Depois de segurar o tchan, descer na boquinha da garrafa e aprender a dançar funk com cachorras e tigrões, quem quiser acompanhar as baladas de verão terá de se adaptar a sons e termos para lá de esquisitos. Saem as musas oxigenadas do axé e do pagode e entram pickups, scratches, samplers e chill outs. Não entendeu? Calma. Nesta temporada, a praia está sendo invadida por uma nova turma e, até o final de fevereiro, há tempo de sobra para se acostumar com ela. Alavancada por investimentos pesados de grandes empresas como Bavaria, Skol e BCP, e até iniciativas oficiais como a da Prefeitura do Rio de Janeiro, a música eletrônica passou a agitar as areias da praia, inclusive durante o dia. Nos espetáculos de réveillon promovidos na orla carioca, artistas como Zélia Duncan e Gabriel, o Pensador se apresentaram com os maiores DJs brasileiros. “Era um mar de cabeças”, exulta Ramilson Maia, que dividiu o comando das pickups com Tahira até as 5 da manhã em um dos palcos de Copacabana. Um dos precursores na mistura de samba-rock e bossa nova com drum’n’bass, o DJ de 32 anos calcula que 20 mil pessoas permaneceram no local muito tempo depois da virada. “Se deixassem, a galera tinha dançado até as 11h. É o som do verão”, profetiza.

É por acreditar nessa tendência que grandes cervejarias decidiram investir com força no gênero, trazendo para o Brasil as sunset parties, festas ao pôr-do-sol com som de chill out. Até março, os festivais eletrônicos Skol Spirits e Bavaria Vibe prometem chacoalhar o litoral de Pernambuco, São Paulo, Rio e Santa Catarina. Numa espécie de rave ao contrário, os melhores DJs do Brasil e do mundo assumem as pickups às 14h e só terminam quando a noite cai. Tudo no meio de guarda-sóis e esteiras. Entre as feras estão o inglês Carl Cox, o maior nome em tecno do mundo, e o espanhol Bruno Leprete, residente do lendário Café del Mar, em Ibiza, onde nasceram as sunset parties. Escalado para abrir um show de Daniela Mercury no dia 1º, em Salvador, Bruno acredita que as sunsets têm tudo a ver com o Brasil. “Vocês têm lindas praias e excelentes DJs. A união é perfeita”, aposta o espanhol. No palco montado em frente ao Farol da Barra, Bruno dividiu a mixagem com outro expoente do drum’n’bass suingado, Xerxes de Oliveira, que explica o segredo do sucesso na areia: “Fazemos adaptações com samplers mais melódicos.”

Há um ano, Daniela Mercury foi vaiada ao testar um repertório tecno em seu trio elétrico. Desta vez, a recepção foi calorosa. Antes e depois do show da cantora, foram os disc-jóqueis que entretiveram a massa. “Dizem que o baiano resiste a absorver outras culturas. Isso é mentira. O que importa é a música ser boa”, comenta Daniela. Cada vez mais envolvida com a parafernália eletrônica, ela mostra que é possível fazer música brasileira com samplers e scratchs sem descaracterizar estilos. Apesar de fugir de raves e boates embaladas por bate-estaca, Daniela vibra com a migração do gênero para a cena diurna. “Como não curto lugares fechados, acho ótimo poder dançar na praia”, brada.

É por essas e outras que a antiga cerveja dos amigos trocou o velho slogan pelo apropriado “cerveja boa de festa”. Um estudo qualitativo realizado em março de 2001 pela empresa mostrou a força do segmento em várias cidades. Em Campinas, onde moram Chitãozinho e Xororó, foram entrevistados 150 jovens de 18 a 35 anos. “Deles, 87% disseram que sertanejo já não faz parte do cotidiano e 60% sentem falta de um ritmo mais moderno agitando a balada”, explica Agatha Aréas, gerente de promoções e eventos da Bavaria.

Enquanto isso, a Skol, criadora do primeiro grande festival do gênero no País em 2000, mantém-se firme na dianteira. Este ano, criou o Skol Spirits, festival de música eletrônica que trará, até o final de fevereiro, DJs nacionais e estrangeiros para se apresentar durante o dia em Maresias (SP), Porto de Galinhas (PE) e Florianópolis (SC). Às sextas-feiras, sábados e domingos, o som começa a rolar por volta das 14h. Em Florianópolis, por exemplo, a felizarda foi a comunidade de surfistas e simpatizantes que lota a Praia Mole. Tiveram de deixar as ondas de lado para assistir à impagável apresentação do DJ Dolores no primeiro final de semana do ano. O som, calcado em citações de mangue beat e maracatu, cai como um chapéu no cenário ensolarado. “O que faço é música popular brasileira, só que com equipamento eletrônico”, resume o DJ.

Há dez anos na cena noturna de Recife, Dolores nunca havia tocado na praia. Apanhou do vento, que insistia em encher seus discos de areia, mas adorou a liberdade para abusar dos LPs de MPB. “A praia permite explorar ainda mais os ritmos brasileiros. Isso traz a música eletrônica para o grande público e ajuda a derrubar o estigma de que ela só pode ser consumida por clubber e usuário de ecstasy”, acredita. A presença de Dolores em Florianópolis mobilizou o estudante de publicidade Eduardo Kricheldorf, 20 anos, morador de Curitiba, que não hesitou em cruzar 300 quilômetros só para checar o som de seu ídolo. “Voltarei todos os finais de semana”, garante Eduardo, que também sonha ser DJ. Na Barraca da Mole, onde o circo foi armado, havia até uma rede de futevôlei. Tudo sob regência eletrônica.

Na guerra das cervejas, as armas não são apenas os DJs, mas toda a estrutura montada para o evento. Em Maresias, dezenas de famílias se dividem entre sessões de massagem e aulas de hidroginástica oferecidas pelas academias de São Paulo. A versão mais fiel do club de Ibiza foi batizada de Sirena Al Mare. Ali, a música eletrônica passa ao largo do barulhento bate-estaca. Para se ter uma idéia da leveza do eletrônico, a música é tão suave que pode servir de fundo para uma massagem relaxante.

Já tradicionais nas praias do Rio, quiosques especializados em oferecer sessões de shiatsu e do-in se espalham por outras cidades do País. Em Maresias, a sonzera não atrapalha a atividade dos massagistas do Espaço Zen e do spa Ego. A cantora Roberta Costanzi, 21 anos, que o diga. Está no balneário desde dezembro e pelo menos três vezes por semana se entrega a uma massagem express de 15 minutos. “Virou mania. Acordo, vou à praia e, antes de me entregar ao som da sunset, faço uma sessão rápida”, conta.

O preço da massagem varia de R$ 15 a R$ 70, dependendo do tempo da sessão. A artista plástica Inês Kalafi, 65 anos, adepta das sessões de shiatsu do calçadão da praia do Arpoador, no Rio, garante que vale a pena. “Não tomo remédios e controlo as dores lombares”, conta. No spa Ego, em Maresias, o serviço completo inclui banhos e produtos especiais. E o cliente ainda sai da praia carregando um kit de canga e sandálias para usar no agito do dia seguinte. Se o novo modelito não cair bem, basta uma caminhada de 300 metros até a academia de verão montada na areia. Mas nem é preciso tanto. Com a balada eletrônica sob o sol, dificilmente os quilinhos a mais sobreviverão.

Drum’ n’ braz, o bate-estaca com suingue

Para entender o drum’n’bass, o mais popular subgênero da música eletrônica, basta começar pela etimologia. Trata-se de um entrelaçamento alucinado de bateria (drum) e baixo (bass). Ora, mas isto não é o que se chama de “cozinha” na música pop? Sim, mas a mistura tem lá seus segredos. Em primeiro lugar, o tum/tum/tum dos bumbos se repete a 170 bpm (batidas por minuto), velocidade capaz de enlouquecer qualquer amante das pistas. É uma batida quebrada (breakbeat), esquizofrênica, que faz os clubbers parecerem robôs tresloucados. Dança melhor quem mexe as cadeiras se ligando na linha de baixo, que tira seu balanço da música negra, especialmente do funk, do soul e do jazz.

O gênero surgiu na Inglaterra entre os jamaicanos, na década passada. Evoluiu do jungle, espécie de reggae mais pesado e sincopado, que influenciou de David Bowie à dupla Everything But the Girl. No Brasil, a cena d’n’b se desenhou primeiro em São Paulo, por volta de 1994, através das noites de jungle nas casas noturnas da zona leste da cidade, onde o DJ Marky – um dos grandes nomes da modalidade no mundo, com noite fixa em clubes londrinos e CDs lançados na Inglaterra – começou a se exercitar nos toca-discos. Além de Marky, que vendeu 26 mil CDs de Audio architecture, outros colegas e projetos musicais se destacam. Lideram a lista o DJ Patife – cujo CD Cool steps atingiu a marca de 18 mil unidades vendidas – e os produtores Xerxes de Oliveira, Ramilson Maia e o duo Drumagick. Em vez de macaquear os gringos, os brasileiros misturaram à batida eletrônica elementos de samba, bossa nova e requebros latinos, o que explica a empatia alcançada entre a rapaziada. Tão brasileiro que foi batizado de drum’n’braz. “O ritmo ganhou mais suingue e tempero”, explica Guilherme Lopes, do Drumagick. A turma tem até sua Nara Leão, a cantora e produtora Fernanda Porto, autora e dona da voz afinada da chacoalhante Samba sim, remixada por Patife, hit de lounges e festas modernas.
 

Jogo colorido

Entre os agitos do verão no Rio, pode-se dizer que o Gaymado é o mais alegre. E, este ano, a versão gay do jogo infantil conhecido como queimado ou queimada ganha em competitividade. A capital carioca vai sediar o 1º Torneio Nacional de Gaymado. A data não está definida, mas, se depender do ativista Rodrigo Cordovil, os jogos serão no Carnaval. A nova “modalidade” esportiva nasceu de brincadeira, há dois anos. Cordovil, o Didigo, estava jogando vôlei na praia quando foi expulso por ser homossexual. “Decidi me vingar. Juntei uns amigos gays e começamos a jogar queimado. Para chamar a atenção, abusávamos dos trejeitos afeminados”, conta. A tática deu certo. Desde então, o time de Ipanema só cresce. “Não somos sectários e aceitamos heterossexuais”, brinca Didigo. A única exigência é que a pessoa seja divertida. “A praia é um espaço democrático, não queremos expulsar ninguém como fizeram comigo.” Para participar do torneio, Didigo está arregimentando adeptos do gaymado em várias capitais do País. “Sonho incluir o evento no calendário do verão carioca”, admite o capitão do time.

Domingão no piscinão

Sol escaldante, morenas esculturais em biquínis sumários e muitos rapazes tatuados. Cenário típico do verão carioca. Com os termômetros em quase 40 graus à sombra, no primeiro domingo do ano cerca de 30 mil pessoas se encontraram numa praia especial. Na verdade, não chega a ser exatamente uma praia, apesar da água salgada e da areia. É o piscinão de Ramos, o mais falado point do verão do Rio, que pela primeira vez fica fora da zona sul e da Barra da Tijuca. Em um mês, o piscinão se tornou a pérola da pobre e tumultuada avenida Brasil, a 30 quilômetros de Copacabana.

Desde que foi inaugurado, em dezembro, esse lago artificial cavado entre a avenida e a praia de Ramos não lembra em nada o tempo em que essa faixa de areia era o paraíso de urubus, com muito lixo e mal cheiro. “Agora aqui é mais limpo que a praia de Copacabana”, propagandeia o secretário estadual de Meio Ambiente, André Corrêa, exibindo sua sunga azul da Gelly-Fish – uma das grifes criadas em Ramos na rasteira do piscinão. O milagre das águas limpas acontece nas estações de tratamento por onde passa a água da baía.

O piscinão virou um evento e se revelou uma jogada de primeira linha do marketing do governador Anthony Garotinho. O ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, também já esteve lá ostentando a barriga em mergulhos autopromocionais. Frequentada por moradores de Ramos e redondezas, naturalmente o piscinão não está imune às mazelas da periferia do Rio e já nasceu servindo de cenário para a guerra entre o Comando Vermelho e o Terceiro Comando, as duas maiores facções do tráfico carioca. Os tiroteios, no entanto, não impedem o lazer do povão. Famílias numerosas desembarcam no local com seu farnel debaixo do braço. Crianças pulam, gritam, correm e até se afogam e a azaração corre solta na areia. À esquerda do posto de salvamento ficam os casados; à direita, os solteiros. “Não troco isso aqui por Copacabana de jeito nenhum”, diz a bela morena Jaqueline Almeida, modelo e atriz, que deixava marmanjos boquiabertos cada vez que levantava para mergulhar. Ponto para o piscinão.