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PARCERIA
Passos quer que o Brasil seja a porta de entrada de Portugal no Mercosul

Portugal vive a maior crise econômica e social desde a redemocratização, em 1974. Para evitar um colapso, o país aceitou o receituário amargo imposto pela Comunidade Europeia, com cortes de gastos públicos e aumento de impostos em troca de uma ajuda de 78 bilhões de euros. “Não há alternativa e a sociedade sabe que ainda enfrentaremos um período difícil nos próximos dois anos”, disse à ISTOÉ o novo primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho. Em entrevista exclusiva por telefone, o líder do Partido Social Democrata (PSD) diz que a taxa de desemprego deve ir bem além dos 12,5%, diante de um cenário de retração do PIB de até 2% neste ano e no próximo. De perfil técnico e apontado como gestor eficiente, Passos Coelho, 46 anos, foi eleito no domingo 5, com 38,6% dos votos válidos, numa coligação entre o PSD e o conservador CDS-Partido Popular que garantiu a maioria absoluta do Parlamento.

ISTOÉ – Que análise o sr. faz da vitória do PSD?
Pedro Passos Coelho – Foi uma vitória importante, expressiva. Obtivemos uma margem de 11 pontos percentuais sobre o Partido Socialista. Essa diferença indica que o país queria mudar. O sentido dessa mudança é inequívoco, pois pela primeira vez o PSD, sozinho, fez mais deputados do que todos os partidos de esquerda juntos.

ISTOÉ – Foi um voto de protesto, então?
Passos Coelho – Logicamente foi uma rejeição às políticas seguidas pela esquerda. E mais do que isso. Portugal quer ser governado pela direita. A sociedade não desejou só punir a esquerda e responsabilizá-la pela crise atual. Também quis criar condições para que a direita governe de maneira coesa e estável, a fim de garantir a execução das metas acertadas com a UE e o FMI. É preciso resgatar a esperança e a confiança da sociedade.

ISTOÉ – O sr. acredita que a social-democracia começa a dar a volta por cima na Europa?
Passos Coelho – Há várias questões a ser consideradas. Como partido social-democrata, representamos hoje uma promessa de requalificação do Estado, tanto em suas políticas públicas sociais como na racionalização econômica. Diferentemente do que ocorria há 35 anos, quando se esperava um ativismo maior do Estado na área econômica, hoje percebemos que foi um erro. Os gastos públicos chegaram a 50% do PIB e as Parcerias Público-Privadas (PPPs) nos levaram a acumular uma enorme dívida pública que comprometeu o orçamento para os próximos anos.

ISTOÉ – Países emergentes, como o Brasil, estão fazendo o caminho inverso, na tentativa de financiar seu crescimento. É um erro?
Passos Coelho – Não quero me meter na política econômica do Brasil nem interferir de modo algum nas ações do governo Dilma Rousseff, mas julgo que seja importante pensar na dimensão sustentável das despesas públicas. Em sociedades como a brasileira, em franco crescimento e desenvolvimento, o investimento público tem muita importância. Mas no médio e longo prazo, taxas de crescimento econômico menos intensas e excesso de despesas podem levar a um problema de sustentabilidade das finanças públicas. Essa é uma regra que se aplica a todas as sociedades, independentemente do nível de crescimento econômico.

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ISTOÉ – Como os portugueses reagirão às medidas de austeridade exigidas pela UE e o FMI?
Passos Coelho – Não te­mos alternativa. Meu compromisso com a realização do programa é total. Se falharmos, em breve Portugal poderá estar igual à Grécia. Precisaremos de nova ajuda financeira e corremos o risco de abrir mão do euro, o que seria uma tragédia econômica e social. Tudo isso exige um nível de sacrifício muito grande que tem de ser dividido entre todos os portugueses, que sofrerão com uma carga fiscal maior e salários menores. Nos próximos dois anos, esperamos uma contração de ao menos 2% do PIB, e o desemprego, que hoje está acima dos 12,5%, deve crescer. As pequenas e médias empresas, como não têm musculatura financeira, ficarão ainda mais fragilizadas.

ISTOÉ – O sr. prevê também a privatização de grandes empresas. Não teme desgaste político?
Passos Coelho – Como disse antes, não há saída. E boa parte das medidas deve ser implementada de forma urgente. As empresas públicas se tornaram fonte de prejuízo, por isso daremos início a um ambicioso programa de privatizações, sobretudo nas áreas financeira, energética e de transportes. O BPN, que foi nacionalizado há dois anos, temos que de vender até julho. Também teremos de suspender todos os contratos de PPP, vender as golden share de empresas como a Portugal Telecom e renegociar. Essas medidas impopulares serão compensadas com maior dedicação à assistência social.

ISTOÉ – De que maneira?
Passos Coelho – Vamos reforçar toda a rede social de apoio aos setores mais vulneráveis, sobretudo as instituições de solidariedade social que hoje recebem recursos públicos para atender idosos, crianças e portadores de necessidades especiais. Queremos que essas organizações ampliem seu atendimento no combate à fome, na distribuição de roupas e remédios. Também vamos aumentar a fiscalização delas para garantir que o dinheiro seja bem aplicado.

ISTOÉ – O sr. falou que o desemprego vai aumentar, mas uma das medidas não é a desoneração da folha de pagamento?
Passos Coelho – Isso é crucial para evitar um impacto ainda maior. Não temos mais instrumentos cambiais, então nos resta fazer uma desoneração fiscal e tributária. A prioridade é aliviar a folha de pagamento, especialmente do setor exportador, a fim de baratear os custos ope­ra­cio­nais e tornar nossos produtos mais competitivos. Além disso, precisamos buscar mercados fora da Europa. Hoje, 75% das exportações portuguesas destinam-se ao mercado europeu, que perdeu muito do seu poder de compra. Não dá mais para promover crescimento apenas com consumo interno.

ISTOÉ – Nessa busca pelo mercado externo, o Brasil e o Mercosul serão prioridade?
Passos Coelho – O Mercosul é muito importante e nossa ligação com o Brasil é decisiva para que as empresas portuguesas cheguem mais rapidamente a esses mercados. Há um conjunto de novos mercados para os quais Portugal deve se abrir e a ligação com o Brasil é fundamental para alargar nossa intervenção no Mercosul. E inversamente, também pode ser extremamente importante para que Portugal sirva de porta de entrada dos produtos brasileiros na Europa. Dessa maneira, Brasil e Portugal podem ser pilares muito relevantes para que a aproximação entre os dois blocos seja mais bem-sucedida.
 

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