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REVOLTA
Bombeiros em confronto com a Polícia: ação despropositada

Por mais legítima que seja a reivindicação de reajuste de salários e melhoria de condições de trabalho feita pelos bombeiros do Rio de Janeiro, as ações praticadas nos últimos dias por centenas de homens que têm a função primordial de salvar e proteger pessoas foram absurdas. Para chamar a atenção da sociedade, em vez de se manifestarem por meio de passeatas ou qualquer outro tipo de protesto pacífico, os bombeiros cometeram o disparate de invadir o quartel-general da corporação. Embora muita gente não saiba, bombeiro é um policial militar. Significa que, em sua estrutura, há uma rígida hierarquia. Em quartéis, democracias não são possíveis – o que colocaria em risco o próprio funcionamento do sistema. Em quartéis, há acesso fácil a armas e, por isso, não é difícil imaginar os perigos que um motim como o planejado pelos bombeiros possam desencadear. Em quartéis, não se admite revoltas, caracterizadas como crimes e sujeitas, com justiça, à prisão. Ao invadir o QG, os bombeiros incendiaram a sua própria causa e não deixaram alternativa às autoridades. Ou eles seriam presos ou a instituição estaria em risco.

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PERIGO 
O flagrante da invasão do quartel general dos bombeiros: acesso a armas de fogo

A mobilização não está nas mãos de sindicalistas, mas de alguns integrantes da corporação que tomaram a liderança aos poucos, em ações pontuais nos quartéis. Olhar com lupa a atuação desses líderes é essencial para entender a crise. São nove os líderes da revolta que mobilizou 6 mil bombeiros e seus parentes. Oito deles passaram a semana presos no Grupamento Especial Prisional (GEP) junto com dezenas de amotinados. Na sexta-feira 10 foram libertados por força de um habeas corpus. Embora de menor patente, o cabo Benevenuto Daciolo é aquele que se impõe aos demais. Aos 35 anos e salva-vidas há 12, Daciolo é o principal articulador junto a parlamentares que apoiam o movimento. O cabo, que tem quatro filhos, foi candidato a deputado estadual em 2006 e a vereador em 2008, pelo PRTB. Também trabalhou no gabinete da ex-deputada evangélica Beatriz Santos (PRTB). Daciolo costuma misturar política com religião. Ao final de cada discurso, celebra uma prece. “O movimento só tem um líder: Jesus Cristo”, disse ele à reportagem de ISTOÉ. Detalhe preocupante: Daciolo já havia sido detido em maio, acusado de incitamento a crimes militares.

Outra liderança é o capitão Alexandre Marchesini, 35 anos, quatro filhos, candidato a deputado federal nas últimas eleições pelo Partido Republicano Brasileiro (PRB), nas quais obteve 3.200 votos. Numa tendência preocupante entre os cabeças do movimento, ele também tem histórico de prisões. Em 2011, foi detido três vezes por “agitação sindical.” Seu discurso é direto. “Mesmo com o reajuste oferecido pelo governo, vamos continuar com o menor salário da Federação”, diz. “Não cederemos.” O mais velho do grupo é o sargento Valdelei Duarte, 51 anos, salva-vidas que está na corporação desde 1981. Por causa da excessiva exposição ao sol, tanto nas areias brancas das praias da zona sul quanto no Piscinão de Ramos, onde está lotado atualmente, adquiriu um câncer de pele.

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ANTECEDENTE
O capitão Lauro Botto (de branco),
líder do movimento, já foi preso três vezes

O caso do major Márcio Garcia é singular. Aos 33 anos, sendo 15 deles de serviços prestados à instituição, casado com uma bombeira e pai de uma criança de quatro anos, o oficial está prestes a ser promovido a tenente-coronel. Ao participar do motim, pode ter jogado sua carreira fora. “Todo mundo pergunta se estou maluco”, diz. “Isso é para a população ver o estado de desespero em que se encontram os bombeiros.” Garcia e os outros líderes dividem cinco celas no GEP com outros 20 presos, entre os quais um coronel pedófilo e um sargento que matou a mulher e a sogra. Os detentos passam o dia no pátio do presídio fazendo exercícios, assistindo à tevê, jogando pingue-pongue numa mesa improvisada e articulando os próximos passos do movimento. Ou seja: transformaram o presídio em gabinete.

Fora da prisão está outro bombeiro que é integrante da cúpula do movimento, o capitão Lauro Botto. Ele não participou da invasão porque estava de serviço em Resende, no sul do Estado. É um homem de ações impulsivas. No dia 31 de dezembro de 2010, mandou a seguinte mensagem para Sérgio Cortes, ex-secretário de Saúde e Defesa Social, ao qual se subordinava o Corpo de Bombeiros: “Se tiver o mínimo de vergonha nos próximos quatro anos, tente olhar para os que são bombeiros da sua secretaria.” Também foi preso três vezes em 2011. Com 31 anos e nove como bombeiro, Botto é filiado ao Partido Verde e disputou as eleições de 2010. Na campanha, apareceu em foto ao lado da presidenciável Marina Silva e do candidato a governador Fernando Gabeira.

As ligações políticas do grupo reforça as suspeitas levantadas pelo governador Sérgio Cabral no dia seguinte à invasão: “Tenho informações de que deputados estimularam esse tipo de coisa”, disse. “São políticos que já passaram pelo governo e não fizeram nada.” Era uma referência a seu antecessor, Anthony Garotinho, atual deputado federal pelo PR. Para tentar debelar a crise, Cabral mudou o comando do Corpo de Bombeiros, criou a Secretaria de Estado de Defesa Civil, tirando os bombeiros da pasta da Saúde, e antecipou o reajuste da corporação, previsto para dezembro. Para os juristas, são poucas as possibilidades de os amotinados ganharem a pretendida anistia. “Esse foi um movimento contrário à ordem constitucional ”, diz o professor de Direito da Universidade Candido Mendes Farlei Martins. O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, diretor do Instituto Universitário de Pesquisas do RJ (Iuperj), avalia que tanto o governador quanto os manifestantes se meteram num beco sem saída. “O governo subestimou o poder de mobilização e o radicalismo. Por outro lado, os bombeiros cometeram crimes militares.” 

 

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