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Os familiares dos 59 brasileiros que morreram no voo AF 447 em 31 de maio 2009 estão divididos entre a dor e a desconfiança, dois anos após a tragédia que vitimou 228 pessoas no Oceano Atlântico. Enquanto uns preferem não acompanhar o resgate dos corpos e as análises das caixas-pretas, outros estão céticos quanto às investigações sobre o que levou o Airbus A330 a cair no mar. Em comum, os sentimentos de que os sonhos das vítimas devem ser levados adiante e que é importante esclarecer tudo para encerrar a história.

"Durante a vida toda se perdem parentes, mas não desse jeito. Dizem que há mais possibilidade de morrer no caminho do aeroporto para o voo, mas um acidente aéreo é questão de frações de segundos. O que eles sofreram durante a queda? Às vezes, fico pensando nisso", indagou o empresário Dirk Peter, 50 anos, irmão de Matthias Peter.

"Lembro que deixei os dois no aeroporto do Galeão e o Dudu estava com um óculos de sol pendurado na gola da camisa, feliz, fazendo brincadeiras. Depois de um tempo, foi encontrada a mochila dele no mar com os óculos dentro. Incrível, parecia que ele tinha recém chegado de viagem quando nos entregaram a mochila. Ela ficou boiando no mar por uma semana e tudo estava intacto dentro… Não entendo porque acontece isso", lamentou a nutricionista Sylvie Lopes de Mello, 37 anos, que perdeu o irmão Carlos Eduardo Lopes de Mello e a cunhada Bianca Pires Cotta.

A relações públicas Renata Mondelo, 40 anos, optou por transformar a dor da morte do marido, Marco Antonio Camargos Mendonça, em uma história sobre valores éticos, caráter e amor para o seu filho. "Eu guardei fotos, memórias e reportagens e fiz um livro de historinhas para que no futuro nosso filho possa entender como o pai dele era admirado pelos seus valores e princípios éticos e morais. Fiz um livro sobre a nossa história de amor, desde o dia em que começamos a namorar até 31 de maio de 2009, quando ele me deu um cartão. Felizmente eu e meu filho somos muito amigos, e quando viajamos de avião e estamos nas nuvens, ele fala ‘papai está ali’", disse ela.

Sonhos e projetos interrompidos

A tragédia com o voo AF 447 interrompeu sonhos, perspectivas profissionais e projetos de famílias inteiras. Os parentes que ficaram, porém, buscam força para continuar vivendo e se apóiam em exemplos positivos para preservarem boas recordações. "Lamento muito também porque ele estava feliz com a entrevista que faria para tentar ingressar no Tribunal Internacional de Haia. Veio para o Brasil apenas pegar um documento que faltava, ficar um pouco conosco e ir para a Holanda. Era um homem de paz, que viajava pelo mundo em missões da ONU, e ele nos deixa a paz", afirmou o estudante de Direito Sylvain Owondo, 30 anos, sobre o pai, Joseph Owondo.

O sonho de Adriana Moreira Henriques de conhecer o mundo não foi possível. Mesmo assim, a irmã Daniela Moreira Henriques, 30 anos, luta consigo mesma para guardar o seu sorriso e espera que novas tragédias aéreas sejam evitadas. "Em sua homenagem, a única coisa que tento fazer no meu dia a dia é lembrar o sorriso dela, as gargalhadas. Tenho muito medo de que isso se apague da minha memória. Às vezes as coisas acontecem e eu fico doida para contar pra ela, mas de repente me lembro que não posso. É uma sensação muito ruim, estranha".

Premonição inconsciente

O diretor executivo da Associação dos Familiares das Vítimas do Voo 447 (AFVV 447), Maarten van Sluys, é uma das pessoas mais envolvidas com as investigações sobre as causas do acidente e o resgate dos corpos. É a forma que ele encontrou para não deixar a dor tomar conta. Maarten conta que minutos antes de embarcar no Galeão, sua irmã Adriana Francisca Van Sluys mandou um e-mail premonitório intitulado ‘S.O.C.O.R.R.O’, em que se dizia preocupada com a viagem.

"Esta viagem duraria 30 horas (ela nunca teria ido tão longe antes, embora viajasse muito), e para isso a Adriana se preparou comprando meias compressivas e adotando medidas para minimizar o jet lag. Mas como em todos os casos, acredito numa certa premonição inconsciente. Hoje eu vejo que ser feliz é um estado ocasional", concluiu.

O acidente do AF 447

O voo AF 447 da Air France saiu do Rio de Janeiro com 228 pessoas a bordo no dia 31 de maio de 2009, às 19h (horário de Brasília), e deveria chegar ao aeroporto Roissy – Charles de Gaulle de Paris no dia 1º às 11h10 locais (6h10 de Brasília). Às 22h33 (horário de Brasília) o voo fez o último contato via rádio. A Air France informou que o Airbus entrou em uma zona de tempestade às 2h GMT (23h de Brasília) e enviou uma mensagem automática de falha no circuito elétrico às 2h14 GMT (23h14 de Brasília). Depois disso, não houve mais qualquer tipo de contato e o avião desapareceu em meio ao oceano.

Os primeiros fragmentos dos destroços foram encontrados cerca de uma semana depois pelas equipes de busca do País. Naquela ocasião, foram resgatados apenas 50 corpos, sendo 20 deles de brasileiros. As caixas-pretas da aeronave só foram achadas em maio de 2011, em uma nova fase de buscas coordenada pelo Escritório de Investigações e Análises (BEA) da França, que localizou a 3,9 mil m no fundo do mar a maior parte da fuselagem do Airbus e mais 75 corpos de passageiros.

Após o acidente, dados preliminares das investigações indicaram um congelamento das sondas Pitot, responsáveis pela medição da velocidade da aeronave, como principal hipótese para a causa do acidente. No final de maio de 2011, um relatório do BEA confirmou que os pilotos tiveram de lidar com indicações de velocidades incoerentes no painel da aeronave. Especialistas acreditam que a pane pode ter sido mal interpretada pelo sistema do Airbus e pela tripulação. O avião despencou a uma velocidade de 200 km/h, em uma queda que durou três minutos e meio. Em julho de 2009, a fabricante anunciou que recomendou às companhias aéreas que trocassem pelo menos dois dos três sensores – até então feitos pela francesa Thales – por equipamentos fabricados pela americana Goodrich. Na época da troca, a Thales não quis se manifestar.