O dia 26 de outubro foi terrível para os americanos. Especialmente para aqueles que circulavam pela Casa Branca. Naquela data, o número
de soldados mortos na ocupação do Iraque chegava ao simbólico patamar dos dois mil. O número redondo
obrigava o país a fazer as contas de sua participação na guerra, colhendo resultados cada vez mais negativos.

Soma-se nesta equação a manchete do jornal The New York Times implicando o vice-presidente Dick Cheney no escândalo da revelação pública do nome de Valerie Plame, uma agente secreta da CIA. Até então, dois funcionários de alto escalão do governo – o guru político do presidente, Karl Rove, e o assessor direto do vice, Lewis Libby Jr. – pareciam os palacianos mais graduados envolvidos no caso. A possibilidade do indiciamento de ambos pelo promotor especial Patrick Fitzgerald, por si só, já provocava alta pressão no coração da administração Bush. Com o acréscimo de Cheney no imbróglio tinha-se um quadro de infarto político.

O quadro iria se complicar ainda mais na quinta-feira 27, quando a indicada para nomeação à Suprema Corte, a advogada Harriet Miers, renunciou à sua indicação, devido às pressões feitas por todos os quadrantes políticos, que a acusavam de desqualificada para o cargo.

Os dois mil soldados mortos na campanha iraquiana (além dos 15 mil feridos) é um número desprezível nos cálculos frios das estatísticas. Representa menos de 2% dos 150 mil militares em combate. “Somente na batalha de Okinawa (na Segunda Guerra Mundial), foram mortos, em seis semanas, 50 mil americanos. Comparado com o Iraque, os EUA perderam 17 vezes mais soldados na guerra da Coréia e 29 vezes mais no Vietnã”, lembrou o historiador Victor Hanson. Para um governo que não dá atenção às lições da história, apelar para os fatos do passado dificilmente trará resultados positivos.

Desaprovação – A mesma frieza estatística mostrava naquela semana que o nível de desaprovação de George W. Bush era de 58%. Destes, 68% achavam que o país estava no rumo errado. A contabilidade de vítimas e a desaprovação ao presidente têm relação direta com as motivações do caso de Valerie Plame, a agente da CIA. Na busca de justificativas para a invasão do Iraque, o grupo palaciano liderado pelo vice-presidente manipulou informações colhidas pelos serviços de inteligência sobre os arsenais e intenções de Saddam Hussein. Entre as evidências apresentadas de que o ditador iraquiano mantinha um ambicioso programa nuclear, estavam documentos forjados de que Bagdá tentou comprar urânio no Níger.

O ex-embaixador Joseph Wilson, marido de Valerie Plame – foi ao Níger e verificou que as informações sobre a compra de urânio eram falsas. O grupo palaciano o ignorou. O embaixador disse à imprensa o que sabia. Como vingança, o núcleo duro do governo divulgou a identidade secreta de Valerie, o que pode constituir crime. Os maiores implicados são Rove e Libby, mas até agora o vice-presidente não fora diretamente atingido. O promotor Fitzgerald, porém, descobriu em anotações de Libby, que este soube dos segredos de Valerie pela boca de Cheney. A impressão que fica para o país é resumida pelo ex-candidato presidencial democrata, o senador John Kerry: “Nós ainda não sabemos se ficará provada a intenção criminosa. Mas, por esta ação e por ter enganado a nação no caminho da guerra, eles serão indiciados pela corte superior que é a história.”