Os homens que se preparem. Na semana passada, a medicina deu mais um passo na direção de um método anticoncepcional para eles. Cientistas dos Institutos de Pesquisa Anzac e Príncipe Henry, na Austrália, anunciaram os resultados de um estudo feito com 55 casais. Durante um ano, os homens receberam um implante de testosterona (hormônio que define as características masculinas) combinado com injeções trimestrais de progestina (versão sintética da progesterona, um dos hormônios femininos). A técnica conteve com sucesso a produção dos espermatozóides, os gametas que fecundam o óvulo, e garantiu que nenhuma parceira engravidasse. Mas é necessário haver muita pesquisa antes de o método chegar ao consumidor, já que os
testes foram preliminares e falta desenvolver um produto que
una os dois hormônios.

Desde a década de 90, investiga-se a testosterona e suas possíveis combinações com a finalidade de impedir a fabricação dos espermatozóides. Porém, o desafio é encontrar uma dose que preserve a capacidade reprodutiva masculina. “Nas pesquisas feitas até agora nem todos recuperam a fertilidade quando deixam de usar o anticoncepcional”, explica o urologista Celso Gromatzky, de São Paulo. Além disso, o hormônio nem sempre bloqueia a produção dos gametas. E altas doses podem levar à atrofia dos testículos, aumento do risco de câncer de próstata e de doenças cardiovasculares.

Algodão – A opção hormonal é uma das linhas de pesquisa. Outra estuda vacinas para impedir a união do espermatozóide com o óvulo. E mais uma possibilidade é a pílula criada pelo médico baiano Elsimar Coutinho, 71 anos, conhecido por suas inovações na área da anticoncepção (como
os implantes hormonais para suprimir a menstruação). A substância usada no remédio é o gossypol, um pigmento extraído do óleo do caroço de algodão. Ela inibe a produção de espermatozóides. “Para fazer efeito, a pílula deve ser tomada por três meses. Este é o período estimado para que o corpo esgote suas reservas de espermatozóides. Depois o uso
deve ser contínuo”, explica Coutinho. O cientista e seus colaboradores
já experimentaram o gossypol em cerca de 1,5 mil homens do Brasil,
China e África. O consultor técnico Sérgio Barbosa, 31 anos, foi um
dos voluntários. Pai de Victor, dez anos, e Renata, seis, ele tomou o anticoncepcional masculino para poupar a mulher, Gleide Amorim, da irritabilidade causada pela pílula feminina. Sérgio garante que até a
vida sexual do casal melhorou durante os oito meses de uso do medicamento. “Gleide depositou confiança em mim e isso me fez sentir mais desejado. Ela me lembrava de tomar o comprimido”, diz. Depois
do tratamento, Sérgio recuperou a fertilidade e sua esposa decidiu
fazer ligadura de trompas.

A pílula de gossypol – que está sob análise do Ministério da Saúde – é vista com cautela em razão de um efeito colateral não controlado: causa infertilidade permanente em cerca de 20% dos usuários. Para o urologista Sidney Glina, do Instituto H. Ellis de Saúde do Homem, de São Paulo, o efeito é um obstáculo ao uso do remédio. “Não teria coragem de recomendá-la a um paciente antes de estudos mais aprofundados”, diz.

Sensibilidade – O interesse na procura de um anticoncepcional
masculino está amparado em um contexto favorável. Se há pouco
mais de cinco décadas, quando surgiram as pílulas femininas, os
maridos nem sequer tomavam conhecimento do período em que as mulheres menstruavam, hoje poucos ignoram a existência da tensão pré-menstrual ou os efeitos ruins causados pela pílula feminina em
muitas das usuárias, como o inchaço e a enxaqueca. E muitos já se declaram dispostos a ajudar. Estudos na Inglaterra e Alemanha indicam que o índice de aceitação dos anticoncepcionais masculinos entre os homens chega a 74%. Nos consultórios médicos, a informação se confirma. Os urologistas Gromatzky e Glina observam entre seus pacientes o desejo de participar da responsabilidade pela contracepção. Outro indicativo da mudança é o aumento da quantidade de vasectomias. O número dessas operações feitas pelo Sistema Único de Saúde cresceu dez vezes entre 1991 e 2001. Quando vierem, os anticoncepcionais masculinos deverão mudar comportamentos. “Os homens vão se sentir mais seguros sabendo que a prevenção de uma gravidez está sob seu controle. Terão menos receio de se envolver em uma relação e, mais relaxados, sentirão mais prazer”, afirma o psicólogo Luiz Cuschnir, autor do livro O homem e suas máscaras.