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O Escritório de Investigação e Análises da França (cuja sigla em francês é BEA) divulgou nesta sexta-feira (27) o relatório parcial sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente com o avião da Air France, no dia 31 de maio de 2009, quando morreram as 228 pessoas. Pelo relatório, há indicações de que o avião caiu, na costa do Brasil, em alta velocidade, de uma altura de 38 mil pés (o equivalente a 11.582 metros). A queda durou três minutos e 30 segundos. 

De acordo com o relatório, os pilotos da Air France perderam o controle de velocidade e o Airbus A330 teve uma paralisação, iniciando uma queda fatal de três minutos em direção ao Atlântico. "Não temos indicações válidas", disse um dos pilotos do voo AF447 que viajava de Rio a Paris, de acordo com gravações da caixa-preta divulgadas pelo Bureau de Investigação e Análise (BEA, da sigla em francês). A aeronave entrou em uma zona de turbulência duas horas após o início do voo quando o piloto automático parou de funcionar abruptamente.

Logo depois, um dos instrumentos apontou uma "forte queda" de velocidade e um alarme soou, indicando que o avião não estava mais sendo impulsionado pelo ar. Enquanto os dois copilotos tentavam entender o que tinha acontecido, o capitão, que tinha deixado a cabine para descansar, retornou, mas não conseguiu recuperar o controle da aeronave. A agência informou que os motores do avião estavam funcionando normalmente e responderam aos comandos. 

Uma investigação paralela, conduzida antes da descoberta das caixas-pretas este mês, apontaram o congelamento das sondas que mediam a velocidade, mas não houve conclusão definitiva apontando este fato como causa do acidente. De acordo com diversos especialistas, a desativação do piloto automático pode ter sido causada pelo congelamento das sondas, conhecidas como Pitots.

Dados apontando baixos níveis de velocidade podem fazer com que o sistema da aeronave considere outras leituras inválidas, de acordo com o BEA.

Sindicatos dos pilotos e alguns familiares de vítimas acusaram a companhia aérea de agir com morosidade no que se refere a alertas de segurança, mas tanto a Airbus como a Air France insistiram ter reagido de forma adequada. Desde o acidente, a Air France substituiu as sondas Pitots e sua frota Airbus com modelos mais novos.

Ambas as companhias estão sendo investigadas por homicídio culposo por conta do acidente. A Airbus informou que a informação divulgada nesta sexta-feira era consistente com os relatórios preliminares do BEA e "constituem um passo significativo rumo à identificação da rede completa de eventos" que levaram ao acidente.

A Air France declarou nesta sexta-feira que é necessário esperar as futuras análises do BEA das caixas-pretas para determinar a causa precisa da queda do avião, apesar de reconhecer que aparentemente "o problema inicial foi a falha das sondas de velocidade".

A empresa completou que "os três pilotos experientes demonstraram uma atitude totalmente profissional e estavam comprometidos em realizar suas tarefas até o fim". No entanto, uma fonte ligada à investigação ficou surpresa com a reação dos pilotos. "Por que, ao receber o sinal de alerta, os pilotos empinaram a aeronave para cima e não para baixo?".

Um piloto aposentado, Jack Krine, disse à AFP que em caso de alerta o procedimento normal seria levar a frente da aeronave para baixo com o objetivo de ganhar velocidade e subir, acrescentando que eles podem não ter tido tempo suficiente para analisar a situação de forma adequada.

De acordo com a cronologia fornecida pelo BEA, as respostas do copiloto foi "basicamente levar o nariz da aeronave para cima" e o avião inicialmente ganhou altitude. "O estabilizador horizontal de compensação (THS) passou de 3 para 13 graus em cerca de 1 minuto e permaneceu com o nariz para cima até o fim do voo", disse o BEA em relatório.

Os últimos dados das gravações mostraram que o nariz do avião estava para cima em um ângulo agudo, e atingiu o oceano a uma velocidade de 10.912 pés (3.300 metros) por minuto.

 

 

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O BEA divulgou diagrama explicando a trajetória do avião até a queda

 

 

Leia o comunicado na íntegra:

Balanço da investigação sobre o acidente do voo AF 447 ocorrido em 1º de junho de 2009

Este texto foi traduzido e publicado pelo BEA a fim de facilitar a leitura pelos brasileiros. Tão exata quanto a tradução possa ser, é o texto original em francês que deve ser considerado como o trabalho da referência histórica do vôo.

No domingo, 31 de maio de 2009, o Airbus A330-203, matrícula F-GZCP, operado pela Air France foi programado para efetuar o voo regular AF447 entre o Rio de Janeiro Galeão e Paris Charles de Gaulle. Doze tripulantes (3 PNT, 9 PNC) e 216 passageiros estão a bordo. A partida está prevista para as 22h00.

Às 22h10 a tripulação tem permissão para ligar os motores e deixar o pátio. A decolagem ocorreu às 22h29. O comandante de bordo é PNF, um dos copilotos é PF.

O peso na decolagem é de 232,8 t (para um MTOW de 233 t), e inclui 70,4 toneladas de combustível.

À 1h35min15 s, a tripulação informou o controlador ATLÂNTICO que passou o ponto INTOL e anuncia a seguinte estimativa: SALPU às 1h48 e ORARO às 2h00. Ela também transmite o seu código SELCAL e um teste é realizado com sucesso.

À 1h35min46s, o controlador pediu que ele mantenha FL350 e informe sua estimativa para o ponto TASIL.

À 1h55, o comandante de bordo desperta o segundo copiloto e diz "(…) vá tomar o meu lugar".

Entre 1h59min32s e 2h01min46s, o comandante de bordo assiste ao briefing entre os dois copilotos, onde PF disse principalmente que "o pouco de turbulência que você acabou de ver (…) devemos encontrar outras mais à frente (…) estamos na camada, infelizmente não podemos subir muito mais agora porque a temperatura está diminuindo menos rapidamente do que o esperado" e que "o logon com Dakar falhou". O comandante de bordo deixou a cabine.

A aeronave se aproxima do ponto ORARO. Ela voa em nível de voo 350 e à velocidade Mach de 0,82; a atitude longitudinal é de cerca de 2,5 graus. O peso e o centro de gravidade do avião são de cerca de 205 toneladas e 29%. O piloto automático 2 e auto-impulsão são ativados.

Às 2h06min04s, o PF chamou os PNC e lhes disse que "em dois minutos devemos atacar uma área mais agitada do que agora e devemos tomar cuidado lá" e acrescenta "eu lhe ligo logo que sairmos de lá".

O tempo universal (TU) é a referência de tempo utilizado na aviação. As 2h08min07s, o PNF propõe "você pode, possivelmente, levar um pouco para a esquerda (…)". A aeronave começou uma ligeira virada para a esquerda; o desvio em relação à rota inicialmente seguida é de cerca de 12 graus. O nível de turbulências aumenta ligeiramente e a tripulação decide reduzir o Mach para 0,8.

A partir das 2h10min05s, o piloto automático e em seguida a auto-implusão são desativados e PF [copiloto] anuncia «eu tenho os comandos. A aeronave rolou para a direita e PF [copiloto] exerce uma ação à esquerda e de elevação do nariz. O alarme de perda dispara duas vezes. Os parâmetros registrados mostram uma queda brutal de cerca de 275 kt para 60 kt da velocidade mostrada do lado esquerdo e poucos momentos depois a velocidade mostrada no instrumento de resgate (ISIS).

Nota 1: apenas as velocidades mostradas no lado esquerdo e no ISIS foram registradas no registrador de parâmetros; a velocidade mostrada no lado direito não foi registrada.

Nota 2: o piloto automático e a auto-impulsão permaneceram desligados até o final do voo. As 2h10min16s, o PNF disse "perdemos as velocidades» e em seguida «alternate law (…)".

Nota 1: a incidência é o ângulo entre o vento relativo e o eixo longitudinal da aeronave. Esta informação não foi apresentada aos pilotos.

Nota 2: em regras alternative ou directe, as proteções em incidência não estão mais disponíveis, mas um alarme de perda (stall warning) é ativado quando o maior dos valores de incidência válidos excede um determinado limite.

A atitude da aeronave aumenta gradualmente para acima de 10 graus e leva a uma trajetória ascendente. PF exerce ações de pique e alternadamente da direita para a esquerda. A velocidade vertical, que tinha atingido 7.000 pés/min, diminuiu para 700 pés/min e a rolagem varia entre 12 graus à direita e 10 graus à esquerda. A velocidade mostrada à esquerda aumentou brutalmente para 215 kt (Mach de 0,68). A aeronave se encontra então a uma altitude de cerca de 37.500 pés e a incidência registrada é de cerca de 4 graus.

A partir das 2h10min50s, o PNF tentou por várias vezes chamar o comandante de bordo. Às 2h10min51s, o alarme de perda soa novamente. Os manches de controle de impulso são colocados na posição TO/GA e o PF [copiloto] mantém sua ordem de elevar o nariz. A incidência registrada, de cerca de 6 graus no disparo do alarme de perda, continua a aumentar. O estabilizador horizontal regulável (PHR) passa de 3 para 13 graus de levantar o nariz em 1 minuto aproximadamente; ele permanecerá nesta última posição até o fim do voo.

Quinze segundos depois, a velocidade mostrada no ISIS aumenta abruptamente para 185 kt ; ela é consistente com a outra velocidade registrada. PF [copiloto] continua a dar ordens de elevar o nariz. A altitude da aeronave atinge o seu máximo de cerca de 38.000 pés, sua atitude e sua incidência são de 16 graus.

Nota: a inconsistência entre as velocidades indicadas no lado esquerdo e na ISIS durou pouco menos de um minuto. 

Às 2h11min40s, o comandante de bordo retorna à cabine. Em poucos segundos, todas as velocidades registradas se tornam inválidas e o alarme de perda para.

Nota: quando as velocidades medidas são inferiores a 60 kt, os valores medidos das incidências são considerados inválidos e não são considerados pelos sistemas. Quando são inferiores a 30 kt, os valores de velocidade por si só são considerados inválidos.A altitude está, então, em cerca de 35.000 pés, a incidência ultrapassa 40 graus e a velocidade vertical é de aproximadamente -10.000 pés/min. A atitude da aeronave não excede 15 graus e os N1 dos motores estão perto de 100%. A aeronave sofre oscilações de rolagem que atingem por vezes 40 graus. O PF [copiloto] exerce uma ação no manche no limite para a esquerda e de levantar o nariz, que dura cerca de 30 segundos.

As 2h12min02s, o PF [copiloto] disse "eu não tenho mais nenhuma indicação", e o FNP disse "não temos nenhuma indicação que seja válida". Neste ponto, os manches de comando de impulsão estão na posição IDLE, os N1 dos motores estão em 55%. Quinze segundos depois, o PF [copiloto] faz ações de pique. Nos instantes que se seguem, houve uma diminuição da incidência, as velocidades tornam-se novamente válidas e o alarme de perda é reativado.

Às 2h13min32s, PF [copiloto] disse "vamos chegar ao nível cem". Cerca de quinze segundos depois, ações simultâneas dos dois pilotos nos mini-manches são registradas e PF [copiloto] diz "vamos lá, você tem os comandos".

A incidência, quando é válida, está sempre acima de 35 graus. Os registros param às 2h14min28s. Os últimos valores registrados são velocidade vertical de -10.912 pés/min, velocidade de solo de 107 kt, atitude de 16,2 graus de elevação do nariz, rolagem de 5,3 graus à esquerda e um rumo magnético de 270 graus.

Novos fatos estabelecidos:

Nesta fase do inquérito, além dos relatórios do BEA, de 2 de Julho e de 17 de Dezembro de 2009, os novos fatos a seguir foram estabelecidos:

– A composição da tripulação estava em conformidade com os procedimentos do operador.

– No momento do evento, a massa e o centro de gravidade estavam dentro dos limites operacionais.

– No momento do evento, os dois copilotos estavam na cabine e o comandante de bordo em repouso, este último voltou para a cabine cerca de 1 minuto 30 s após a retirada do piloto automático.

– Houve uma inconsistência entre a velocidade indicada no lado esquerdo e a indicada no instrumento de resgate (ISIS). Durou pouco menos de um minuto.

– Após o desligamento do piloto automático:

a aeronave subiu para 38.000 pés; 

o alarme de perda soou e o avião entrou em perda; 

as ordens de PF foram principalmente de elevar o nariz; 

a descida durou 3 min 30 s, durante o qual a aeronave permaneceu em situação de perda. A incidência aumentou e se manteve acima de 35 graus; 

os motores estavam em funcionamento e sempre responderam aos comandos da tripulação.

– Os últimos valores registrados são atitude de 16,2 graus de elevação do nariz, rolagem de 5,3 graus na esquerda e velocidade vertical de -10.912 pés/min.

Airbus

 A Airbus, empresa responsável pela aeronave da Air France, informou que apoia as apurações conduzidas pelo Escritório de Investigação e Análises da França (cuja sigla em francês é BEA). Segundo a empresa, há confiança plena nas investigações dos dados contidos nos sistemas de dados contidos pela Data Flight Recorder (FDR) e Cockpit Voice Recorder (CVR).

Em comunicado divulgado no site da Airbus, a empresa informou ainda que o relatório divulgado hoje pelo BEA é parcial e outros dados serão fornecidos futuramente. De acordo com a empresa, os esforços da Airbus são para garantir “viagens seguras”. No texto, há ainda uma mensagem de condolências às famílias das vítimas do acidente aéreo.