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Um grupo de estudantes de 1º grau do ABC Paulista chega ao Museu da Imagem e do Som, na quinta, 9. "O que vocês acham que vão encontrar no MIS?", pergunta a monitora do museu. "Som, música, imagem", respondem as crianças. "Mas imagem não é tudo o que a gente vê?", indaga a monitora, gerando dúvidas e concordâncias. A conversa, além de uma estratégia pedagógica, é bastante ilustrativa do debate que surge diante da crise institucional que acomete o MIS-SP, após a demissão de sua diretora executiva, Daniela Bousso. O que é, afinal, um "museu da imagem e do som"? "Do século 19 para cá, já atravessamos cinco revoluções tecnológicas. É fácil constatar que aquilo que era chamado de Imagem e Som, nos anos 1970, quando reinavam as tecnologias eletromecânicas e eletroeletrônicas, não é mais aquilo em que se transformaram a Imagem e o Som em plena e fervescência da cultura do computador", afirma a pesquisadora Lucia Santaella em texto publicado no site canalcontemporâneo.

O texto é uma das respostas que diversos profissionais da área cultural tem publicado na rede, em contra-argumentação à decisão da Secretaria de Estado da Cultura de promover uma "volta às origens" da instituição paulista. Com a missão de "aproximar o MIS das pessoas" e "ampliar o seu público" – diretrizes declaradas pelo Secretário Andrea Matarazzo à Folha de S.Paulo – André Sturm assumiu na terça feira, 7. "Ampliar o publico não é encher de gente a qualquer custo", afirma Sturm, ex-proprietário do Cine Belas Artes e ex-coordenador de Fomento e Difusão Cultural da Secretaria de Estado da Cultura. "Falamos de ampliação do escopo. O que é feito aqui no campo das novas mídias é um bom trabalho e precisa ser mantido. O que o Secretário e eu achamos é que o MIS tem uma vocação mais ampla. Tenho como foco o audiovisu al de 1900 a 2020", diz ele.

O discurso de Sturm, na primeira semana à frente do MIS, parece sintonizado com o da antecessora. Ao assumir, em 2008, Daniela justificou assim o reposicionamento em relação às mídias digitais: "Tornou-se necessário reinventar o MIS, sem perder de vista o seu patrimônio já constituído, sempre buscando integrar memória e contemporaneidade". Mas, então, por que a mudança de direção? A afinação dos discursos indica que uma composição seria melhor solução.

"A melhor configuração para o MIS seria a composição de uma direção artística e uma executiva. Eu fiz essa proposta para o Conselho e a Secretaria parecia amigável para negociar", diz Eide Feldon, presidente do Conselho da Associação de Amigos do Paço das Artes Francisco Matarazzo Sobrinho, responsável pela gestão do MIS e do Paço das Artes. "Mas não deu tempo. De repente, a diretora teve que entregar o cargo, sob a ameaça de desqualificação da Organização Social. Foi uma posição autoritária, que influenciou o Conselho", afirma ela. Segundo Eide, desde fevereiro, o MIS operava com uma redução de 25% do orçamento, tendo tido que demitir oito pessoas e fazer cortes na programação.

"Bousso e o Conselho tentaram de fato negociar com o Secretário, ela escreveu em três dias uma proposta de reposicionamento do MIS depois de um reposicionamento que demorou três anos para se estruturar, sob o comando de João Sayad, com o esforço de representantes de várias áreas sociais. Nesse redesenho conciliador, contemplava todas as solicitações de Matarazzo no plano de atividades, estrutura, além de já ter admitido também os cortes e a mostra "90 em Folha" ", declara o conselheiro Rubens Machado Jr., critico de cinema e professor da ECA-USP.

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O evento "90 em Folha" ocupa integralmente o MIS desde 18 de maio. Salas de exposições, midiateca, auditório, espaço redondo e até o restaurante – ainda não inaugurado – ostentam programação especial em comemoração aos 90 anos do jornal Folha de S.Paulo. É lamentável – para dizer o mínimo – que a íntegra da programação do museu tenha sido esvaziada de seu projeto original para atender aos interesses do Estado e de uma empresa de comunicação. "É uma curadoria do secretário", afirma a ex-diretora Daniela Bousso, que em novembro de 2010 teve que alterar o plano de trabalho previsto para 2011 mediante solicitação da Secretaria. (Vale apontar que apenas um mínimo da programação original foi preservada. Está anunciada na homepage do site do museu, por exemplo, uma oficina de audiovisual on-line, ministrada por Ananda Carvalho, que acontecerá de 9 a 30 de julho).

Ao só contemplar departamentos e profissionais vinculados a um meio de comunicação, a programação em cartaz assume uma tônica monotemática que definitivamente não atende ao argumento que vem sendo utilizado para a mudança de direção: "transformar o MIS novamente em referência no panorama cultural de São Paulo".

Como a edição 2111 da sessão de artes visuais de Istoé apurou, o MIS vinha desenvolvendo um projeto que posicionava a instituição cultural como um meio de comunicação em si. (Leia em https://istoe.com.br/reportagens/66889_O+MUSEU+COMO+MEIO+DE+COMUNICACAO).

Ao destinar o orçamento para promover um evento sobre o modus operandi de um jornal, o MIS teve seu projeto automaticamente corrompido.

A discussão que se instaura imediatamente é: uma referência cultural se mede mais por números que por credibilidade? A julgar por depoimentos de membros de nosso "panorama cultural", não necessariamente. "Comparar o Paço das Artes e o MIS com qualquer outra instituição é não levar em conta que, ao assumirem posturas francamente prospectivas no campo da arte, essas instituições jamais terão resultados imediatos junto ao público. O que não retira de ambas a importância singular que possuem no quadro das instituições de arte no Brasil", escreveu o critico e curador Tadeu Chiarelli, atual diretor do MAC-USP, em 20 de dezembro de 2010, em resposta à matéria do jornal Folha de S.Paulo que publicou dados comparativos sobre a visitação mensal da Pinacoteca e do MIS.

No que diz respeito a números, na gestão Daniela Bousso, depois de oito meses de reforma, o MIS recebeu 13 mil pessoas entre agosto e dezembro 2008. Em todo o ano de 2009, foram 51 mil e, em 2010, 80 mil pessoas. Mas esse crescimento não pareceu sustentável aos critérios públicos.

"É lamentável que esse pensamento de que cultura e arte se fazem apenas com números venha de onde não deveria vir", escreveu o artista e curador Lucas Bambozzi no artigo "A cultura como palco de carreira política", publicado no canalcontemporâneo . (Leia em https://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/003986.html).

"Enquanto as empresas privadas parecem disfarçar a ganância e, cada vez mais, aceitam fazer menos marketing e investir em situações processuais, laboratórios e pesquisa, o Estado deixa de dar bom exemplo e transforma em mercado o que deveria ser estimulado por vias de apoio e fomento. Não são filas que medem a qualidade de um serviço", afirma Bambozzi, que entre 1993 e 1995 coordenou o departamento de vídeo do MIS, na gestão de Amir Labaki.

A argumentação de Bambozzi ecoa uma preocupação crescente no "panorama cultural" paulista quanto ao perigo de desmantelamento de uma política de atuação voltada para o fomento dos campos experimentais da arte contemporânea, do audiovisual e das novas mídias. A proposta, inovadora e única no panorama cultural – dessa vez brasileiro – vinha se provando mais agregadora e transversal do que "hermética", como chegou a ser taxada.

Na opinião de Rubens Machado Jr, célebre pesquisador do Super-8 e do cinema marginal, o projeto que o MIS desenvolveu nos últimos dois anos se destacou por criar uma "interação entre forças" de diferentes disciplinas. "Historicamente, ciosos de demarcar o terreno, por razões diversas (mercadológicas, ideologias da inovação, corporativismo), críticos, curadores, artistas e cineastas preferiram se diferenciar", afirma o critico. "A ironia é que a tecnologia – antes brandida para afirmar separações – hoje esteja catalisando essa interação mais larga. Curadores, artistas, teóricos, agitadores culturais, todos cavamos este abismo que se exprime agora no episódio do MIS-SP. Como se houvesse sentido numa revanche de uma parte contra a outra, velho e novo, indústria e arte".

Embora tenha inovado em montar o primeiro laboratório de pesquisas na interseção entre arte, ciência e tecnologia, e em orientar boa parte de sua programação para linguagens de ponta, o "novo MIS" dos últimos dois anos e meio não descuidou do aspecto histórico do museu – realizou o inventário de 185 mil itens do acervo de 200 mil itens e iniciou sua digitalização – nem das mídias que, tradicionalmente, sempre foram atribuídas ao campo da "imagem e do som": o cinema e a fotografia. Só no segundo semestre de 2010, o MIS realizou quatro grandes exposições de fotografia, entre elas Chris Marker e Miguel Rio Branco, que teve visitação de 5.421 pessoas em dois meses. Paralelamente, trouxe os "cinemas do futuro" de Pipilotti Rist e Gary Hill e a mostra "Perceptum Mutantis", sobre a pesquisa tecnológica do Brasil e da Argentina, que atraiu 4.154 visitantes. Com menos de 900 pess oas em um mês de exibição, "90 em Folha" não se mostra tão popular quanto as anteriores.


André Sturm assume, portanto, um museu que atualizou as suas vocações e soube se reinventar, em face dos desafios e demandas da cultura contemporânea. O novo diretor se diz disposto ao diálogo e afirma que manterá o foco na reflexão, na capacitação e na diversidade de atividades relacionadas ao audiovisual contemporâneo e histórico.

"Precisamos de gestões que propiciem esta tendência, criem interação entre forças estanques. Por isso insistimos em negociar com o novo diretor, e o Sturm nos pareceu sensível a esta necessidade, certo convívio fértil de um novo MIS, mais experimental e artístico que, coordenado pela Daniela Bousso, se reposicionou admiravelmente como uma identidade sofisticada, que não pode ser abandonada", diz Rubens Machado Jr, participante da comissão de avaliação do acervo, da comissão de orientação artística e cultural, e finalmente da comissão administrativa da OS.

Contudo, vale lembrar que a crise do MIS está longe de ser um caso isolado. Para ficar no âmbito paulista, há não muito tempo atrás vivemos casos tão graves quanto a demissão do curador Ivo Mesquita da Bienal de São Paulo devido ao gerenciamento de fundos públicos para uma mostra privada, e, como lembra Lucas Bambozzi, o desmantelamento do acervo digital organizado por José Roberto Aguilar, frente à Casa das Rosas, por ingerência da então Secretária de Cultura Cláudia Costim.

Por que é impossível para um curador manter um projeto de longo prazo? Como garantir a continuidade de um projeto institucional no Brasil? Por que a programação cultural tem que ser tão imediatista? Por que uma Organização Social, cujo modelo de gestão foi criado recentemente para fazer valer um projeto institucional de representação civil face às eventuais intempéries dos governantes, corre agora o risco de perder a capacidade de gerência sobre seu próprio caminho? Sem que essas perguntas reverberem em contestações, corre-se o risco de perpetuar o ciclo perverso e inconseqüente da dança das cadeiras.

Leia o artigo "Governo Alkmin implode seu próprio projeto de OS", de Patricia Canetti, em

no link https://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/004026.html


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