relativa da política monetária em um país como o Brasil acabaram causando esse dano. Então, temos a febre aftosa porque se corta linearmente. O controle na boca do caixa é uma das coisas mais estúpidas que se pode fazer. Quando se faz um corte linear pode-se estar acabando com um programa de pesquisa sobre uma vacina que vai tratar da gripe asiática ou da febre aftosa, ou um programa de educação importante.

ISTOÉ – Mas este governo faz cortes lineares, contingencia…
Luiz Gonzaga Belluzzo

Cortar na boca do caixa é negócio de contador. Nós, que tivemos uma tradição de planejadores de longo prazo, estamos nas mãos dos contadores. Você pode ter uma boa administração fiscal com um bom planejamento de longo prazo, preservando os gastos que são essenciais.

ISTOÉ – Mas o ministro Antônio Palocci quer fazer superávit…
Luiz Gonzaga Belluzzo

Isso já provocou até um protesto do Joaquim Levi (secretário do Tesouro Nacional) contra essa política, porque ele está sentindo qual é o peso dessa política monetária sobre a execução da política fiscal. Aí o Palocci chega com soluções mágicas, de contador, e o presidente da República é obrigado a dizer que a culpa da aftosa é dos pecuaristas, provavelmente das vacas. E as estradas esburacadas são de responsabilidade dos usuários que insistem em passar pelas rodovias.

ISTOÉ – O presidente Lula tem dito que a economia brasileira passa por seu melhor momento nos últimos 30 anos.
Luiz Gonzaga Belluzzo

É como aquela história do Casseta e Planeta sobre a morte do ex-presidente Médici: Médici morreu, mas passa bem. Quer dizer, a economia brasileira passa bem, mas está morrendo.

ISTOÉ – Não há fórmulas mágicas. Mas o que deve ser feito para mudar os rumos da economia?
Luiz Gonzaga Belluzzo

Levando em conta todas as restrições que tivemos e o clima internacional favorável, o fato de o Brasil crescer pouco é de responsabilidade dessa política econômica. A incapacidade de fazer a passagem. Depois da crise de 2002, com os prêmios de risco batendo nos dois mil pontos, câmbio desvalorizado e dívida pública explodindo, ninguém estava pedindo para se fazer um movimento brusco, uma ruptura. Estávamos pedindo simplesmente uma taxa de câmbio real protegida, uma política de metas de inflação mais prudente. Eles poderiam, começar a fazer isso.

ISTOÉ – Mas como se resolvem as questões dos juros e do câmbio?
Luiz Gonzaga Belluzzo

Estamos agora em uma trajetória de juros em queda e espero que ela continue com a velocidade do último corte. Acho que o Banco Central pela experiência passada vai ser muito cauteloso, olhando bastante o cenário internacional. O que temo é um acontecimento no cenário internacional que possa, por exemplo, causar um aumento brusco da taxa de câmbio. Nós corremos esse risco. Espero que dê tempo para que a taxa caia e o câmbio volte de uma maneira ordenada para R$ 2,80 ou R$ 2,90.

ISTOÉ – O sr. acha possível termos um comportamento de juros como têm os asiáticos, onde o juro está abaixo da taxa de crescimento? O que, para nós, seria um sonho?
Luiz Gonzaga Belluzzo

Na verdade, é um sonho que vivemos nos anos 50 e 60, com um pouco mais de inflação, mas nada grave. Estamos construindo uma outra defesa e isso é muito importante. Estou falando da ampliação das nossas reservas. Conseguimos ampliá-las e isso é fundamental.

ISTOÉ – O Henrique Meirelles (presidente do Banco Central) é o exemplo de condução dessa política?
Luiz Gonzaga Belluzzo

Não acho que seja tanto o Meirelles, mas a diretoria do Banco Central, que é mais doutrinária. A economia contemporânea tem, por causa dessas questões de crenças, das convenções, das expectativas, uma semelhança muito grande com
a religião. Alguns economistas se vêem como uma espécie de sacerdote dessa religião. Executores dessa dogmática. Coisa que o Alan Greesnspan (presidente do Fed, o banco central americano) não tem. Ele talvez se considere mais próximo de um cozinheiro do que de um padre. Ao passo que os daqui se atribuem mais divindade, um ministro de deus em vez de um mero mestre-cuca.

ISTOÉ – E essa aproximação do Brasil com a Venezuela e a Argentina?
Luiz Gonzaga Belluzzo

É uma idéia que considero frutífera, a de fazer esse eixo que o presidente Hugo Chávez propôs entre Venzuela, Argentina e Brasil, porque acho que temos muita sinergia.

ISTOÉ – Apesar do Chávez?
Luiz Gonzaga Belluzzo

Sim, mas quero fazer uma apreciação sobre Chávez que talvez seja contrária à opinião geral. Acho que ele é um marco divisório na sociedade venezuelana. Ele percebeu que a continuidade da dependência exclusiva da economia petrolífera seria um beijo da morte nos venezuelanos. E que essa economia é responsável pela disparidade social que se tem lá. A briga dele contra a PDVSA no fundo é uma luta contra a oligarquia venezuelana que, como Chávez já disse aqui, usou as receitas do petróleo para passear em Miami – uma coisa típica de economia de enclave. Ele está usando agora o dinheiro do petróleo para tentar fazer uma diversificação econômica. Não acho que ele seja um aventureiro, o estilo dele é folclórico, mas já deu demonstrações de uma excelente formação. Ele é bem mais instruído do que a maioria da classe média brasileira que escarnece dele. A perspectiva dessa integração sul-americana me parece promissora, mas não será fácil.

ISTOÉ – Mas a dificuldade não estaria justamente nesse lado folclórico do presidente Chávez, que deixa o empresariado desconfiado?
Luiz Gonzaga Belluzzo

Também acho, talvez se ele fosse parecido com o Antony Eden (primeiro-ministro inglês 1955-57, exemplo da clássica elegância britânica) as coisas seriam mais fáceis (risos).