O dia 27 de outubro de 2005 vai entrar para a história como a data em que começou uma nova guerra entre PT e PSDB. Depois dos conflitos de 1994, 1998 e 2002, as hostilidades em torno da disputa pela Presidência de 2006 foram deflagradas pelo fogo cruzado e pelo vale-tudo entre governo e oposição, uma semana após ISTOÉ revelar ao País que o publicitário Marcos Valério pagou em 2002 uma dívida da frustrada campanha ao governo de Minas Gerais do senador Eduardo Azeredo, presidente nacional do PSDB até quarta-feira 26, quando renunciou. Na sexta-feira 21, Cláudio Mourão, ex-tesoureiro da campanha do PSDB-MG, procurou ISTOÉ e, antes de a revista circular com a revelação, confirmou ter recebido o cheque do publicitário. Mourão afirmou que quem intermediou a negociação para que o dinheiro saísse foi Walfrido Mares Guia, hoje ministro do Turismo. “Como eles acertaram depois com Valério eu não sei”, disse Mourão, por telefone. O nome de Walfrido voltaria a aparecer em seguida, desta vez pela boca do próprio Azeredo. O senador disse que o cheque de Valério foi entregue a Mourão apenas como garantia e que, depois, Walfrido tomou um empréstimo no Banco Rural para saldar a dívida. “Foi feito um empréstimo, com meu aval, e a dívida foi paga”, contou o tucano.

Indiferente ao justificado clima de festa no Planalto, que naquele dia comemorava os 60 anos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a oposição girou o termostato da crise política que cozinha o governo há seis meses e tirou do forno o indigesto bolo do impeachment. “O que dizer do presidente Lula, que teve dinheiro do Marcos Valério numa campanha presidencial da qual saiu eleito? Tem que ter, no mínimo, o impeachment”, condenou o senador Tasso Jereissati (CE), que no mês que vem assume a vaga de Azeredo na presidência do PSDB. O tom azedo da retaliação explodiu, ainda na quinta-feira, na CPI do Mensalão, na acareação entre Marcos Valério, sua assessora Simone Vasconcelos e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, confrontados com sacadores do PP, PTB e PL nas contas generosas do valerioduto.

O ex-deputado Valdemar da Costa Neto disse que o dinheiro pagou o material da campanha de Lula e seu vice, José Alencar, em 2002. Delúbio confirmou: “O PL fez algumas despesas, apresentou a conta e depois tivemos de cobrir.” Diante da confissão do ex-tesoureiro do PT, o deputado Moroni Torgan (PFL-CE) disparou: “Os três dizem que mandaram dinheiro para pagar contas da campanha do presidente. Se o dinheiro é ilícito para deputado, é ilícito para presidente.” “Temos que pedir o impeachment de Lula”, resumiu a deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP). O senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) apresentou uma lista com 38 assinaturas pedindo a CPI do Caixa 2. Até a petista Ana Júlia (PA) assinou. Num Congresso conflagrado pela existência simultânea de três CPIs – Bingos, Mensalão e Correios –, uma quarta CPI era só o que faltava.

Em cartaz – O azedume político transbordou do Congresso e se espraiou pelos postes de Brasília. Uma fotomontagem do presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), envergando um vistoso uniforme das tropas de Hitler contaminou, na terça-feira 25, o clima político na capital, com a descoberta pela polícia de que os autores tinham a digital do PT. A fatura de R$ 1,6 mil da gráfica foi paga por uma ONG ligada a um sindicato do DF, filiado à CUT. Um de seus diretores, Avel Alencar, militante do PT, assumiu a autoria dos cartazes. O mau humor que vigora em Brasília, nos últimos dias, tem alterado o comportamento de gente habitualmente serena e educada.

Na CPI dos Bingos, o senador Tasso Jereissati perdeu a fleuma diante do presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, que falava sobre a prorrogação de 25 meses do contrato com a Gtech. Diante das evasivas de Mattoso, Jereissatti exaltou-se: “Isso me parece postura de malandro. O sr. se comporte, fique quietinho e se limite a responder.” Do lado oposto, o ex-ministro José Dirceu (PT-SP) continua estrebuchando. Prestes a ser cassado, implodiu a tática palaciana de panos quentes com o PSDB, comandada pelo ministro da Articulação Política, Jacques Wagner. Esticando a corda, tenta convencer a nova Executiva Nacional do PT a abrir um processo de cassação contra o senador Eduardo Azeredo. O prefeito de São Paulo, o tucano José Serra, disparou de volta: “O centro dos escândalos no Brasil está relacionado a desvio de dinheiro público de empresas estatais, corrupção e mensalão. Azeredo está longe de estar no centro dos acontecimentos.”

O nível de tensão entre Planalto e Congresso chegou ao máximo na quarta-feira, com a acareação entre os irmãos do prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel, e o chefe de gabinete do presidente da República, Gilberto Carvalho. Lula chegou a cancelar uma viagem ao Sul para acompanhar a CPI pela tevê. Um dia antes, o ex-juiz João Carlos da Rocha Mattos trocou a cadeia pelo banco de testemunha na CPI dos Bingos, onde deu a pista para recuperar 42 fitas com transcrições incômodas de conversas telefônicas de Carvalho nas horas que se seguiram ao seqüestro e morte de Daniel. Todas, como acusam os irmãos do morto, sugerem uma manobra para forçar a idéia de crime comum – não uma queima de arquivo para proteger um esquema de propinas com empresas para suprir o caixa de campanha do PT. Bruno e João Francisco Daniel insistiram na acusação de que Carvalho carregou sacos de dinheiro para o deputado José Dirceu.

No momento em que tanta gente foge de CPI, um fato raro vai acontecer na terça-feira 1º: a executiva Carla Cicco, ex-presidente da Brasil Telecom, mobilizou empresários e deputados de oposição para depor na CPI dos Correios. Aliada do banqueiro Daniel Dantas na briga com a Itália Telecom pelo controle da empresa, Carla acabou contratando a Kroll para rastrear os negócios de seus adversários, nos quais se alinhava gente como o ex-ministro Luiz Gushiken. Carla, ao que parece, promete contar poucas e boas da Kroll e suas extensões telefônicas.

Caneta na mão – Não bastassem tantas crises geradas por CPIs e pela guerra partidária, o Planalto tem de administrar novas dificuldades. A Comissão de Orçamento decidiu obstruir todas as votações. Com isso, os ministérios podem ficar sem dinheiro, ameaçando obras e serviços já em novembro. O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, quer ganhar tempo, enquanto libera as sonhadas emendas parlamentares. É a tinta da caneta que assusta a oposição. Numa reunião com a executiva nacional do PFL, o economista Cláudio Adilson Gonzáles alertou que o Planalto deve começar a abrir as comportas da economia represada no primeiro semestre de 2006. “Palocci pode baixar mais os juros e descontingenciar o orçamento, fazendo o colchão econômico que vai tornar mais confortável o ambiente político nos meses críticos que antecedem a eleição”, previu. Só uma coisa pode atrapalhar este cenário otimista: o clima de pau e pedra que deve prevalecer, agora, na relação entre governo e oposição.