Neste mês de junho, o brasileiro celebra a festa junina. Ou festa de São João – que também é festa de Santo Antonio e São Pedro. No Maranhão, meu Estado natal, há um quarto santo que também é celebrado. Engana-se quem pensou em José de Ribamar ou santo similar. Seu nome é São Marçal.

De todas as festas populares brasileiras que presenciei na infância, a festa junina é a de que me lembro com mais carinho e saudade. Lembro com precisão da mágica que era caçar os gravetos para fazermos a fogueira, da família de fogueteiros vizinhos que sempre inventavam uma nova geringonça que atirava fogos multicoloridos aos céus e das saborosas comidas à venda nos “arraiais” com barracas feitas com palha de ariri ou pindoba, e que tinham, vez ou outra, um parquinho de diversões.

A festa, de origem portuguesa, era na origem festa joanina, dizem, por aludir a São João Batista, o profeta primo de Cristo cuja cabeça acabou na bandeja de Salomé por ordem de Herodes. Aproveitando o ensejo, outros santos queridos passaram a ser festejados no mesmo mês, caso do casamenteiro Antônio e do pescador Pedro. Conta a lenda que o costume de acender fogueiras nesta época teria nascido de um pacto entre as primas Maria e Isabel, que se comunicavam e se socorriam mutuamente através de fogueiras, algo como os sinais de fumaça dos índios norte-americanos.

Ok, sabe-se – ao menos por alto – da história de João, de Pedro e de Antônio, e da origem dos fogos, dos comes e bebes, da fogueira e das danças de rua, como a quadrilha, que é de linhagem francesa. Mas e este São Marçal, quem era afinal? Marçal teria sido um discípulo de Cristo da segunda ou terceira geração. Segundo relatos, era um menino na altura do milagre dos peixes, e teria presenciado a última ceia. Converteu milhares de pessoas ao cristianismo e operou muitos milagres. Foi batizado por Pedro e morreu quatro décadas após a morte de Cristo. Digamos que Marçal é um santo “coadjuvante”.

Os outros seriam “protagonistas”. Embora, no nosso imaginário, os “vencedores” sejam sempre protagonistas, estes quase sempre têm a seu lado imprescindíveis ­coadjuvantes. Desde clássicos da literatura até o moderno repertório da cultura pop, quase nenhuma história se conta sem a cooperação de coadjuvantes ilustres. Sancho Pança, Sexta-Feira, Robin, Ringo Starr, Watson, Lothar, Zacarias, Turan, Wilson Grey, Arnaud Rodrigues, Tonto e Kit Carson poderiam encabeçar uma lista interminável, a depender dos critérios de cada um. Mas… será que coadjuvantes interessam ao mundo? Especialmente a esse nosso mundo competitivo dos dias que correm?

O mundo e suas instituições não trabalham para criar pessoas colaborativas. Mas para fazer protagonistas, very important people, homens de sucesso. A programação televisiva vive coalhada de reality shows onde se pode presenciar, quadro a quadro, as mais mesquinhas disputas para que seja eleito “o melhor”. Mesmo instrumentos que estariam, em tese, a serviço do conhecimento e da saúde intelectual – como o Enem, por exemplo – tornaram-se símbolos de uma competição acirrada e do jogo de interesses mais tacanho. Somos uma sociedade que cultiva e incensa protagonistas na mesma medida em que repele e despreza coadjuvantes.

Esse papo de botequim me traz à memória um belo poema de Bertolt Brecht, em que diz:
“O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os gauleses.
Não tinha pelo menos um cozinheiro com ele?” 

Zeca Baleiro é cantor e compositor