O referendo das armas foi, no final das contas, um desastrado e estrondoso tiro no pé. Nunca se falou tanto em revólveres, pistolas, fuzis como nos 20 dias de campanha gratuita pelo rádio e pela televisão. Gente que nunca tinha pensado em ter arma saiu atrás de uma. A corrida para estocar munição também foi frenética. Como se estivéssemos sendo ameaçados de invasão por marcianos. Ou pelos argentinos. O assunto ocupou generosos espaços na mídia para tentar decifrar os meandros da lei que rege a compra, o uso ou a posse de armas e munições e, com isso, auxiliar o cidadão em sua escolha. Como aconteceu aqui na ISTOÉ. Isso na melhor das hipóteses. Na pior, esse espaço foi usado para convencer, de maneira escandalosa, arrogante e autoritária, o cidadão a digitar determinada tecla na urna eletrônica. Como não aconteceu aqui na ISTOÉ. O referendo serviu também para armar e acirrar os ânimos da Nação, que acabou rachando ao meio, num lamentável todos contra todos: todos do não contra todos do sim. E vice-versa. Também, mais uma vez, fornecemos munição para o correspondente do The New York Times, o famoso Larry Rotten, que publicou reportagem na quinta-feira 20, na qual diz que “os brasileiros têm uma espantosa propensão a atirar uns contra os outros”. O Ministério do Turismo, em sua luta para aumentar a vinda de turistas para o Brasil, deve ter ficado bastante satisfeito com tal publicidade lá fora. Gastou-se no referendo mais do que se gasta em segurança. Sem falar na complicada elaboração do enunciado da questão. O não significava sim e o sim queria dizer não. Confuso, não? Confuso, sim, porque, se a pergunta formulada foi “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”, a resposta sim quer dizer não às armas. E a resposta não quer dizer sim às armas.

Nada disso teria acontecido se o eficiente Estatuto do Desarmamento, que entrou em vigor em 2004, não carregasse em seu corpo a exigência do referendo. O mesmo The New York Times disse que o Estatuto baixou em 8% as mortes por arma de fogo.

Nada contra os referendos ou plebiscitos. Por isso, propomos mais alguns. E, já que o assunto é violência, podemos começar com sim ou não para o aumento das verbas destinadas à segurança para que o Estado possa proteger melhor seus cidadãos. Outro pode ser sim ou não para o aumento das verbas destinadas à educação. Mais outro: sim ou não para diminuir as taxas de juros. Mais outro ainda: sim ou não para diminuir a carga tributária. Não temos nada contra a democracia direta. Ela é muito saudável. Mas há questões mais relevantes do que o sim ou o não à venda de armas e munições.