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A trajetória do empreendedor e admirável figura humana Mayer Ambar é contada pela primeira vez no livro “O Maestro”, do jornalista e consultor em comunicação empresarial Fabio Steinberg. Sua vida é retratada desde a infância no Cairo (Egito) até a sua atuação no Brasil, onde fundou a Bel Air Viagens, referência do setor de turismo no País. De ascendência judia, Ambar veio para o Rio de Janeiro em 1946, antecipando a grande leva de emigrados ocorrida na década seguinte, quando o governo egípcio expulsou os judeus de seu território. O lançamento em São Paulo será na quarta-feira 15 e no Rio, na sexta-feira 17. 

 

 

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Leia um trecho do primeiro capítulo do livro:

Capítulo 1

MÚSICA, MAESTRO!

Enquanto nos inocentes anos 30 do século passado a maioria das
crianças egípcias de classe média ocupa o tempo com brincadeiras, como
jogar lugum, espécie de beisebol, com bola feita de meia e arremessos
com um cabo de vassoura, um menino prefere ouvir música. Aos 2
anos, ele já se senta no chão, bem pertinho do piano da casa da família
Ambar, na qual é o adorado caçula. O que ele gosta mesmo é de ficar
aos pés de Josette, sua irmã mais velha, enquanto ela pratica as partituras
trazidas do Conservatório Bergrune, onde estuda. Como uma naja
atraída pelo som que emana das flautas dos encantadores de serpentes
orientais, o menino se encanta, hipnotizado pela melodia produzida
pelo teclado daquele móvel estranho. A caixa de onde sai o som que
tanto o extasia parece incrivelmente alta e inacessível, ante seus olhos
infantis e diminuta estatura. Este não é um fato isolado. Para deleite de
todos da casa, mesmo sem saber ler, desde cedo o menino consegue separar,
pelas melodias, os discos de música árabe dos de música francesa.

Daqueles longínquos dias, nasce a paixão pela composição clássica,
que acompanhará este menino judeu do Cairo para sempre. Ele ainda
não sabe, mas este será um amor impossível de ser correspondido, pois
o destino nunca permitirá que o seu sonho se concretize por completo.

Quando ele pede para estudar piano como a irmã, o pai não permite.
“Isto é coisa de mulher”, responde. Já mais velho, quer ser maestro,
mas o pai se mostra, irredutível. “Não dá para ganhar a vida com isto”,
desestimula. Persistente, a música fala mais alto dentro do garoto, que
aprende mesmo assim a tocar de ouvido no piano Hoffman de Josette.
Para ele, não existe desafio musical. Sem ler uma única partitura ou
nota, basta ouvir uma música em qualquer lugar que ao se sentar ao
piano, em poucos minutos, reproduz a melodia com perfeição. É um
talento nato.

O menino não vive em uma cidade sem importância, mas sim no
Cairo dos anos 1930, um dos principais centros de cultura do mundo
e parada obrigatória de turnês de grandes artistas. As atividades sociais
são intensas, e a cidade ganha vida de verdade à noite. Como faz muito
calor à tarde e é humanamente impossível trabalhar, as pessoas voltam
cedo para casa, a tempo de tirar uma soneca, para, uma vez recarregadas
as energias, divertir-se nas ruas até altas horas. Tirando proveito da
agradável brisa que sopra do Rio Nilo e do tempo ameno sem chuvas,
dezenas de cinemas funcionam ao ar livre, e não começam as sessões
antes das 9 da noite. É hábito regular jantar só a partir das 11 horas, e
nenhuma casa noturna inicia seus shows antes da meia-noite.

O que encanta moradores e estrangeiros no Cairo de então, e certamente
o seu maior charme, é a capacidade de a cidade contemporizar
a sofisticação de uma grande metrópole com atividades e valores quase
primitivos já engolidos pelo progresso em outros lugares, mas ainda
preservados pelo comportamento interiorano, e não raro lírico, de sua
população. O melhor exemplo vem dos vendedores ambulantes, em geral
camponeses egípcios que ganham algum dinheiro com suas carroças,
carrinhos ou cestos de vime na cabeça. Eles cantam para anunciar produtos
– peixe fresco do Nilo, folhas de uva, geleias ou pétalas de rosas
brancas perfumadas, estas usadas para fazer água-de-rosas para os doces.

As tardes, mesmo quentes, não são menos concorridas, principalmente
para a badalação das elites sociais da cidade e dos estrangeiros
que então vivem no Cairo. Oficiais ingleses uniformizados misturam-se
a senhoras elegantes chegadas das compras como parte de uma sofisticada
clientela que frequenta o café La Parisiana, e podem ser encontrados
invariavelmente saboreando uma boisson bem gelada. Dali, ou de
famosas confeitarias como o Groppi, restaurantes com refinada comida
internacional que lotam a cidade, danceterias ao ar livre como o Covent
Garden, ou ainda de cabarés como o Cassino da Ópera ou o de Madame
Badia, forma-se, das mesas, uma verdadeira babel de idiomas, do
francês ao inglês, do grego ao italiano, do holandês ao armênio. E de vez
em quando, relegado ao segundo plano, também se pode ouvir o som
do árabe nativo. As pessoas bem-educadas costumam falar duas ou três
línguas, e é hábito mesclar todas numa única conversa. Afinal, trata-se
do Cairo, a cidade mais cosmopolita do mundo.