Lendo as páginas policiais, Woody Allen se deparou com a notícia de um assalto a banco em que os bandidos usaram a loja ao lado para cavar um túnel até o cofre recheado. Existe golpe mais batido? Se a realidade anda virando clichê cinematográfico, melhor então apelar para o absurdo ficcional. Foi o que Allen fez na comédia Trapaceiros (Small time crooks, Estados Unidos, 2000), em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo, transformando os assaltantes em donos de uma doçaria usada como acesso à agência bancária. Só que o negócio de fachada vai tão bem que eles resolvem aposentar a carreira de ladrões fracassados.

Allen sempre apela para este tipo de trapalhada quando se sente repetitivo interpretando noivos neuróticos e maridos culpados. Desta vez, ele encarna o simplório Ray, lavador de pratos e ex-presidiário que reúne os amigos para cavar o túnel até o tal banco. No andar de cima do endereço suspeito, sua mulher Frenchy (Tracey Ullman), manicure e ex-stripper, faz sucesso com uma receita de cookies que aprendeu com a mãe. Assando os biscoitos, ela ganha tanto dinheiro que vira uma espécie de Vera Loyola de Manhattan.

Até a ação se transferir para o rico Upper East Side nova-iorquino, Trapaceiros é uma comédia rasgada, o que o diretor não fazia desde o extraordinário Tiros na Broadway, de 1994. Mas a fita logo perde o pique ao desaparecer com os ótimos amigos de Ray e centrar a cena no caso entre Frenchy e David (Hugh Grant), um inescrupuloso marchand que ela contrata para transformá-la numa perua culta. Woody Allen usa o artifício para gozar a pretensão erudita de certos grupos e dos americanos que confundem o escritor Henry James com o músico Harry James, caso da sempre meiga Frenchy. Mas com piadas previsíveis ele termina o filme provocando nada mais que risos amarelos.