Os juros estão caindo desde agosto de 2005. A taxa básica do Banco Central, a Selic, passou de 19,75% para 13% ao ano e continua com tendência de redução nos próximos meses. O que era para ser uma boa notícia – e é, pois indica inflação baixa – acabou virando um abacaxi para os bancos e o governo. A queda das taxas está provocando um desequilíbrio nas aplicações financeiras e poderá levar o Ministério da Fazenda a alterar a forma de cálculo ou acabar com a Taxa Referencial (TR). O problema é que isso implica em mudar as regras da caderneta de poupança, a aplicação mais popular do País, com depósitos de R$ 190 bilhões.

Mexer na poupança é um tabu que acompanha o presidente Lula desde 1989, quando seus opositores disseram que ele iria fazê-lo e o candidato do PT perdeu a eleição para Fernando Collor, autor do histórico confisco de todas as aplicações. A Fazenda não se pronuncia sobre o tema, mas não tem como escapar dele. “Se os juros continuarem em queda, como se prevê, o governo vai ter de mexer na poupança. É uma questão de tempo”, diz o matemático José Dutra Vieira Sobrinho. Ele previu esse imbróglio em 2001.

A poupança é corrigida pela TR, acrescida de juros fixos de 0,5% ao mês. Devido à maneira como é feito o cálculo da taxa e à isenção do Imposto de Renda, a aplicação está ficando cada vez mais atrativa para os investidores (leia gráfico). Como a TR demora mais que os títulos de renda fixa para refletir a queda dos juros, o rendimento relativo da poupança está subindo. Enquanto isso, a rentabilidade dos fundos de renda fixa está caindo. Tome-se como base de comparação os juros médios do mercado interbancário, refletidos na taxa do CDI. Em junho de 2005, a poupança rendeu 47,6% do CDI. Em dezembro passado, alcançou 60,6% do CDI. Com a Selic a 10%, o rendimento poderá ir a 80% do CDI, um retorno muito superior ao obtido pela maioria dos fundos de renda fixa. Esses fundos têm mais de R$ 330 bilhões em depósitos e, se nada for feito, poderão perder recursos para a poupança. E daí?

Ocorre que os fundos são os maiores compradores de títulos federais. Portanto, poderia haver impacto na gestão da dívida pública. E como os recursos da poupança devem financiar a casa própria, os bancos terão de emprestar o dinheiro adicional para mutuários do Sistema Financeiro da Habitação. Isso, num momento em que as taxas estão caindo para os tomadores de empréstimos (já se pratica TR mais 8% ao ano) e são fixas para os poupadores (TR mais 6,17% ao ano). Na prática, é um negócio inviável para os bancos se os juros caírem ainda mais. “Para evitar o desequilíbrio, o governo terá de alterar o cálculo da TR. E os bancos terão de reduzir as taxas de administração dos fundos de investimentos”, avisa Dutra.