Parece fantasia planejar o aniversário de 100 anos. Se hoje a idéia soa otimista, ela será encarada com mais naturalidade no futuro. As estatísticas mostram que a expectativa de vida aumenta em todo o mundo. Em 2010, estima-se que haverá nos Estados Unidos seis milhões de octogenários, com chances de se tornarem centenários. Por aqui, os novos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam que o País envelhece. O Censo 2000, divulgado em dezembro, informa que nossa expectativa de vida cresceu 2,6 anos. Agora é de 68,6 anos. E o IBGE revela que, dentre os 170 milhões de brasileiros, há 24.576 pessoas com idade superior a um século – em 1991, eram cerca de 13 mil. Essa fatia pode ser maior nas próximas décadas. Para o médico Mário Antonio Sayeg, coordenador do Núcleo de Estudos em Saúde do Idoso da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio, o Brasil terá em 2020 três milhões de pessoas na faixa de 80 anos (em 2000, havia 1,8 milhão de octogenários). Mas não basta – e ninguém quer – apenas ultrapassar os 80 anos e viver mal. O que se quer é viver mais e melhor. Para isso, pode-se começar a adotar desde já algumas atitudes básicas. “Não se expor a fatores de risco, como o fumo, ter atividade física e cuidar da mente são ações desejáveis para quem quer chegar lá”, diz Sayeg.

Mas um conceito diferente começa a ganhar força entre os especialistas quando o assunto é a preparação para uma velhice tranquila: a funcionalidade do corpo. É trabalhar para que o físico funcione como deveria, mesmo com o passar dos anos. O objetivo é conseguir que a pessoa esteja apta para continuar cumprindo atividades cotidianas, como pegar objetos no chão. “Para entendê-lo, podem-se avaliar Pelé e Maradona. Eles começaram cedo no futebol, se destacaram como atletas e pararam de jogar. Mas Pelé tem uma saúde funcional de 40 anos e Maradona, de 80”, compara João Toniolo Neto, geriatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Essa nova abordagem está relacionada à mais recente ênfase da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o assunto. A entidade defende o chamado envelhecimento ativo. Em outras palavras, significa entrar na terceira idade (a partir dos 65 anos) com autonomia física, mental e social, que se traduz por relacionamento sadio com a família e com o mundo.

Nessa etapa da vida, para garantir um controle mínimo das ações, é fundamental que corpo e mente estejam em ordem. Essa meta pode ser alcançada com medidas que devem ser adotadas desde a infância. “Geralmente, as pessoas só se preocupam com a velhice quando já estão velhas. É um erro”, alerta a geriatra Andréa Prates, coordenadora do Centro Internacional de Informação para o Envelhecimento Saudável, em São Paulo. O gerontologista (estudioso do tema) Artur Zular, de São Paulo, reforça. “Ninguém envelhece diferentemente do que viveu. As pessoas são uma continuação daquilo que foram a vida inteira.” Felizmente, a medicina evolui e nos ajuda a lidar melhor com as consequências do tempo. A geriatria deixou de ser uma especialidade médica preocupada apenas em tratar a terceira idade. “Ela está voltada também a quem quer chegar bem a essa fase. Por isso, uma de minhas orientações a quem tem 40 anos é consultar um geriatra”, diz Toniolo. Acompanhe outras recomendações, elaboradas por diversos especialistas ouvidos por ISTOÉ e separadas por tópicos que funcionam como pilares do bom envelhecimento.

Olho vivo

A primeira receita para ter vida longa é nascer com predisposição genética para a longevidade. Ou seja, algumas pessoas têm capacidade inata para atingir 120 anos, o limite biológico do homem. Fatores ambientais, sociais e culturais determinarão a qualidade do envelhecimento. “Tudo o que é feito desde a gestação terá consequência na idade avançada”, explica a médica Andréa Prates. Por isso, a OMS prega que as ações em busca do envelhecimento ativo começam na barriga da mãe. Nessa fase, a gestante deve fazer pré-natal, balancear a dieta e evitar o cigarro, por exemplo. Para que o filho viva bastante, a amamentação por no mínimo quatro meses é sagrada. Além da alimentação e da atividade física compatíveis com o crescimento da criança e do adolescente, os pais não podem esquecer também da vacinação. Por volta dos 20 anos, o corpo está formado e vive seu auge. A partir daí, começa um processo de declínio. Seu ritmo dependerá da exposição a fatores de risco e da atenção a medidas preventivas, como checagem do colesterol (aprenda outras no quadro à pág. 38).

As enfermidades cardiovasculares merecem cuidado especial. Elas são uma das maiores causas de morte no mundo. E para manter a saúde do coração é preciso seguir um estilo de vida saudável, com espaço para o lazer e o descanso da alma. Controlar a diabete é outra orientação para acrescentar alguns anos ao relógio natural. “Observe se há tendência familiar para a doença. Depois dos 45 anos, atente para sintomas como aumento do volume de urina”, ensina Andréa. A transformação de hábitos não se faz de uma hora para outra. Por isso, o paciente não deve sentir culpa se não conseguiu alterar a rotina rapidamente. Mudanças feitas aos poucos têm mais chances de sucesso.
 

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Mesa completa

Muitos dos problemas que tentamos resolver na velhice deveriam receber atenção bem antes. O mais correto seria na infância. É o que concluiu a nutricionista Maria de Fátima Marucci, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, após anos de trabalhos com idosos. “Vi a necessidade de estender o acompanhamento para adultos. As pessoas não sabem o que é necessário comer, quanto e como substituir nutrientes”, observa. Ela afirma que muita gente não quer abrir mão de prazeres (como gordura e doce), preferindo viver menos a ser comedido à mesa. “A questão não é essa. Não cuidar da alimentação significa mais do que viver menos. Significa viver pior”, alerta. A boa notícia é que os jovens de hoje estão entendendo isso. “Os idosos do futuro serão diferentes porque terão absorvido os valores da nutrição há mais tempo”, julga.

Para Maria Luiza Ctenas, nutricionista da consultoria C2, de São Paulo, não adianta falar em medidas ideais. “Temos de falar do que cabe na vida das pessoas. E existem pequenas atitudes que ajudam a melhorar”, diz. Ela aconselha que se faça uma avaliação dos hábitos alimentares da família, assim como o histórico de doenças. Isso pode orientar cuidados básicos de prevenção. Uma família com casos de doenças cardíacas, por exemplo, não pode abusar de cardápios gordurosos e se expor a uma elevação do colesterol, um dos perigos para o coração.

Um das orientações dos especialistas é dar preferência aos chamados alimentos funcionais. Eles são aqueles com princípios ativos capazes de reforçar as defesas do corpo contra males como o câncer e ajudam até mesmo a combater os agentes responsáveis pelo envelhecimento. Recomenda-se ainda que a dieta tenha poucas calorias e gorduras e seja composta por carboidratos (cereais, por exemplo), proteínas (carnes e ovos) e vegetais. Desse modo, o organismo se torna menos vulnerável a doenças. Segundo a nutricionista Anita Sachs, da Unifesp, é o que basta para suprir as necessidades vitamínicas. “Os suplementos não devem ser usados como preventivos de doenças. São remédios e servem para quem tem alguma deficiência, como anemia”, sustenta.

Exercícios na dose certa

Fazer exercícios com regularidade é um meio de contribuir para a prevenção de doenças. Por essa razão, a atividade física é fundamental para quem quer viver muito e bem. E, quanto antes iniciá-la, melhor. “Se o exercício for um hábito desde a infância, fica mais fácil fazê-lo sempre”, assegura Luciano D’Elia, consultor de fitness de São Paulo. As crianças que são ativas e brincam de correr, por exemplo, não precisam malhar. Mas as sedentárias, que não desgrudam da tevê, precisam de uma atividade específica. Exercícios dirigidos, como os praticados em academias, podem ser dados a partir dos 13 anos. Estudo apresentado na semana passada pela Universidade Colúmbia Britânica, no Canadá, revelou que entre os dez e os 15 anos, as crianças constroem um quarto da massa óssea total. Os cientistas sugerem que estimular o fortalecimento dos ossos nesse período com atividades regulares diminui o risco de osteoporose (enfraquecimento da massa óssea), um perigo sério na terceira idade.

Mesmo quem não teve uma rotina de exercícios na infância e na juventude ainda pode correr contra o tempo. D’Elia afirma que duas a três sessões de meia hora de alguma atividade física durante a semana fazem uma diferença incrível para a saúde. “Mas ser ativo não demanda nem isso. Trocar o elevador pela escada já ajuda”, diz. D’Elia é um dos precursores no Brasil do treinamento funcional, um conceito de fitness que valoriza a capacidade do corpo de cumprir atividades corriqueiras sem sacrifício ou dor, vitória importante quando se está velho. A dona-de-casa, por exemplo, aprende a arrastar os móveis de uma forma correta, sem lesar o corpo. “Esse conceito mostra como transformar uma tarefa em um exercício. Ou como fazer um exercício tendo em vista uma tarefa”, explica.
 

A mesma atenção que se dá ao corpo deve ser dada à mente. Entre as orientações da geriatra Andréa Prates está a de sempre manter a mente ativa. “É uma forma de ajudar a afastar o perigo do mal de Alzheimer, doença caracterizada pela perda cognitiva acentuada”, diz. Ler jornais e fazer palavras cruzadas são medidas simples que funcionam como uma ginástica mental.

As emoções também merecem atenção. No processo de envelhecimento, fatores como depressão, stress e ansiedade encurtam a longevidade. Essas situações comprometem a qualidade de vida, implicando riscos à saúde. Para combatê-las, é fundamental valorizar os sentimentos positivos. A tarefa não é tão difícil assim. Estudo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, feito com apoio da Unifesp, mostrou que 57% dos idosos com mais de 80 anos moradores de Veranópolis – cidade conhecida pelo grande número de habitantes longevos – vivem a velhice com otimismo. As principais causas da satisfação foram a possibilidade de continuar realizando atividades domésticas e o bom relacionamento com a família. “Cada um tem sua receita de bem-estar. Mas uma solução é seguir criando. Pode ser o cultivo de uma parreira. O que vale é a sensação de realização”, comenta o autor da pesquisa, o psiquiatra Flávio Xavier, da PUC/RS.

O gerontologista Artur Zular corrobora o argumento. “Uma das coisas mais importantes para ter a cabeça ativa é manter os vínculos pessoais e sociais”, diz. O idoso deve ter um projeto. Pode ser um trabalho formal ou uma atividade voluntária. “Ele tem de dar continuidade à vida participativa”, afirma o psicólogo José Carlos Ferrigno, do programa da terceira idade do Sesc de São Paulo. Por isso, enquanto a velhice não chega, é importante elaborar planos para essa fase. E prestar atenção nos velhinhos que nos cercam. Eles têm voz, desejos e necessidades. Principalmente no aspecto social. Atualmente, quem já passou dos 65 anos tem um papel limitado na sociedade. “Sou otimista quanto ao aumento dessa participação. Mas sou pessimista em relação ao futuro econômico deles. A previdência não dará conta de sustentar os inativos, que aumentarão cada vez mais”, avalia Ferrigno. Só o tempo dirá se as pessoas de cabelos brancos receberão o respeito que merecem.

A prática do sexo, de modo saudável e com segurança, promove dois benefícios em qualquer idade: emocional e orgânico. O primeiro é notório. A satisfação sexual está associada a uma boa auto-estima, entre outros aspectos. Do ponto de vista fisiológico, ela também contribui para uma vida futura mais saudável. O ginecologista Nelson Vitielo, integrante da Sociedade Brasileira de Estudos da Sexualidade, explica que o relacionamento pressupõe algum tipo de atividade física. Por isso, ajuda a perder peso. Essa interferência sobre o metabolismo também se reflete na melhora do apetite e da digestão. Além disso, o sexo favorece a circulação sanguínea, o que facilita a distribuição de hormônios e a oxigenação das células, entre outros benefícios. “Não há contra-indicações”, assegura.


Com o passar do tempo, porém, é comum ocorrer a ridicularização da sexualidade. “No caso do idoso, a sociedade costuma vê-la como safadeza”, observa Vitielo. Não deveria ser assim. O psicanalista Arnaldo Risman, professor de sexualidade na terceira idade na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), sabe disso. “A família é um grande obstáculo. Os filhos dizem para os pais que eles não têm mais idade para ‘isso’ e consideram ridículo um eventual namoro”, conta. Ele trabalha há oito anos na Uerj com velhinhos que querem melhorar a vida sexual. No início, o programa consistia apenas em aulas. Depois, transformou-se em encontros semanais enriquecidos com debates sobre temas como masturbação e camisinha. Há sessões de filmes com temática sexual, como Chuvas de verão (Cacá Diegues). Pornôs, só na casa de cada participante do grupo. Uma vez por semestre, a aula é substituída por uma visita a um sex shop. E os alunos fazem biodança para estimular a sensualidade. “Mexemos com a mente e o corpo. Tudo o que abordamos é voltado para a conscientização de que a energia sexual só morre quando o nosso corpo pára”, diz Risman. E as dicas valem para quem tem 40 ou 80 anos.

A estética é importante para quem sonha viver muito sem denunciar a idade. É compreensível. A aparência interfere na auto-estima e gostar de si é fator fundamental na conquista da longevidade. Mas seja para uma pessoa centenária, seja para um trintão, o cirurgião plástico Paulo Müller, do Rio, diz a mesma frase: “Para quem se estragou demais não existe mágica.” Mas é bom saber que a cirurgia plástica pode “consertar” quase tudo. As alternativas vão de miniliftings (pequenas intervenções para esticar a pele do rosto) a lipoaspiração. Para evitar intervenções mais drásticas é fundamental cuidar da pele desde cedo. “Nós podemos suavizar as marcas do tempo, mas a pessoa tem de fazer a parte dela”, assegura Müller.

Hoje existe um bom arsenal antienvelhecimento, como peelings (descamação da epiderme) e produtos preenchedores de sulcos. E as opções não param de crescer. Uma das novidades é uma fórmula que hidrata e regenera a pele, retardando o fotoenvelhecimento (provocado pela exposição aos raios solares). A solução, chamada de TNS Recovery Complex, foi criada pelo laboratório americano Advanced Tissue Sciences. É composta de colágeno (substância de sustentação da pele que diminui com a idade) e diversas proteínas. O dermatologista carioca Walter Guerra Peixe afirma que o complexo não descama ou irrita a pele, como os ácidos. É indicado para mulheres a partir dos 30 anos. Deve chegar ao Brasil ainda este ano. Também deve crescer a oferta de produtos de maquiagem com efeito duplo: embelezar e agir contra os sinais de envelhecimento.

Há outros meios que podem contribuir para a manutenção da beleza. “O que mais acelera o envelhecimento é o sol. O efeito acumulativo dos raios agride as células da pele. O ideal é começar o uso de protetores solares a partir de um ano”, orienta a dermatologista Jane Marcy, professora da Universidade Federal Fluminense. O fator de proteção mínimo é o 15. O correto é incorporar o hábito para toda a vida, e não apenas para as férias de verão. Além disso, segundo ela, a partir dos 20 anos, deve-se começar a usar cremes ao redor dos olhos, para evitar o surgimento de rugas e pés-de-galinha. Quem tem pele seca pode hidratar-se com cremes e loções após o banho. Para a pele normal, o hidratante deve ser leve. E a oleosa deve ser tratada com produtos específicos. Depois dos 40, porém, a perda hormonal própria dessa fase se reflete na pele, provocando um maior ressecamento. “Sobretudo as mulheres devem ficar atentas à hidratação. O indicado é a pessoa lavar o rosto quando chegar em casa com um sabonete de glicerina (para peles secas) ou adstringente (pele oleosa) e depois passar um bom hidratante”, recomenda Jane.

 


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