Um telefonema às 12h10 da sexta-feira 20 abalou a base do governo Lula no Congresso. O futuro chefe da Casa Civil, José Dirceu, ligou para o presidente do PMDB, Michel Temer, e anunciou que “resistências internas” no PT impediam a entrada do PMDB no governo. Minutos depois, numa dura nota de nove parágrafos, Temer reagia, mostrando que o PT é que sempre procurou o apoio do partido, em três conversas diretas e dois encontros públicos – dia 8, em São Paulo, e dia 19, em Brasília, quando Dirceu anunciou: “Chegamos a uma proposta comum.” No dia anterior, lembra a nota do PMDB, o próprio porta-voz de Lula, André Singer, garantiu: “O PMDB só não participa do governo se não quiser.”

E o PMDB queria, e muito. Na quinta-feira 19, Dirceu ofereceu a Temer dois ministérios: o das Minas e Energia e o da Integração Nacional, mesmo sabendo que este último é um tradicional reduto de peemedebistas nordestinos. Dirceu deixou a reunião com seis sugestões de nomes encaminhadas pelo partido: os senadores Renan Calheiros (AL), Pedro Simon (RS) e Sérgio Machado (CE) e os deputados Renato Vianna (SC), Eunício Oliveira (CE) e Hélio Costa (MG). Apesar da variedade de nomes, o PT tropeçou aparentemente em suas divergências internas. No anúncio oficial de novos ministros, na manhã da sexta-feira 20, em vez de duas vagas para o PMDB, Lula radicalizou: anunciou cinco cadeiras ocupadas por petistas de carteirinha: Cristovam Buarque (Educação), Jaques Wagner (Trabalho), Humberto Costa (Saúde), Dilma Rousseff (Minas e Energia) e Nilmário Miranda (Secretaria Nacional dos Direitos Humanos).

Ainda perplexo com o não-fechamento do acordo, que deixa em suspenso para que lado marcharão 74 deputados e 19 senadores do PMDB, Temer dizia a ISTOÉ na sexta-feira: “Nunca vi isso na minha vida. Se o PT gerir a economia desta forma, não sei o que será do País.” O inesperado choque entre as duas legendas ameaça desarranjar os acertos para compor as mesas do Congresso, onde a presidência da Câmara estava reservada ao PT e a do Senado, ao PMDB. “Estou recebendo telefonemas do PSDB e do PFL propondo novos blocos no Congresso”, disse Temer a ISTOÉ. Na cúpula do PMDB, ninguém entende como Lula, o coordenador político José Dirceu e o porta-voz do presidente eleito podem ser desautorizados por misteriosas “resistências internas”, o que obrigará o novo governo ao varejo miúdo da política para montar maiorias frágeis e desgastantes.

A aurora do governo da estrela vermelha no Congresso não é das mais promissoras. As divergências internas do PT acabaram metendo o chefe da Casa Civil e principal negociador político do novo governo, José Dirceu, numa tremenda embrulhada e comprometendo a maioria necessária que o PT buscava formar com o PMDB. Às vésperas do segundo turno, Dirceu sondou o presidente do PMDB, Michel Temer, para que o partido entrasse no governo formalmente. Encerrada a eleição, manteve os telefonemas e as reuniões públicas com a cúpula do PMDB e ainda ofereceu dois ministérios para selar a coalizão. A idéia inicial dos peemedebistas era dar um apoio congressual, sem participação em ministérios, tese defendida pela maioria dos governadores do partido.

Fraturas – “Se depender de mim, o acordo já está concluído”, disse Dirceu, ressaltando, entretanto, que a costura envolvia remanejamentos ministeriais de outros partidos e do próprio PT. Mesmo com o otimismo de Dirceu, o acordo ruiu na madrugada da sexta-feira 20, após uma longa conversa entre Lula e Dirceu. “Apesar dos esforços comuns, não foi possível chegar a um acordo”, lamentou Dirceu frisando que as conversas ainda não estão totalmente fechadas e terão continuidade após as festas de fim de ano. “Nada está encerrado”, ecoou o presidente do PT, José Genoino, que participou ativamente da negociação. A cúpula do PMDB ficou irritadíssima com o vai-e-vem do PT e responsabilizou Dirceu pelo fiasco. As costuras com o partido evidenciaram as fraturas existentes no PMDB e tudo indica que a guerra interna, a partir de agora, ficará ainda mais virulenta. De um lado, o grupo que controla a legenda; do outro, os aliados do ex-presidente José Sarney, que trabalha para derrubar a atual cúpula. O PT pretendia acomodar os dois grupos do PMDB para ter a maioria no Congresso.

Na primeira quinzena de fevereiro serão eleitos os presidentes da Câmara e do Senado, que têm o poder de decidir, entre outras coisas, a agenda de votações no plenário. Ter inimigos nestes dois postos-chaves é sinônimo de muita dor de cabeça para o ocupante do Planalto. Logo depois serão escolhidos os novos líderes do governo e dos partidos. Pela tradição, as presidências são reservadas aos partidos que tenham a maior bancada em cada uma das casas. No Senado, o PMDB, com 20 parlamentares; e, na Câmara, o PT, com 91 eleitos. O nome do petista para comandar os 513 deputados é do atual líder João Paulo (SP), da ala moderada do PT. João Paulo tinha uma eleição tranquila até a implosão das negociações com o PMDB. Agora tudo pode mudar.

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O PFL e o PSDB ensaiam a montagem de um bloco para fazer oposição a Lula e disputar a presidência da Câmara. João Paulo ficará nas mãos dos peemedebistas. “Esperamos que sejam rapidamente retomadas as conversações com o PMDB, para que o partido possa participar do governo”, diz, apreensivo, o atual líder petista. No Senado, a briga já era feia e pode ficar pior. Se engalfinham pela cadeira Renan Calheiros e José Sarney, ambos defensores do apoio ao governo Lula. Sarney, em minoria no PMDB, vem confidenciando a amigos que pretende disputar o cargo no plenário, caso não obtenha a indicação formal de seus colegas de legenda. Os petistas e outros senadores de esquerda votam no nome indicado pelo partido, desde que haja a contrapartida para João Paulo na Câmara. Por isso, Sarney precisa contar com os votos de um tradicional aliado, Antônio Carlos Magalhães, e sua turma.

Todas essas conversas revelam que os petistas terão de fazer malabarismos para conseguir votos no varejo e aprovar as reformas prometidas. Sem o apoio formal do PMDB, os aliados de Lula somam apenas 213 deputados, abaixo da maioria simples, que é de 256, e quase 100 votos a menos que o mínimo exigido para aprovar reformas constitucionais, 308. No Senado, o quadro é pior. De 81, o novo governo tem o apoio de apenas 30 senadores. “Sem o apoio do PMDB, só resta negociar no varejo e isso é muito desgastante”, diz o deputado Arnaldo Faria de Sá (PPB-SP). Antes de pisar no Palácio, o PT tentou alinhavar uma complexa aliança de sustentação congressual com o eixo hegemônico nos partidos de centro-esquerda. O balaio de apoios a Lula vai da esquerda, como o PCdoB, até o PL. No meio do percurso, amontoou também legendas híbridas de centro-direita, como o PTB. Para se alinhar ao PT, estes partidos exigiram privilégios como ministérios, estatais e autonomia no preenchimento de cargos de escalões inferiores.

É com essa fragilidade numérica que o PT pretende aprovar, logo no primeiro semestre, duas reformas complexas e impopulares, que Fernando Henrique não conseguiu tocar mesmo tendo um rolo compressor: a tributária e a previdenciária. O primeiro problema deve aparecer na questão das aposentadorias. Genoino não esconde que o PT vai mexer em pontos explosivos: “Vamos ter que discutir a contribuição de inativos”, adianta ele, sem antecipar se o PT insistirá na tese já derrubada no Congresso e na Justiça. Para reger um coro reduzido e com tons tão diversos, Lula escolheu o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) para liderar o governo no Senado. Para a Câmara, a opção veio de fora do PT, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Acima deles será formado um conselho político com todos os líderes da base aliada para discutir o dia-a-dia do Congresso. Mas não vai ser fácil.

Lula passou 13 anos tentando chegar ao Planalto com um discurso reformista. Durante suas andanças, criticou com veemência as arcaicas estruturas partidárias do Brasil, enraizadas no Congresso e no comando dos partidos. Chegou a cunhar a célebre frase pela qual o Congresso teria “300 picaretas”. Agora, está sentindo na pele que o futuro pode reeditar o passado, e que o êxito de sua gestão está condicionado a uma relação de quase cumplicidade com deputados e senadores, que chancelem ou não as medidas assinadas pelo governo.

PT vai ter muito trabalho para administrar a ciumeira por causa da montagem do Ministério e as fraturas internas de partidos da base aliada, mas também irá enfrentar uma oposição dividida no PSDB e PFL, onde reina uma brigalhada pelo controle das legendas.

PFL – O presidente Jorge Bornhausen comandou o partido em dois fracassos presidenciais – Roseana Sarney e Ciro Gomes – e perdeu a eleição em Santa Catarina. Alertado sobre uma conspiração comandada por ACM, pode tomar a iniciativa de deixar o manche da legenda. “Ele quer renovação. Não vai se candidatar”, diz o amigo e senador Geraldo Althoff (SC). O sucessor deve ser o senador Marco Maciel. A liderança do partido no Senado deverá permanecer com o potiguar José Agripino Maia, e na Câmara vai haver uma disputa acirrada entre Inocêncio Oliveira (PE) e o carlista José Carlos Aleluia.

PSDB – O futuro dos tucanos ainda é uma incógnita. Disputam o controle do partido a ala ligada ao candidato derrotado José Serra e os governadores capitaneados por Aécio Neves. Na liderança da Câmara haverá uma batalha entre o atual líder serrista, Jutahy Magalhães (BA), e o goiano Jovair Arantes, ligado ao governador Marconi Perillo e a Aécio Neves. No Senado a briga se repete, só que entre os senadores Romero Jucá (RR) e o ex-ministro Arthur Virgílio (AM).

PMDB – Há uma guerra aberta entre José Sarney e a cúpula do partido, formada pela trinca Michel Temer (SP), Renan Calheiros (AL) e Geddel Vieira Lima (BA). Geddel deve ser substituído na liderança da Câmara por Eunício Oliveira, que apoiou o PT no Ceará. No Senado, caso Renan chegue à presidência da Casa, a liderança será disputada entre os senadores Ney Suassuna (PB), Ramez Tebet (MS), Amir Lando (RO) e Pedro Simon (RS).

PT – Entregue a presidência do partido para José Genoino, os petistas procuram nomes para compensar a ala mais à esquerda do partido. O líder do Senado ainda depende da escolha do líder do governo no Congresso. Na Câmara, os nomes mais fortes para assumir a liderança do partido são os de Nelson Pellegrino (BA) e Henrique Fontana (RS).


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