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NA CAPITAL
Resgate das vítimas no Lago Paranoá:
três mil barcos e poucos fiscais
 

Um grupo animado, uma festa em um barco e, como pano de fundo, a bela paisagem do Lago Paranoá, em Brasília. O que seria uma noite de pura diversão terminou em tragédia, com a morte de oito pessoas no domingo 22, após a embarcação afundar rapidamente, a menos de dois quilômetros do Palácio do Planalto. Superlotação, problemas de estrutura no barco e tripulação despreparada são alguns fatores que levaram ao naufrágio. O lago, aliás, é hoje o reflexo mais perfeito da vida em um território sem lei, onde filhos de empresários e poíticos fazem rachas com carros e jet skis e carteiradas são frequentes nas raras blitze. O quadro atual favorece a impunidade. Mesmo encravada no Planalto Central, a capital federal possui mais de três mil embarcações de esporte e recreio, entre lanchas, iates, veleiros e pequenos barcos de pesca. E, para controlar essa frota, que ganha 120 novas unidades por mês, a Delegacia Fluvial de Brasília dispõe de apenas quatro fiscais de plantão 24 horas. Nos fins de semana, há um reforço para suprir o aumento da demanda e o contingente chega a 12 homens e três lanchas.

Apesar do flagrante descompasso entre o número de fiscais e o de alvos a ser fiscalizados, o comandante Rogério Leite, titular da delegacia, diz que o contingente é suficiente. “Houve um crescimento de 88% no número de fiscalizações nos primeiros quatro meses em relação a 2010”, diz ele. As notificações aumentaram 59% e o número de barcos apreendidos subiu 350%. Embora afirme que está tudo sob controle e que a apreensão de barcos irregulares nunca foi tão alta, a verdade é que a fiscalização é precária. E Brasília não é exceção. O enredo de abusos e descasos se repete Brasil afora, basicamente por conta de uma fiscalização incapaz de atender ao crescimento exponencial das frotas privadas, como as de esporte e recreio. Só nos quatro primeiros meses do ano houve 54 acidentes registrados no País. Na semana passada, um oficial da Capitania dos Portos em Santos informou que apenas na Baixada Santista mais de 20 acidentes marítimos ocorrem somente no litoral sul de São Paulo nos finais de semana de verão. Segundo ele, metade dos casos não são sequer comunicados.

Na Amazônia são frequentes os acidentes
por superlotação. No Sudeste, a direção
perigosa de lanchas e jet skis faz vítimas

No Norte e Nordeste, os problemas envolvem a superlotação de embarcações de transporte. Na Amazônia são frequentes acidentes com dezenas de mortos (leia quadro abaixo). Nas praias do Sudeste, é a direção perigosa de condutores de lanchas e jet skis que fazem vítimas, como o iatista Lars Grael que perdeu a perna em 1998. O trauma e o luto de tantas famílias, no entanto, não são suficientes para mudar o quadro. Ainda é frequente, por exemplo, adaptações de barcos para uso diverso daquele para o qual foi concebido originalmente. O Bateau Mouche, que afundou no Réveillon de 1988 e matou 55 pessoas na Baía de Guanabara, era uma antiga gaiola a motor utilizada no rio Amazonas. Foi modificado com o acréscimo de dois andares e um terraço suplementar.

Da mesma maneira, o catamarã Imagination, que naufragou no Lago Paranoá, era originalmente um barco de 23 metros, de construção artesanal, usado para apoio em regatas. Há alguns anos, foi reformado, ganhou um segundo andar e teve o convés esticado, ampliando sua capacidade de 24 para 92 passageiros. Nesse meio tempo, o barco pertenceu a Manoel Neto, marido da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN), e foi até batizado com o nome da parlamentar. A Polícia Civil, que investiga o caso, não sabe ainda se o aumento da estrutura foi acompanhado das medidas de segurança, como a instalação de tubulações compartimentadas no fundo do casco para sustentação.
Embarcações de grande porte devem ser vistoriadas de quatro em quatro anos por uma empresa certificadora, autorizada pela Marinha. Não há certificadoras em Brasília, o que leva os proprietários a utilizarem empresas de outras capitais. O Imagination carregava 104 pessoas no dia do acidente e o peso pode ter contribuído para a rapidez com que o barco afundou. “Não foi enchendo aos poucos, mas de uma vez. Quando vimos, a água tinha tomado tudo, foi um desespero”, conta Rosita Machado de Moraes, uma das sobreviventes, que perdeu uma sobrinha.

Brasília esbarra ainda em outro problema: a falta de infraestrutura portuária. Não há um cais público, o que ajudaria a ordenar o embarque de passageiros e os serviços de estaleiro, melhorando a fiscalização da delegacia fluvial. “Há um abandono do setor por parte do governo do Distrito Federal”, afirma Tupac Petrillo, diretor náutico da Associação das Agências de Turismo Receptivo de Brasília (Abare). A Marinha afirma que está reavaliando a estrutura, o que poderia levar à criação da 24ª capitania do Brasil. Se subir de status, Brasília poderá ter mais funcionários e embarcações. Para o delegado Leite, é preciso conscientizar também os proprietários dos barcos. “Assim como os motoristas passaram a usar o cinto de segurança, os comandantes dessas embarcações devem respeitar as normas. Fatalidades vão sempre ocorrer”, diz.  

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