Uma lenda viva cresce na Índia e se alastra pelo mundo ocidental. Sudhamani, uma jovem pobre que desde menina assombrava a todos com seu comportamento anormal, se transformou em uma deusa aos olhos dos indianos e de devotos dos quatro cantos do planeta. Sob o nome sagrado de Mata Amritanandamayi (mãe imortal infinita plena), ganhou fama. E não apenas pela obra social que comanda, mas também, e principalmente, pelos milagres que são atribuídos a ela e pelos abraços que viraram a sua marca. Mata Amritanandamayi – também chamada de Ammachi ou Amma (mãe divina) – fez 50 anos no sábado 27 de setembro. Foram quatro dias de festividades que atraíram pelo menos dois milhões de seguidores, entre eles o presidente da Índia, Abdul Kalam, ao estádio de Cochin, cidade com um milhão de habitantes situada no sul da Índia. Amma vive a duas horas dali, em Vallikkavu. Cantos devocionais (bahjans) de paz e de amor levaram milhares de pessoas ao êxtase, entre eles alguns brasileiros, que esperam pela visita da líder ao Brasil até o fim de 2004. Amma planeja vir ao País para conhecer os centros situados em Araruama, no Rio, em São Paulo e em Brasília.

Além da influência que tem sobre boa parte de seus compatriotas – que chegam a um bilhão –, Amma também é respeitada no Ocidente. O abraço – que em seu país é raramente dado em público por pessoas de sexos opostos – tem grande simbologia para ela. “Minha missão é consolar os que estão tristes”, diz. Segundo o swami (sacerdote) indiano Ramakrishnananda Puri, 48 anos, Amma já abraçou 30 milhões de pessoas. Seus seguidores afirmam que ninguém continua o mesmo depois de sentir sua energia. Pelo que se viu durante as festividades de seu aniversário, fica difícil não acreditar. Amma chegou ao estádio de Cochin às nove horas de sábado. Discursou, cantou, ouviu palestras, assistiu a shows de música indiana e começou a abraçar o público depois da meia-noite. Só saiu do palco – sem interromper a longa sessão de abraços para comer ou ir ao banheiro – às 11 horas do dia seguinte. “É um milagre. Se eu contar, ninguém acredita. Uma vez em milhares de anos aparece alguém assim no mundo”, festeja o swami.

A religiosa está sempre disponível para atender a todos. Não ouve apenas aspirações espirituais, mas também pedidos materiais. A própria história de Ramakrishnananda ilustra os sentimentos despertados pela guru. Ele a procurou em 1978 sonhando com uma transferência da agência bancária da cidade de Harippad para Palakkad. “Quando conheci Amma, senti tanta paz que comecei a chorar”, lembra. Voltou ao templo alguns dias depois, quando testemunhou um dos milagres mais conhecidos de Amma, gravado por um cinegrafista amador: “Apareceu um homem leproso, Dattan, cheio de feridas. A ‘deusa’ fez sinal para que ele se aproximasse, lambeu seu corpo e, sete dias depois, ele estava curado. Nenhum ser humano seria capaz de tal gesto de amor.” Foi o que bastou para Ramakrishnananda abandonar tudo e seguir a guru.

Olhos – Outra que mudou de vida por causa da líder espiritual foi a carioca Michele de Souza Morais, 22 anos. Aos 15, conheceu Amma em San Ramon, no ashram (mosteiro) da Califórnia. Foi em busca de ajuda. Ela é portadora de uma raríssima doença nos olhos, a síndrome de Starggart, que não permite o uso de óculos ou lentes. “Os médicos me disseram que eu ficaria cega aos 16 anos, e minha vista só piorava”, lembra. Quando perguntou sobre seu risco, Amma disse para não se preocupar. “Vou cuidar disso”, prometeu. A doença estacionou e hoje Michele é a única estrangeira que estuda medicina no Aims Institute for Medical Science, em Cochin, por sugestão da líder.

Segundo seus adeptos, por meio de Amma se manifestaram os deuses Krishna e Kali, o que é incomum, mesmo num país que idolatra tantos deuses diferentes. Ela passa seus dias disseminando sua interpretação do hinduísmo – religião milenar que tem como características o politeísmo (fé em vários deuses – são mais de 100), a ioga, a meditação e a crença na reencarnação. Tem como principal objetivo a superação do ciclo de reencarnações, o sansara, para que se possa atingir o nirvana, a sabedoria resultante do conhecimento de si mesmo e do universo.

Serva – Filha de uma família pobre de pescadores, aos dez anos, Amma largou os estudos para cuidar da casa e dos sete irmãos. Contam que, quando nasceu, não chorou. Ao contrário, estampou um radiante sorriso. Começou a falar aos seis meses e, aos dois anos, já fazia orações e cantava melodias em louvor a Krishna (a suprema personalidade de Deus para os hindus). Aos nove anos, acordava às três horas para limpar a casa, varrer o terreno, buscar água e fazer todo o trabalho doméstico. Era tratada como uma serva pela família. Costumava tirar comida de casa para dar aos mais pobres.

Sua generosidade logo atraiu a atenção da vizinhança. Um dia, ela se transfigurou, entrou em transe e começou a repetir palavras atribuídas a Krishna. A notícia se espalhou, e não demorou a juntar uma multidão nos arredores do casebre onde morava, na aldeia de Parayakadavu. Começaram a pedir um milagre – conforme sua biografia, escrita pelo swami Amritaswarupananda, traduzida para o português e disponível nos centros de São Paulo e Rio –, ao que a jovem respondeu: “Não estou interessada que ninguém acredite em mim pelos milagres. Minha meta é inspirar as pessoas com o desejo de liberação pela realização do eu eterno. Estou aqui para remover desejos, e não para criá-los.” Diante da insistência, ela pediu que alguém lhe trouxesse um jarro d’água. Depois de respingar um
pouco na multidão como se a benzesse, transformou o resto do líquido
em leite e o distribuiu.

Histórias como essas foram o primeiro fator multiplicador de seguidores. A fama atraiu doadores para sua causa, dando início à obra social que hoje coordena. Essas obras dependem de trabalho voluntário e são financiadas pela venda dos produtos naturais de saúde pela Missão Mata Amritanandamayi Math, fundada em 1981, e por doações, a maioria dos próprios indianos. A missão movimenta por ano o equivalente a R$ 102 milhões, ou 1,5 bilhão de rúpias, moeda indiana. Com esses recursos, construiu o Aims Institute for Medical Science, um dos mais bem equipados hospitais da Índia, com 800 leitos e atendimento ambulatorial diário e gratuito para duas mil pessoas. Atende mais de 500 crianças em orfanatos. Também ergueu 25 mil casas populares e anunciou a construção de outras 100 mil nos próximos dez anos. No mosteiro vizinho a Cochin, há três mil pessoas realizando práticas espirituais gratuitamente, e no de San Ramon, na Califórnia, outras duas mil. Entre suas obras mais importantes também estão as universidades de tecnologia, medicina, administração, enfermaria e farmácia. “Os conhecimentos científico e espiritual não podem ser diferentes. São facetas de uma mesma verdade”, preconiza Amma.

Forte emoção
Era véspera do aniversário de Amma. Consegui chegar atrás do palco com meu crachá de jornalista e pedir a um swami autorização para receber um darsham, como eles chamam o abraço divino. Depois de uma hora, quando ela se preparava para sentar em frente ao público, subi ao palco. Fiz tudo errado. Explicaram para eu me deixar abraçar, mas foi automático: envolvi Amma com meus braços. Sua reação misturou surpresa e carinho. Seus auxiliares me afastaram, fiquei profundamente impactada, enquanto ela me seguia com seu olhar cúmplice. Depois caí no choro. Saí de lá leve, com vontade de compartilhar aquela energia deliciosa.

Celina Côrtes