O ano de 2003 promete boas novidades dentro do cenário musical brasileiro. Isso porque está em curso, há alguns anos, um processo em que a busca por uma nova produção de música independente tornou-se real, cheia de surpresas e mudanças profundas. Hoje, por exemplo, para se gravar música no Brasil não é mais necessário um caminhão de dinheiro nem o “aval” político de uma gravadora estrangeira. Num laptop há mais tecnologia de gravação disponível do que os Beatles jamais viram. Os artistas simplesmente gravam e publicam suas obras através de gravadoras independentes, promovem de maneira alternativa e, com tudo isso, ganham o direito de existir. Como disse o poeta, “Deus lhe pague”. Mas nem sempre foi assim…

Há alguns anos, acessar uma fábrica de vinil ou mesmo de CDs era uma tarefa quase irrealizável. Isso sem falar na distribuição. Há histórias que deixariam Dom Corleone orgulhoso. Sempre me deixou intrigado a comparação entre a indústria independente dos Estados Unidos e Europa e a ausência dela no Brasil. Lá, assistimos ao nascimento do rock and roll, do rythm’ blues, do reggae, da disco, do hip hop, da música eletrônica, para citar alguns movimentos surgidos através de gravadoras independentes, muitas delas distribuídas por gravadoras majors.

Aqui, nossa música independente foi sufocada no berço várias vezes. Toda iniciativa sempre foi tratada com escárnio e violência moral, para dizer o mínimo. O problema é que agora o bebê cresceu e é grande o suficiente para derrubar a porta da frente. É o que está acontecendo hoje. Queremos um relacionamento direto com o público, sem atravessadores. Sem polícia e sem patrão.

Não havia uma gravadora no início dos tempos e um artista foi lá pedir emprego. Havia sim, desde sempre, artistas e ao redor deles foi criado um negócio. Toda vez que essa seta for invertida teremos problemas graves. Nossa atividade deve ser pautada pela música de verdade e não pelo marketing de mentira.

Diante de tudo isso, só posso ver com alegria e entusiasmo a construção dessa nova indústria da música independente. Mentiras históricas como “o povo gosta de lixo” serão colocadas por terra através do talento de nossos artistas e sua música. É um povo sofrido, muito ocupado em sobreviver e que espera de nós o melhor – e não o contrário. Até porque, sem opções, lamentavelmente lixo vira alimento.

Somos um povo em construção, buscando valores próprios e comprometimento. E isso a sociedade brasileira pode esperar do setor da música independente. Não temos a pretensão de ser o “metro” do que é bom ou ruim no nosso país, mas de maneira alguma podemos abrir mão da opinião e de estarmos nas paradas. Todo mundo ganha com isso; são mais empregos, artistas, canções, oportunidades…

Agora, só falta a sociedade perceber definitivamente que cantores
que não cantam, atores que não atuam ou modelos que não
desfilam são, além de vítimas, componentes de um processo
triste, pernicioso e destrutivo.

Ser famoso é quase um efeito colateral do ofício artístico e não
deveria ser nunca “a razão principal”. Alguém tem qualidades e eventualmente fica famoso por elas. Sempre foi assim. Hoje em dia, as pessoas buscam a fama para depois ver o que dá para fazer. É insólito. Ter uma vida pessoal virou uma profissão no Brasil. Se superarmos essa distorção, poderemos pensar na possibilidade de ter um país à altura do seu povo e de seus artistas.