A sensação de bem-estar vivida pelos que praticam uma boa ação, por menor que ela seja, já tem explicação científica. Um estudo inovador revelou que ter gestos nobres, como ajudar alguém ou fazer doação, ativa no cérebro áreas ligadas ao prazer e à recompensa. São os mesmos circuitos acionados quando nos deleitamos fazendo amor ou saboreando um sorvete fantástico. O trabalho, realizado nos Estados Unidos e financiado pelo Instituto Nacional de Desordens Neurológicas e Doenças Cerebrovasculares (da sigla em inglês Ninds), é de autoria de dois cientistas brasileiros, o neuropsiquiatra Ricardo de Oliveira-Souza, do Hospital Universitário Gaffré e Guinle, e o neurocientista Jorge Moll Neto, da Rede Labs-D’or, ambos do Rio de Janeiro. Trata-se de um marco, pois foi o primeiro a averiguar as bases biológicas dos atos de generosidade e altruísmo.

Por dois anos, a dupla de pesquisadores submeteu 19 voluntários americanos à ressonância magnética, um exame que produz imagens da ação do cérebro, para analisar suas reações durante um jogo criado para a pesquisa. No início, cada voluntário recebeu US$ 128. Em seguida, os nomes de várias entidades, de fundos sociais das Nações Unidas a organizações de defesa do uso de armas, foram apresentados em seqüência num telão, em intervalos de sete segundos. As opções eram doar ou não US$ 5 a cada uma delas ou ainda pagar para que determinada instituição não recebesse contribuições. O saldo – ou todo o dinheiro, se nada fosse oferecido – poderia ser levado para casa pelo voluntário. Detalhe: as doações, as instituições, os dólares e a liberdade de ficar com eles eram verdadeiros, o que deu dimensão real a todas as decisões dos pesquisados.

REALISMO Os voluntários de Souza podiam ficar com o dinheiro da pesquisa

Enquanto o processo ocorria, a ressonância mostrava a atividade cerebral diante de cada escolha. Independentemente do caráter da instituição, quem optava por não doar e ficar com o dinheiro registrava uma intensa atividade nos circuitos de prazer. “É uma forma de recompensa pessoal”, explica Oliveira-Souza. O cérebro dessa mesma pessoa teve outra performance quando ela decidiu dar dinheiro a alguma entidade filantrópica. “Nestes casos, além do circuito do prazer, a oferta mobilizou também o córtex subgenual, uma estrutura que chamamos de área da empatia. Ela entra em ação quando nos ligamos afetivamente ou fazemos algo de bom a alguém”, observa o cientista. Outras áreas cerebrais foram ativadas quando os voluntários pagaram para vetar donativos a quem eles moralmente reprovavam. Nesse momento, entraram em cena setores associados à aversão, à raiva e à indignação. Por fim, os exames revelaram também que, durante a tomada de decisão, uma parte anterior do cérebro, o pólo frontal, era ativada. “Essa área, associada ao planejamento, se manifesta quando a pessoa pondera se faz ou não uma escolha”, descreve o pesquisador.

A possibilidade de visualizar a ação cerebral no momento em que surge a intenção de tomar uma atitude é uma das fortes linhas de estudo da neurociência. Outro trabalho recente, liderado pela universidade britânica de Oxford, antecipou com até 70% de exatidão os planos de indivíduos que teriam de decidir entre somar ou subtrair números. Fascinantes, descobertas como essas alimentam o debate sobre a aplicação de novas tecnologias capazes de desnudar a mente humana. “É preciso avaliar as questões éticas e as implicações do tema”, alerta o neurocientista Colin Blakemore, diretor do Conselho de Pesquisa Médica, na Inglaterra. Mas a aplicação desses recursos parece ser questão de tempo. Os achados de Oliveira e Moll já dão sustentação a estudos de marketing e preferências políticas em países como os Estados Unidos e a Alemanha. “São técnicas que revelam muito mais do que os conhecidos detectores de mentiras, pois o cérebro não mente”, diz o pesquisador.