Em 1632, o pintor holandês Rembrandt criou um quadro que deu o tom da medicina de sua época. Em Lição de anatomia, doutores do século XVII observam com interesse a dissecação de um corpo. Adaptada aos novos tempos, a obra mereceria um objeto de estudo diferente: o paciente. Outra mudança, desta vez tão sutil que não caberia na tela, estaria no perfil dos médicos. Nenhum anatomista. Diversos especialistas.
Ao lado do aprofundamento dos saberes genético e tecnológico, a tendência da saúde é envolver mais de um profissional no atendimento
de males complexos, como a diabete. É o que se chama de multidisciplinaridade. Também ganha força o tratamento humanizado. Simplificando, é dar mais atenção à pessoa que busca auxílio para
as dores física e da alma, que frequentemente ficam camufladas.

Prova de que essa visão se ampliará a partir de 2003 é o esforço
que as instituições de ensino têm feito nas salas de aula. Os mestres
de hoje procuram ensinar aos doutores de amanhã que os pacientes podem dar muitas lições. “Compreendemos que as doenças são alterações físico-químicas que ocorrem em sistemas biológicos.
Mas junto disso existe a parte emocional. O problema tem um componente científico, porém vem num invólucro, a personalidade”, analisa o cardiologista Protásio Lemos da Luz, do Instituto do Coração, de São Paulo, autor do livro Nem só de ciência se faz a cura. Aos
alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o professor lembra que a tecnologia, obviamente, é útil, porém não
deve ser usada como se fosse um recurso de engenharia. Ela é
utilizada em pessoas, que têm suas angústias. “Estamos na fase de envolvimento com os progressos científicos, mas temos de preservar
o caráter humanístico da medicina”, completa o cardiologista.

Outra instituição que estimula os futuros médicos a tirar o foco da doença para colocá-lo no paciente é a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista. Desde 2000, os estudantes passaram a ter mais contato com a comunidade e as aulas incluem filosofia e ética. “As escolas hoje procuram formar um profissional
mais humano”, garante Sigisfredo Brenelli, assessor da pró-reitoria
de graduação da Unicamp. Ele foi um dos responsáveis pela transformação no ensino. Além disso, a universidade prepara os jovens doutores para uma fase em que o trabalho conjunto fará a diferença.
“O aluno deve aprender a lidar com a interdisciplinaridade. A pós-modernidade pede um trabalho coletivo e global”, diz Brenelli.

De fato. O atendimento dividido entre diferentes especialistas é vital
para o sucesso do tratamento de várias doenças. Isso porque muitos males trazem complicações não apenas para um único órgão. Um
exemplo é a esclerose múltipla, mal que pode comprometer áreas distintas do cérebro e provocar transtornos variados (como dificuldade de locomoção e de fala). Nesses casos, o neurologista precisa
contar com o apoio de outras disciplinas, caso de fonoaudiólogos
e de psicólogos. Se a cabeça não está bem, as chances de o paciente contornar o problema se reduzem. É por isso que muitos profissionais defendem uma abordagem holística – todos os aspectos do paciente devem ser levados em consideração. O médico Mike Magee, do laboratório Pfizer, nos Estados Unidos, é um dos entusiastas dessa
linha de pensamento. “Os cuidados com a saúde estão mudando”,
afirma. Além do caráter mais humano e da terapia multidisciplinar, a preocupação com a saúde pública é outro foco em valorização. “Ao
falar de perspectiva, deve-se pensar nas coisas básicas ainda não oferecidas à população”, observa Alberto Pellegrine, da Organização Panamericana de Saúde. De acordo com ele, o futuro da saúde está também no capital social. A proliferação de organizações não-governamentais preocupadas com esse tema é um claro sintoma disso.