Presente no “Guiness Book”, o best seller “O Alquimista”, de Paulo Coelho, detém o recorde de livro de autor vivo mais traduzido no mundo. Ele já foi lançado em 150 países e 67 línguas. As versões, contudo, costumam tirar o humor do bruxo. “Eu me lembro de chegar na Eslovênia e ver a primeira frase do romance ‘O nome do rapaz era Santiago’ impressa como ‘O nome do rapaz era Jakob’”, diz o autor. Foi a partir daí que passou a tomar mais cuidado com as traduções de sua obra: “Claro que criei um caso, mas já era tarde.” Trata-se de uma situação que não atinge só Paulo Coelho. Difícil de traduzir e cada vez mais presente nas livrarias estrangeiras, a literatura brasileira vem sendo lida não só em línguas mais comuns, como inglês, espanhol ou francês, mas também em chinês, grego e holandês, por exemplo. Nessas horas, contar com a sorte é a única saída para o autor.

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O romancista amazonense Milton Hatoum concorda: “A única saída é torcer e confiar no seu tradutor.” Diz isso com a experiência de ver o seu livro “Órfãos do Eldorado” ser incluído entre as dez maiores traduções do ano pelo jornal inglês “Financial Times”. Hatoum, cuja obra pode ser lida em 12 idiomas, costuma falar com o seu tradutor por telefone, e-mail e em encontros pessoais. Isso impede erros constrangedores. “Para línguas que eu conheço, mantenho contato em todos os passos da tradução”, diz ele, que lida constantemente com a dificuldade estrangeira em compreender expressões específicas da Amazônia, onde são ambientadas suas histórias. “A palavra ‘provocar’, por exemplo, pode significar ‘vomitar’. É preciso corrigir esse falso sentido”, afirma Hatoum.

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Se o autor é um clássico e, obviamente, não está mais aqui para essa checagem, cabe ao tradutor buscar outras saídas. O inglês Mark Carlyon, que cuida das edições para o inglês da coleção bilíngue “River of January”, trabalha atualmente em “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto. Ele já apresentou para o leitor anglófono a ironia de Machado de Assis em “Casa Velha”, a irreverência carioca de Manuel Antônio de Almeida em “Memórias de um Sargento de Milícias” e o tom popular de João do Rio em “A Alma Encantadora das Ruas”. “Estou a serviço do autor assim como o regente está para o compositor” é o seu lema. “Além dos aspectos meramente mecânicos, também devo transportar a ironia, a sutileza psicológica, os múltiplos níveis de sentido para o novo universo linguístico”, diz Carlyon.

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Esse esmero deveria estar presente até em traduções para a mesma língua, mas nem sempre ocorre. Isso se deu com o biógrafo Ruy Castro. “Meu livro sobre Carmen Miranda foi vertido para o português de Portugal e ficou horrível. Não me admira que a editora responsável tenha quebrado. Já em ‘Carnaval de Fogo’, a editora Asa limitou-se a pôr notas ao pé da página, explicando, por exemplo, que ‘picolé’ era ‘gelado de palito’. Ficou melhor”, diz Castro. Pode-se imaginar, então, o árduo trabalho da francesa Inês Oseki-Dépré, da Universidade da Provença, que assumiu o desafio de encontrar em seu idioma um equivalente para as invenções linguísticas de Guimarães Rosa. “Trata-se de um autor particularmente difícil porque já é inovador em português. Mas todo escritor ‘intraduzível’ atrai traduções”, conta ela, para quem Fernando Pessoa situa-se no mesmo plano. “Uma das razões está nos cânones literários. Em francês, por exemplo, desde o século XIX evita-se a rima, ao passo que, em português, ela não só é aceita, mas sim imprescindível”, diz. Milton Hatoum, que atualmente escreve um romance em que a personagem principal é uma tradutora, relaciona essa dificuldade com a qualidade de nossa literatura. “Os bons textos são aqueles que exigem atitude inventiva em relação à linguagem. Nesse sentido, o tradutor é mais fiel quando trai”, diz ele, remetendo a um antigo ditado italiano: “Tradutor, traidor.”

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