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REGISTRO
Caixa-preta automotiva vai guardar dados
que serão úteis em investigações
 

Os EUA devem abrir um precedente polêmico no próximo mês. O órgão governamental responsável pela segurança no trânsito pretende tornar obrigatória a instalação de um tipo de caixa-preta, semelhante à que existe em aviões, em todos os carros fabricados no país. O equipamento registra os acontecimentos ocorridos no automóvel segundos antes e depois de uma batida. Os dados poderiam ser acessados por companhias de seguro e fabricantes, além de poder ser usados em investigações criminais e processos judiciais.

Coincidência ou não, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) começa na segunda-feira 30 a instalar nos carros brasileiros chips que permitirão saber quantos veículos estão passando numa via e, teoricamente, tornar possível a definição de políticas de mobilidade. As informações coletadas são muito mais restritas e a tecnologia, a princípio, estaria longe de registrar dados como os equipamentos americanos.

Os argumentos são nobres, mas esbarram na privacidade dos motoristas, segundo alguns especialistas. “Há sérios problemas éticos em vender carros que coletam secretamente informações que os motoristas não sabem que estão sendo coletadas”, disse à ISTOÉ Dorothy Glancy, advogada e professora na universidade Santa Clara Law (EUA), especialista em privacidade e transporte. “Mesmo quando os donos dos veículos são informados da presença desse dispositivo, é pouco provável que entendam o que ele faz”, afirma.

Muitos americanos nem sequer foram informados da presença de um espião a bordo. Há pelo menos 20 anos essas caixas-pretas – conhecidas tecnicamente como EDR (gravador de dados de eventos, em tradução livre) – são instaladas em veículos de marcas como GM e Toyota. Elas são parte integrante do dispositivo que aciona o air bag, a bolsa de ar que protege os passageiros durante uma colisão.

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A diferença para os novos modelos de EDR a ser usados nos EUA é que eles deverão ser padronizados. Hoje, cada fabricante define que tipo de dado quer registrar. Até 2009, por exemplo, nem todos os EDRs presentes nos automóveis da Toyota registravam simultaneamente as informações de antes e depois da batida. No fim do ano passado, todos os modelos registravam ambos. As novas caixas-pretas deverão coletar 15 tipos de informação (leia gráfico).

Um caso ocorrido naquele país pode convencer aqueles que se opõem à ideia. Em agosto de 2002, duas adolescentes morreram quando o veículo em que estavam foi atingido por outro em uma área residencial. Os investigadores acessaram os dados do EDR e descobriram que o motorista dirigia a 180 km/h momentos antes do impacto. Ele acabou condenado por homicídio culposo (sem intenção de matar).

“Informações sobre a batida são essenciais para entender as causas do acidente, o movimento dos ocupantes do carro naquele momento e a performance do veículo durante e após o ocorrido”, disse à ISTOÉ Tom Kowalick, que preside um grupo de trabalho sobre o EDR no Institute of Electrical and Electronic Engineers, organização internacional dedicada ao avanço da engenharia elétrica, eletrônica e da computação. Segundo ele, o grau de benefícios à sociedade gerados por esses dispositivos está diretamente relacionado ao número de veículos operando com eles e à capacidade de recuperar e utilizar esses dados. Kowalick estima que 90 milhões de veículos utilizem EDRs nos EUA.

O pesquisador acredita que as caixas-pretas fazem parte da evolução natural dos automóveis. “Os carros passaram de máquinas mecânicas com controles mecânicos para veículos de alta tecnologia, com sistemas eletrônicos e sensores”, diz. “Eles geram, utilizam e analisam dados para melhorar performance, segurança, conforto e emissões de poluentes”, explica.

Para Patrícia Peck Pinheiro, advogada especialista em direito digital, desde que haja uma legislação para restringir o uso abusivo de um dispositivo do tipo, a prevenção de acidentes e outras vantagens justificam a obrigatoriedade. “Não há problema em armazenar esse tipo de dado. O que não pode acontecer é divulgá-lo sem autorização”, diz (leia quadro). “No caso de um vazamento do que foi gravado, a vítima pode conseguir uma indenização por dano moral”, explica. O espião, portanto, pode estar a seu favor. 

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