Sai o economista Pedro Malan, entra o médico sanitarista Antonio Palocci. Sai o especulador Armínio Fraga, entra o banqueiro Henrique Meirelles. O que fica é um cenário de inflação engatando uma nada saudosa escalada, uma taxa de crescimento claramente insuficiente, o desemprego urbano em níveis recordes, os juros em patamares asfixiantes e o câmbio ainda sem uma direção precisa. A nova equipe econômica já avisou: não haverá choques nem soluções mágicas. Muito menos retrocessos a situações tristemente já vivenciadas pelos brasileiros, como a indexação da economia ou a fixação do câmbio.

De tão conservador, o futuro ministro da Fazenda, Palocci, já tem sido chamado de discípulo de seu antecessor, cuja política de rigidez fiscal foi duramente criticada pela oposição durante os anos Fernando Henrique Cardoso. No Banco Central, a figura de Meirelles, um liberal com notáveis preocupações sociais, surge como antídoto à frieza tecnicista de seu antecessor. Completando o time econômico, teremos o empresário Luis Fernando Furlan, dono da Sadia, no comando da pasta do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Difícil achar alguém, no Brasil, mais experimentado do que ele nas complicadíssimas negociações internacionais de comércio. E, na cada vez mais poderosa pasta da Agricultura, seremos representados pelo engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues, um especialista em cooperativismo (uma das
principais bandeiras da campanha presidencial de Lula).

Os membros da equipe reúnem traços em comum: são todos reconhecidos pela competência pessoal, pela capacidade de liderança e pelo trânsito livre
em suas respectivas áreas de atuação (inclusive
no Exterior, à exceção de Palocci, que inicia agora suas andanças por Washington). “Os nomes anunciados para compor a equipe estão muito
acima da expectativa inicial”, diz o presidente
da Associação Comercial de São Paulo, Alencar
Burti. A troca de guarda sendo realizada de forma tranquila e civilizada afastou o pior dos fantasmas:
o da ruptura institucional (ultimamente mais conhecido como argentinização da economia).

Os nomes dos futuros timoneiros caíram nas
graças dos operadores do mercado financeiro,
o que lhes aumenta a margem de comando,
mas, obviamente, não resolve todos os nossos problemas. É possível esperar uma pequena retomada do crescimento em 2003, algo em
torno de 2% do Produto Interno Bruto (PIB)
(a projeção é de um levantamento do Banco Central feito entre as instituições financeiras).
O patamar ainda é insuficiente, mas um ano razoável seria alvissareiro para um salto definitivo que o País espera há mais de uma década. Um
salto que só poderia acontecer com taxas
entre 4% e 7% ao ano durante algum tempo consecutivo (algo que só a China e a Rússia
vêm conseguindo manter ultimamente). É a criação dessa base de lançamento que caberá aos novos maestros da economia brasileira.

Quatro anos – O clima, em geral, é de otimismo contido. Na verdade, a grande perspectiva positiva gira em torno dos quatro anos de Lula, e não de 2003 isoladamente. A expectativa é que a fase “monetarista” do período Malan acabe e que a produção volte ao centro da política econômica do novo governo. “Esperamos que aconteça nada menos do que uma reviravolta histórica no que se refere ao papel que a indústria deve desempenhar no crescimento do Brasil”, diz o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva.
 

“É preciso acabar com a obsessão financeira
e fazer com que a atenção da política econômica se concentre na vida real”, arremata o líder setorial. O que Piva pede,
na verdade, é o às vezes inalcançável
óbvio. É um desejo de que expressões
como “risco-país” e “volatilidade” voltem, quietinhas, para as páginas econômicas
dos jornais – espaço de onde jamais deveriam ter saído para nos as sustar nas capas
dos diários. É a vontade, legítima, de
vermos revalorizado o capital produtivo
em detrimento do dinheiro da roleta financeira internacional.

Essa vontade criou uma onda otimista entre os empresários paulistas. Um universo de 420 deles demonstrou, segundo pesquisa realizada em conjunto pela Fiesp e pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, que 77% acreditam que o governo Lula, outrora massacrado pela máquina política da entidade, terá um desempenho bom ou ótimo.

Há, é claro, quem duvide da capacidade dos novos ocupantes do poder. “A economia brasileira atravessará uma fase de ajuste profundo e doloroso nos próximos dois anos. A situação é tão dramática que somente 2003 não será suficiente para colocar o vagão descarrilhado, a economia brasileira, de volta aos trilhos”, avalia o economista Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Fazer ‘mais do mesmo’ não vai dar certo. Tudo indica que estaremos mortos no curto prazo. Como queremos estar vivos no longo prazo, precisamos de mudanças fundamentais na política econômica”, avalia.

A grande muralha a ser transposta, ao menos nos primeiros meses
de vida da nova administração, será o controle da inflação. As pressões para a redução dos juros – uma potencial alavanca inflacionária –
devem ficar apenas na pressão. O surto inflacionário começou na esteira dos reajustes dos produtos e serviços com custos em dólar. E não
parou mais. Palocci acredita que o ciclo já está se encerrando,
mas há quem aposte que o monstro, nascido de uma costela
da desvalorização do real, já ganhou vida própria.

“A inflação contaminou os preços, mas é algo que pode ser revertido”, diz o economista-chefe da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), Roberto Luís Troster. Uma pesquisa realizada pela entidade com 65 instituições bancárias aponta uma expectativa de crescimento do PIB de 1,88% no ano que vem. “As projeções dos bancos em dezembro mostram uma mudança para melhor nos resultados esperados da política econômica, em comparação com novembro”, diz Troster. No mesmo levantamento, surge uma expectativa de inflação de 11% e uma taxa de juros média de 20,87% para o ano que chega. Números ainda altos, mas que não deixam escapar uma ponta de otimismo. Uma inflação de 11% é praticamente equivalente à deste ano, hipótese que renega uma escalada mais forte dos preços.

“Eu acredito que a economia vai se estabilizar em 2003. É uma
questão de credibilidade. Na medida em que ela for sendo alcançada,
as coisas vão se acertando”, aposta o presidente da Bolsa de Valores
de São Paulo (Bovespa), Raymundo Magliano. “Uma questão positiva
é que o Lula sabe enfrentar as dificuldades e não transfere
a responsabilidade”, diz Burti, da Associação Comercial.

Âncora verde – No campo, a expectativa é de manutenção das
boas taxas de crescimento obtidas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, época em que o setor agropecuário chegou a ganhar
a alcunha de “âncora verde”. Durante a maior parte dos últimos oito anos, a economia brasileira só teve crescimento positivo graças aos saltos expressivos do setor. Para 2003, Antonio Ernesto de Salvo, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), acredita que os preços agrícolas, que andavam eriçados com o surto inflacionário, deverão se acomodar com a expectativa de uma nova
safra recorde de 110 milhões de toneladas. “O que fizemos foi um realinhamento histórico”, afirma. Em 2003, as exportações apenas
de soja devem somar US$ 7,5 bilhões, contra US$ 5,7 bilhões este
ano. O setor como um todo tem chances reais de superar os US$ 20 bilhões de saldo comercial obtido este ano. Na pecuária, a grande expectativa é da abertura do mercado nos Estados Unidos.

Velhos fardos do governo FHC terão de ser carregados pelos novos mandatários. O mais pesado deles, talvez, será a negociação da
reforma tributária – uma questão que ninguém discorda ser absolutamente prioritária mas que sempre esbarra na falta de uma costura político-financeira eficiente. “Em 2003, o País vai decidir
se vai ser mais um país da periferia do mundo ou se participará
como nação importante na economia globalizada, ao lado dos países desenvolvidos. Isso depende em grande parte da realização, ainda
no ano que vem, da reforma tributária”, afirma Piva, da Fiesp.

O rombo nas contas da Previdência também vai estar no caminho
de Lula e sua equipe. O programa de governo do PT prevê a criação
de um sistema misto, com um teto de benefícios e a criação de um sistema de previdência complementar. Se emplacar esses dois desafios, Lula já terá realizado algo que FHC não conseguiu em oito anos,
a maior parte deles com maioria esmagadora no Congresso (coisa
que o novo presidente não terá nos mesmos moldes).

Na ponta final de todas as reformas das novas políticas que virão,
está a geração de empregos (os tais oito milhões da campanha
eleitoral). É consenso que o panorama deplorável precisa mudar. Em
São Paulo, praticamente 20% da população economicamente ativa
está desocupada, segundo a pesquisa mensal Seade/Dieese. O número
é quase igual em outras capitais. É um contingente desastroso
de desempregados urbanos, um dos maiores da história do País. A
chance de eles saírem da penúria em que se encontram é uma só:
o crescimento econômico. No fim das contas, é isso que Palocci, Meirelles e suas respectivas equipes têm a obrigação de realizar.

O governo Lula começará sua gestão com a maior taxa básica de juros desde maio de 1999: 25%. Elevar a taxa Selic de 22% para 25% foi a última decisão do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, tomada quarta-feira 18, em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). A decisão foi unânime e a justificativa foi o aumento da inflação.

Pelo mesmo motivo, numa reunião de emergência em outubro,
o BC aumentou os juros de 18% para 21% e, em novembro, de
21% para 22%. “A elevação dos juros é ineficaz e desnecessária”,
diz o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva. A Fiesp prevê uma contração
de 1% na produção industrial este ano em São Paulo, Estado
que concentra 40% da produção nacional. As projeções
de crescimento da economia não chegam a 1,5%.

Para o consumidor, isso não quer dizer grande coisa, uma
vez que os juros cobrados pelo mercado não guardam relação
alguma com as taxas fixadas pelo governo. Ou seja, o consumidor continua pagando taxas de juros altíssimas em qualquer que seja
a modalidade de crédito escolhida. “Mesmo que a Selic caísse,
o consumidor não seria beneficiado”, diz o presidente da Associação Nacional de Defesa dos Consumidores do Sistema Financeiro
(Andif). Os juros do cheque especial e empréstimo pessoal
e os aplicados pelas administradoras de cartões de crédito ultrapassam a taxa de 200% ao ano, segundo a Andif.