O Brasil disse sim à Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, o primeiro tratado internacional de saúde pública da história da humanidade, que pretende diminuir os danos e mortes causados pelo cigarro. O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados foi chancelado na quinta-feira 27 pelo Senado e vai à sanção presidencial. A polêmica da ratificação teve fim após o governo ter fechado um acordo e lançado um programa de apoio à diversificação produtiva nas áreas nas quais hoje é plantado fumo. Os defensores do “não” à ratificação sustentam que o Brasil tem muito a perder com a decisão, já que é o maior exportador de fumo e o segundo produtor mundial. Os do “sim”, vencedores da queda-de-braço, argumentam que, entre os 11 países que mais importam o tabaco brasileiro, oito já ratificaram – entre os quais a China, o maior produtor mundial de fumo. A Índia, terceiro lugar no ranking de produtores, também assinou o tratado. A convenção já foi confirmada pelo dobro do número necessário de países para que entre em vigor. A decisão do Brasil de também assinar embaixo garante um lugar na primeira sessão da Conferência das Partes, no ano que vem, quando será decidido o apoio financeiro internacional para os produtores que quiserem trocar o plantio do fumo por outra lavoura. O governo brasileiro também criou o seu para evitar o desemprego no setor.

Não há no tratado nenhuma menção à proibição do cultivo de tabaco, mas uma tendência de diminuição é detectada no mercado mundial. No Brasil, o contingente de fumantes caiu de 32% da população, em 1990, para os atuais 18%. Considerando o crescimento demográfico no período, em números absolutos a diferença não é tão grande, mas indica uma tendência. Nenhuma mudança acontecerá de supetão. Calcula-se que o Brasil continue, nos próximos anos, exportando 85% de quase 850 mil toneladas produzidas anualmente. Uma diminuição do consumo no planeta refletirá nos negócios. “O Brasil não pode ficar contra a lógica de mercado e ampliar a oferta de um produto que terá procura reduzida”, alerta a socióloga Paula Johns, coordenadora da ONG Rede Tabaco Zero.

O gaúcho e técnico agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura
Familiar (Fetraf-Sul), Albino Gewehr, ex-fumicultor e defensor da ratificação, critica
os ganhos exorbitantes. “A indústria do cigarro tem lucros na ordem de 40% a 70%. Nem os bancos têm isso!” Ao cercear as campanhas direcionadas a adolescentes e jovens, o tratado atinge o “bolso” dos fabricantes. Estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que 75% dos dependentes começam a fumar antes dos 18 anos e só 5% depois dos 25 anos. Por dia, 100 mil jovens começam a fumar diariamente no mundo. A Philip Morris, líder do setor, aderiu à prevenção de cigarros para jovens e se posicionou a favor da convenção. “A firme regulamentação pode ser benéfica tanto para os objetivos de saúde quanto para os nossos objetivos de negócios”, diz
a nota da empresa.

A maior resistência se concentrou nos três Estados do Sul, onde estão 95% da produção. Os 5% restantes são cultivados em seis Estados do Nordeste. Segundo o presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), o gaúcho Hainsi Gralow, a posição contrária à ratificação visava proteger o trabalho de 198 mil famílias e 2,4 milhões de empregos diretos e indiretos. Nas contas da Fetraf-Sul, o número não passa de 900 mil pessoas. Gralow disse que a associação “foi contra a ratificação agora” porque queria “a reconversão da lavoura antes”. Da Bahia, a presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Fumo, Josenita Souza Salomão, corroborou: “Se acabarem com o fumo vai ter muito desemprego.”

O agricultor Lauro Kist, 48 anos, nasceu em Venâncio Aires e vive em Santa Cruz do Sul, duas das principais cidades de produção de fumo no Rio Grande do Sul. “Se tiver atividade mais rentável ou igual à do fumo, a gente não se opõe”, diz ele. Especialistas apontam a mão-de-obra barata como principal atrativo para multinacionais do ramo. Segundo dados do Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais (Deser), o quilo de tabaco custa US$ 18 no Japão, US$ 10 na Europa, US$ 6 nos Estados Unidos e US$ 1,5 no Brasil. O mesmo Deser indica que pesquisas de universidades americanas constataram, aqui, a “doença do tabaco verde”: quando agricultores não-fumantes apresentam níveis de nicotina no sangue mais elevados do que fumantes comuns. Eles não estão, ainda, nas sinistras estatísticas da OMS sobre mortes anuais por doenças relacionadas ao tabaco: 200 mil no Brasil e cinco milhões no mundo.