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A hoje diretora da ONU para florestas, Jan McAlpine, teve na juventude uma experiência que transformou sua vida. Filha de missionários cristãos, vivia em Ruanda quando explodiu a primeira Guerra Civil no país, em que a etnia hutu matou mais de 10 mil tutsi, entre 1962 e 1963. Segunda ela, a experiência foi fundamental para que, mais tarde, decidisse trabalhar pelo equilíbrio entre ambiente, economia e questões sociais. Em visita ao Brasil para conferência sobre o Ano Internacional das Florestas, que a ONU promove em 2011, ela foi cautelosa ao falar sobre mudanças no Código Florestal brasileiro, mas aponta o pagamento por serviços ambientais e a educação como soluções para evitar que haja mais assassinatos como os ocorridos recentemente na Amazônia.

ISTOÉ – Qual a idéia central do Ano Internacional das Florestas da ONU?
Jan McAlpine – É chamar a atenção das pessoas não só para a importância das florestas para o meio ambiente. Queremos destacar a conexão entre florestas e pessoas. É essencial que todas as funções da floresta sejam celebradas e incorporadas. Além do meio ambiente, são os valores econômicos, sociais e culturais. No nosso logotipo você pode ver as funções da floresta: medicamentos – 40 a 50% deles vêm delas; comida, obviamente; biodiverisdade; clima – regulação das chuvas e do calor; habitação… E o homem como parte disso tudo. O foco nas pessoas é essencial. Um bilhão e seiscentos milhões de pessoas depende diretamente da floresta para obter seu sustento. Indiretamente, o número alcança 6,5 bilhões.

ISTOÉ – Qual é a situação atual desse 1,6 bilhão de pessoas que dependem diretamente das florestas?
Jan – Depende do país, são vários modos diferentes de viver das florestas. No Peru, certamente, e na África Central, há povos que não vivem num mesmo lugar, mas mudam de acordo com a época do ano para obter comida da floresta. Há também outros que moram perto das florestas e dependem da lenha para cozinhar ou se aquecer. Em muitos países, a lenha é a única fonte de energia que se tem. Isso cria problemas se não essa madeira não é manejada de forma sustentável. Em algumas áreas do mundo, é preciso encontrar alternativas para cozinhar, como fogões a energia solar, por exemplo. E, claro, as pessoas no Ocidente valorizam as florestas por sua ecologia, para recreação…

ISTOÉ – Que tipo de pressão as florestas sofrem nesse contexto?
Jan – Amazônia e África Central são únicas por que são muito grandes. E o Brasil tem um enorme território além da Amazônia, com outros ecossistemas em outras regiões como Pantanal e o semi-árido. São tipos de floresta muito diferentes. Já na Bacia do Congo, no centro da África, as matas cobrem muitos países. E lá, como também ocorre no Brasil, parte da população está se mudando para áreas urbanas. Mas mesmo esse povo das cidades precisa de comida e ela não pode ser importada. Em muitos lugares, a renda é muito baixa. Há entre 35 e 40 países onde as pessoas vivem com menos de dois dólares por dia cada. Elas não podem simplesmente importar comida ou usar petróleo como fonte energética. A floresta é seu sustento. Essa é a pressão que existe sobre ela. Sem contar a derrubada para pecuária ou plantações – muitas vezes apenas para exportação e não para alimentar o povo daquele país. A questão é se é possível balancear a biodiversidade e as funções que a floresta provê com a agropecuária. Essa pergunta deve ser respondida nos níveis locais, não dá para replicar em um país o que deu certo em outro.

ISTOÉ – O Brasil tem condições de liderar um processo mundial de manejo sustentável das florestas?
Jan – O Brasil tem feito muito em relação às florestas. Uma legislação muito forte foi criada nos anos 1960, que incorporou conceitos como os povos indígenas e os povos da floresta. É perfeita? Ninguém é perfeito. Sobre mudanças climáticas, por exemplo, o Brasil tem a melhor ciência para isso. Nos anos 1990 vi alguns experimentos sobre mudanças climáticas perto de Brasília, onde estavam testando como as árvores eram afetadas pelo carbono e pelo clima. E que ações poderiam mitigar isso.

ISTOÉ – Mas agora o Brasil está discutindo mudanças em seu Código Florestal que, para alguns, podem ser um retrocesso. O que a sra. acha de uma mudança agora?
Jan – Eu não sei os detalhes do novo Código Florestal que o Congresso votou, sei que será revisto pelo Senado, e sei que há muita discussão sobre a lei – o que é saudável, a informação transparente sobre mudanças em qualquer legislação. Não acredito que haverá uma mudança completa. São ações muito específicas sobre certas áreas. Posso simplesmente dizer que as decisões sobre o que fazer, sob meu ponto de vista e da ONU, tem de ser deixadas para o Brasil e seus cidadãos. Não é o meu papel, nem minha função, criticar ou desapoiar essas mudanças. Muitos países vivem tensões como essa, de como garantir seu sustento, seu mercado, o PIB, ao mesmo tempo em que protege as florestas e as exploram de um modo sustentável. São questões muito complexas de lidar. Não estou dizendo que não sei porque essa é uma resposta politicamente correta. Eu realmente não conheço a ecologia do seu país e as opções bem o suficiente para comentar se isso é bom ou é ruim. Mas sei que é difícil. Eu ouvi muito sobre o assunto antes de vir para cá – preocupações, questões e comentários – e tenho a sensação de que ao redor do país está havendo discussões em mesas de jantar, no café, em todo lugar, sobre o Código Florestal. Eu tenho muita confiança que o Brasil vai solucionar isso de forma positiva. O país está indo bem, está liderando na questão florestal. Isso é certamente uma travessia. Sempre tive a esperança de que o Brasil faria as melhores escolhas para seus cidadãos

ISTOÉ – Nas últimas semanas tivemos vários assassinatos na Amazônia por conta de conflitos entre ambientalistas e madeireiros. Como acabar com esse tipo de barbaridade?
Jan – Antes de tudo, quero deixar claro que sou contra o assassinato por qualquer razão. Acho que uma das maneiras de parar isso é educar a população e trabalhar com essas pessoas que vivem da extração de madeira para tentar achar alguma maneira de pagá-los por serviços ambientais da floresta. Se uma pessoa vive da floresta, ela é seu único sustento, não adianta querer apenas conservar aquela área. Se não se pode usar a florestas pela sua madeira ou pelo valor de outros materiais extraídos dela, como compensar a comunidade local por esse remanescente florestal? É um grande desafio no mundo todo. No Brasil já há pagamento por serviços ambientais; na Costa Rica, eles pagam por conservação de fontes de água; no México, há diferentes experiências sobre isso. Essas são algumas das soluções. É uma compensação para as pessoas protegerem as florestas – seja pela biodiversidade, pelas mudanças climáticas, ou por outros valores. A grande questão é se o mundo pode pagar para todas as florestas serem mantidas.  Muitas pessoas morrem ao redor do mundo por lutar pela conservação não só das matas como de povos indígenas. Uma das respostas para isso é educar, preencher as lacunas existentes, e tentar compensar os cidadãos que vivem nas florestas por não utilizá-las.

ISTOÉ – Como foi o tempo em que viveu em Ruanda?
Jan – Morei lá dos quatro aos 20 anos. Eu estava na guerra civil (1962-1963). Morava num local onde meu pai era o diretor da escola. Pessoas foram mortas em todo o entorno da área. Eu podia ver as casas queimando à noite. Minha mãe era enfermeira e cuidou de pessoas que tiveram as mãos cortadas. É uma memória ainda muito viva. Depois que a guerra acabou, meu pai, que era um missionário cristão, ia para os campos de refugiados tentar ajudar as pessoas – fui com ele várias vezes. Havia crianças, homens e mulheres que não tinham nada, quase morrendo de fome; isso me impressionou muito. É parte da razão para eu fazer o que faço. Trabalhar no equilíbrio entre ambiente, mercado e sociedade. Em Ruanda, eles têm 26 mil metros quadrados e 10 milhões de pessoas. Faça as contas! Isso gera conflito. Não há terra para todos. Agora, com o Ano Internacional das Florestas, o presidente fez um acordo para um plano de 35 anos. Será a restauração da paisagem de uma fronteira à outra. Por causa da derrubada das florestas, eles estão tendo problemas até de energia elétrica, pois a devastação afetou os rios do país, e agora eles não podem suprir as hidrelétricas. Esse acordo pode mudar o país de uma forma positiva.