O apresentador Gugu Liberato, do SBT, foi ouvido no Departamento de Investigação Sobre o Crime Organizado de São Paulo (Deic), na quinta-feira 25, e repetiu a mesma coisa que já havia dito no programa de Hebe Camargo, no dia 15, ou seja, que não sabia do conteúdo da entrevista com falsos membros do PCC, levada ao ar no seu programa Domingo legal. “Minha convicção continua a mesma. Ele cometeu os mesmos crimes que Alfa, Beta, Barney e etc., mas foi beneficiado com uma
liminar e por isso não pôde ser indiciado”, lamentou o delegado Alberto Pereira Júnior. Ele defende a tese de que Gugu seja responsabilizado,
com base no artigo 16 da Lei de Imprensa, que proíbe publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados. Mesmo assim, Gugu ainda deverá prestar esclarecimentos às comissões de Direitos Humanos; Ciência e Tecnologia e Defesa dos Consumidor, em Brasília. A confusão com o apresentador começou no dia 7, quando foi
ao ar no Domingo legal uma entrevista comandada pelo repórter Wagner Maffezoli com dois encapuzados – Alfa e Beta – que diziam ser do PCC e ameaçavam autoridades e apresentadores, entre eles Marcelo Rezende, que desmascarou a encenação.

A partir daí, descobriu-se que Alfa e Beta eram na verdade os “atores” Wagner Faustino da Silva e Antônio Rodrigues da Silva, que haviam
sido contratados pelo produtor Hamilton Tadeu dos Santos, o Barney, para a execução do serviço. “Cada um recebeu R$ 150 pela gravação
e eles confirmaram a farsa”, conta Pereira Júnior. Barney, por sua vez, recebeu R$ 3 mil da produção para intermediar a entrevista. Os três foram indiciados por apologia ao crime e Barney teve a sua prisão preventiva solicitada por ameaçar uma testemunha. O repórter
Wagner Maffezoli e o produtor Rogério Casagrande foram indiciados
por divulgar notícia falsa. Em depoimento na quarta-feira, disseram
que não sabiam que a entrevista era uma armação e que tinham contratado Barney para produzir a matéria.

Além de ir à polícia, Gugu também ficou fora do ar no domingo 21. A Justiça suspendeu o programa a pedido do Ministério Público. A punição gerou controvérsias. “Foi uma decisão equivocada que não deixa de ser uma espécie de censura prévia”, afirma o deputado Corauci Sobrinho (PFL-SP), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara. “Foi um retrocesso e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, também pensa assim”, ressalta. “Estão querendo forçar uma situação dizendo que ocorreu censura. O que houve foi uma punição em razão de uma infração cometida anteriormente”, esta é a tese do deputado Orlando Fantanzzini (PT-SP), coordenador da campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania e presidente do Conselho de Ética da Câmara. “As televisões estão pagando o preço do veneno delas mesmas de não aceitar que haja qualquer tipo de regulação nesse aspecto”.
 

Telespectador – “As emissoras fazem o que querem para obter audiência e vender espaço publicitário sem nenhum compromisso ético com o telespectador”, analisa Ana Olmos, membro da Comissão de Acompanhamento da Programação de Rádio e Televisão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. “Somos reféns de uma programação sem referência”, acredita Wagner Bezerra, diretor e roteirista de programas educativos. Autor do livro Manual do telespectador insatisfeito, ele diz que o Brasil está tateando na regulação do seu produto televisivo. “Não por falta de modelo, porque na maioria dos países desenvolvidos a televisão aberta é submetida a uma legislação específica, que impõe regras e limites.” Na sua opinião o conteúdo dos programas dominicais precisa mudar. “Não pela imposição, mas pela percepção
da responsabilidade social, porque tudo que a televisão emite está atrelado com educação.”

A controvérsia também se estendeu ao campo jurídico. Para uns a determinação da Justiça foi legal e para outros inconstitucional. “A decisão da Justiça foi acertadíssima. Ninguém pode se valer de um
meio de comunicação para difundir notícias falsas, sobretudo ameaçar pessoas e provocar intranquilidade”, defende o criminalista Luiz Flávio Gomes. Para ele, a suspensão de um programa só foi pouco. “Tinha que ter tirado uns dois ou três do ar.” O jurista Damásio de Jesus pensa diferente. “O princípio constitucional do estado de inocência vale para todo o direito brasileiro. Enquanto não houver sentença condenatória definitiva ninguém pode ser considerado culpado.” Segundo ele, a suspensão do programa, como medida preliminar, correspondeu a uma verdadeira pena. “Uma medida extrema como essa só pode ser aplicada em processo regular, com direito de defesa e contraditório. E só caberia suspensão se houvesse indícios seguros de que a exibição causaria dano à moral e aos bons costumes.”

“Fiquei perplexo. A decisão judicial deflagrou uma preocupação com algo que resvala num precedente muito perigoso de ameaça à liberdade de expressão”, afirma o vice-presidente da Rede Bandeirantes, Marcelo Parada. “Se algum erro foi cometido ele deve ser apurado, as pessoas devem ser punidas, mas jamais um programa pode ser tirado do ar sob nenhuma circunstância.” E mais: “Tão grave quanto o erro cometido no programa do Gugu foi tirar o programa dele do ar.” Em apoio ao Ministério Público Federal que entrou com ação civil pública contra o SBT e acusa a empresa de abuso de liberdade de imprensa e de ferir a ética ao dar voz ao crime, o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, divulgou uma nota: “Os promotores agiram no correto desempenho funcional de defesa dos valores constitucionais e o programa foi suspenso, por decisão judicial, por desobediência a tais princípios.”

Para substituir o Domingo legal, o SBT reprisou o Troféu Imprensa, o Grammy latino, o Programa do Ratinho e outros. “Os anúncios que estavam programados para o Domingo legal foram exibidos nos intervalos das reprises”, limitou-se a dizer a assessoria de imprensa do SBT. A empresa não comenta os fatos, mas estima-se que o SBT e Gugu deixaram de faturar R$ 1 milhão. Além disso, Gugu também perdeu o merchandising da Petrobras, de R$ 1,7 milhão, que a emissora deverá realocar em outros programas. Na segunda-feira 22, a casa rompeu o silêncio e mandou uma carta para anunciantes e publicitários em que diz que “aguarda a conclusão das investigações para tomar as providências necessárias e aplicar as punições cabíveis”. De qualquer modo, o Ministério das Comunicações abriu processo interno para investigar se o SBT infringiu a regulamentação do setor. O procedimento pode resultar em advertência, multa ou suspensão da concessão.