H1H2. Era assim que eles eram conhecidos na escola. Além de xarás, Heberts, 1 e 2, eram amigos e companheiros de colégio, em Juiz Fora, Minas Gerais. O que seus colegas e muito provavelmente nem eles mesmos sabiam é que essa amizade fosse descambar em um sentimento mais forte. “Só tinha saído com meninas e, quando percebi que o Hebert mexia muito comigo, tive medo”, recorda Hebert Carvalho, 18 anos. Seu namorado, Hebert Silva, 19, já havia tido um namoro homossexual antes e foi ele quem tomou a iniciativa do primeiro beijo, há um ano e quatro meses. “O namoro engatou e, apesar de não termos assumido publicamente na escola, tivemos um apoio importante de uma professora”, recorda Silva. Hoje, os dois são líderes do GAG (Grupo de Adolescentes Gays), que pertence ao Movimento Gay de Minas, e toda quarta-feira se encontram com cerca de 20 jovens gays entre 14 e 24 anos para discutir dificuldades relativas à homossexualidade. Entre as bandeiras do grupo está a luta contra o bullying homofóbico. Leia-se: acabar com as brincadeirinhas de mau gosto nas salas de aula. E, mais que isso, conscientizar os professores sobre a importância da diversidade sexual.

O assunto, ainda que no campo da ficção, deve ganhar oportuno impulso na próxima semana. Apesar de não estar confirmado, é muito provável que na sexta-feira 4 os personagens Júnior (Bruno Gagliasso) e o peão Zeca (Erom Cordeiro), da novela América, selem uma evidente atração homossexual com um beijo de verdade. “Se o beijo acontecer, estarei inteiro na cena”, antecipou o ator Bruno Gagliasso, 23 anos e ingênuos olhos azuis. A comunidade gay se mobiliza em torno do assunto e considera o esperado momento televisivo mais um passo na luta contra a discriminação. Nos Estados Unidos, apesar do preconceito, muito já se caminhou nesse sentido. O número de entidades que auxiliam homossexuais chega a impressionar. Segundo a revista Time – que dedicou uma reportagem de capa aos gays teens, no início deste mês –, o número de GSAs (Gay Straight Alliances) associações que ajudam alunos gays nas escolas americanas passou de 100, em 1997, para três mil, em 2005.

No Brasil a situação é diferente. Interessada em saber como algumas instituições de ensino abordam o tema, ISTOÉ procurou oito escolas particulares de primeiro e segundo graus, em São Paulo. Alegando que a diversidade sexual em sala de aula nunca havia sido relevante a ponto de gerar maiores discussões, todas, sem exceção, se recusaram a falar. Felizmente no que diz respeito às escolas públicas algo já vem sendo feito e um livro pela diversidade sexual será distribuída nas próximas semanas.

Lançado há três meses, nos Estados Unidos, o livro The new gay teenager (Harvard Press), de Ritch Savin Williams, aborda a vida dos adolescentes gays americanos. Segundo o autor, o novo gay sai do armário – gíria para assumir – um pouco antes (ou logo depois) de se formar no ensino médio. A obra, baseada em um estudo com 350 jovens de 59 grupos gays, mostra que as meninas tiveram o primeiro contato sexual com o mesmo sexo aos 16 anos. E os meninos, aos 14. Segundo Williams, gay que dedicou 20 dos seus 56 anos a pesquisas sobre homossexualidade, os púberes estão mais abertos à bissexualidade. Dados do primeiro Censo GLS do Brasil – que analisou hábitos de 5.180 gays de 470 cidades do País –, divulgado no início deste ano, confirmam a tese do autor. A pedido de ISTOÉ, a coordenadora do Censo GLS, Sônia Alves, comparou as repostas dos gays de até 18 anos com as dos de mais de 40. E a diferença é gritante: apenas 15,3% dos gays com mais de 40 anos se declararam bissexuais, entre os adolescentes foram 33,7%.

Para Cybelle Weinberg, psicanalista de crianças e adolescentes, o alto índice de jovens que se diz bissexual, não significa que o ser humano esteja se “bissexualizando”. “A adolescência é a fase da experimentação. Ter dado um beijo na boca de uma menina e outro na de um menino não transforma o jovem em bissexual. Ele apenas experimentou”, explica a especialista. Autora dos livros Geração delivery (Sá Editora) e Por que estou assim? Os momentos difíceis da adolescência (Editora Casa do Psicólogo), Cybelle acredita que a ebulição hormonal que leva o adolescente moderno a querer vivenciar de tudo no desbravar de sua sexualidade é, nos dias de hoje, agravada pela banalização do sexo. “A mídia está o tempo todo os bombardeando. Eles querem ser modernos e não hesitariam como as gerações anteriores em acariciar pessoas do mesmo sexo.”

Modismo – Adolescentes ouvidos por ISTOÉ disseram que existe um certo modismo das “meninas que beijam meninas”. Eles afirmam que, por pura transgressão ou para despertar a curiosidade dos garotos, meninas heterossexuais entraram na onda de beijar suas amigas na balada. “É tão modinha que vejo mais beijo entre mulheres heteros do que entre minhas amigas gays”, conta Marta*, 18 anos. Aluna do terceiro ano do ensino médio de um colégio de classe média alta, em São Paulo, a jovem vive – há mais de um ano – uma complicada história de amor com uma colega de classe. “Ela é muito parecida com uma das gurias do Tatoo (banda ícone das lésbicas adolescentes), pela qual sempre nutri uma paixão platônica. Mas eu sabia que ela tinha namorado”, conta Marta. Formou-se então um triângulo amoroso que terminou mal. Marta perdeu a menina de seus sonhos e sua mãe descobriu que ela era gay. “Hoje ela vive controlando minhas saídas.”

Reação bem diferente teve a gerente de hotel Angela Rodrigues, 43 anos, a mãe da jovem brasiliense Thaís Rodrigues, 18, ao saber da orientação sexual de sua filha, em 2003. Desconfiada de que Thaís estivesse deprimida, Angela a chamou para uma conversa. “Eu a peguei no cursinho, fiz um lanche e disse que a gente só ia levantar da mesa quando ela me contasse o que tanto a entristecia.” Aconteceu. Thaís contou para a mãe que desde os 12 anos sabia que gostava de meninas e não de meninos. Na hora da confissão, Angela sofreu mesmo ao perceber que a dor da filha já durava anos. Muitos pais, é bom que se pontue, limitam-se tanto ao seu sofrimento que esquecem que o do adolescente é muitas vezes maior.

“Perceber-se diferente dos outros não é fácil em nenhum momento da vida,
ainda mais numa fase de auto-afirmação como é a adolescência”, alerta o
psicólogo e psicodramatista Luiz Amadeu Bragante. Nesse momento da revelação, os pais e amigos têm um papel fundamental. Graças ao apoio da família, Thaís é hoje uma adolescente feliz e orgulhosa de si mesma. “Antes de assumir eu era muito tímida”, conta. “Hoje coordeno o grupo de jovens da associação lésbica feminista Coturno de Vênus e dou para eles um pouco da ajuda que sinto que eles não tiveram em casa”, completa. A mãe, Angela, também milita na causa. Membro do GPH (Grupo de Pais de Homossexuais) há um ano, ajuda outros pais a aceitar seus filhos e a enfrentar o preconceito.

Na opinião do adolescente Paulo*, 18 anos, aceitação é a palavra de ordem para
o adolescente gay. “Muitos têm tanto medo de ser gay que não percebem que
lutam consigo mesmos”, acredita. “Até sair do armário, eu cultivei uma raiva
muito grande de tudo e de todos. Depois de me assumir passei a ter muito mais amigos”, diz o fã de baladas gays como o do clube paulistano The Edge. Atualmente, se o xingam de veado, encara numa boa. “Sou mesmo e daí? Um
dia você pode descobrir que também é.”

*Alguns nomes foram trocados a pedido dos entrevistados