O esteta da cor habita o caos. Da rua, o ruído do trânsito de Copacabana invade o apartamento, onde pendem algumas de suas obras-primas. O velho sofá de veludo desbotado é ocupado por dezenas de papéis e caixas, cheias de negativos. A bagunça impera e não parece incomodar Walter Firmo. “É apartamento de viúvo”, desculpa-se o fotógrafo. Carioca de São Cristóvão, o homem do olhar múltiplo – segundo a pesquisadora da Funarte Ângela Magalhães – mantém um ritmo invejável para seus 68 anos. São, redondos, 50 anos de carreira. A proximidade dos 70 também é motivo de celebração, iniciada com o lançamento de Firmo (Bem-Te-Vi, 300 págs., 250 imagens, R$ 200), na segunda-feira 31, na Galeria de Arte Ipanema, no Rio de Janeiro.

Trata-se de um livro espetacular, que culmina em suas experimentações com a cor. A emoção começa pela capa, inspirada no quadro Família de fuzileiro, do pintor fluminense Alberto Guignard. Firmo fotografou o pai, em formais trajes de fuzileiro naval, ao lado da mãe, de dama antiga. “Usei a idéia de Guignard e acrescentei dois querubins, meus filhos Eduardo e Aloísio”, conta. A emoção permanece intensa a cada página. Sua personalidade amorosa é tão forte que por três vezes Firmo não segura a emoção e chora durante a entrevista. Lembra de Delma, a loura advogada maranhense com quem viveu durante 24 anos. Morreu há quatro, aos 42. Os olhos se apertam, se enchem de lágrimas e os lábios ficam trêmulos. “Ela morreu de asma, no táxi, a caminho do hospital.” Cada vez mais casado com seu trabalho, há 12 anos Walter Firmo se realiza como professor universitário. Além de ter provocado uma mudança em sua forma de fotografar, ele aproveita a injeção de juventude do convívio. “Aprendo muito com eles, é um outro tipo de conversa e não há o ciúme e a inveja dos colegas de profissão”, conta.

Tropicalismo – O jovem Firmo resolveu virar um bruxo da imagem ao folhear um livro de revelação, aos 16 anos. O período inicial, do fotojornalismo e do preto-e-branco, foi marcado pela influência de José Medeiros, fotógrafo de O Cruzeiro. O mergulho na cor surgiu em 1964, com os ensaios fotográficos da revista Realidade. “Reconheci o tropicalismo das cores do meu País. Me vi como Ary Barroso, fazendo Aquarela do Brasil”, compara. O olhar foi aprimorado pela luz dos impressionistas. Dessa etapa, um dos destaques é a foto de Pixinguinha, de 1968, na cadeira de balanço, saxofone ao colo. “Eu propunha e ele, tranqüilo, assentia com a cabeça”, recorda-se. Pressentindo que vivia um momento histórico, disparou 36 imagens, que entraram para a eternidade junto às de Clementina de Jesus e Dona Ivone Lara.

A barriga proeminente, acentuada pela camiseta branca enfiada dentro da
bermuda cáqui, poderia indicar um descuido com a saúde. Mas Firmo se cuida. Acorda às 5 horas com o barulho dos ônibus e parte para sua caminhada de seis quilômetros, à beira-mar. Avô de quatro netos, confessa que depois de perder os pais e a mulher não teme a morte. “Só espero não acabar entrevado.” Se depender de seu fôlego, muitas águas ainda vão rolar. Em 1º de junho de 2007, quando completa 70, as festas continuam com uma monumental exposição, no Museu de Arte Moderna do Rio.