1976 / 2007 Avenida Tiananmen, a principal de Pequim (acima).
As casas conhecidas como hutons, que na
década de 1970 formavam a paisagem, cederam
lugar a edifícios modernos com milhares de escritórios.
Na foto principal, o senador Suplicy retorna à
Muralha da China, 30 anos depois da primeira viagem,
que ele relatou na edição número 4 de ISTOÉ

Minha primeira visita à China ocorreu em 1976, dois anos após o restabelecimento de relações diplomáticas com o Brasil. O governo militar havia interrompido nossas relações em 1964. Fui um dos três primeiros jornalistas brasileiros convidados a visitar, durante 19 dias, seis cidades, seis fábricas, duas comunas agrícolas, a Universidade de Pequim e outras organizações. Foi em abril-maio de 1976, durante os últimos meses da Revolução Cultural, pouco após a morte de Xu-en-Lai, em janeiro, e antes da morte de Mao Tsé-tung, em setembro. Vi muitos cartazes – os “dazibaos” – colocados em murais e carregados em passeatas com críticas ao “vento desviacionista de direita de Deng Xiaoping”. Mas, dois anos depois, em 1978, Deng se tornou o secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC), dando ao país uma nova direção.

Foi o responsável pelas reformas econômicas que levaram a China a ter um grande impulso nos últimos 30 anos. O intérprete daquela época, Chen Duqing, tornou-se um bom amigo e hoje é o embaixador da China no Brasil. Ele insistiu para que eu voltasse ao seu país agora.

Assim, de 17 a 27 de janeiro, visitei Pequim, Xangai, Xian e zonas rurais situadas a 100 quilômetros em torno dessas cidades, com o propósito principal de conhecer como os chineses conseguem alcançar tão altas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto, como estão erradicando a pobreza absoluta e tentando construir uma sociedade justa. Convidado pelo Departamento Internacional do Comitê Central do Partido Comunista da China (CCPCC), tive, desta vez, a oportunidade de conversar com inúmeras autoridades, como o vice-diretor da Comissão de Economia e Finanças da Assembléia Popular Nacional, Yi Xun Yan; o vice-ministro do Departamento Internacional do CCPCC, Cheng Fengxiang; o diretor-geral do Grupo Líder de Erradicação da Pobreza e Desenvolvimento do Conselho de Estado, Wu Zhong; o diretor-geral para América Latina e Caribe do Departamento Internacional do CCPCC, Wang Hua. Tive também um encontro muito significativo com o professor Tian Xiaobao, presidente da Academia de Seguridade Social e Trabalho, do Ministério do Trabalho.

Cidade proibida Residência de várias dinastias
de poder, hoje é o principal ponto turístico de Pequim

Em 1976, logo ao chegar a Pequim tive a sensação de estar em outro planeta. Desta vez, no aeroporto, muito mais moderno e com um movimento extraordinariamente maior, esperavam-nos Chen Xiao Ling e Zhu Xiaoning, duas intérpretes e guias que falavam português. Nosso embaixador na China, Luiz Augusto Castro Neves, estava no Brasil. Mas a embaixada nos deu toda assistência através do ministro conselheiro Carlos Alberto M. den Hartog, e do cônsul-geral em Xangai, João de Mendonça Lima Neto, com suas equipes.

Templo do céu No local em que imperadores
pediam pelo tempo bom, mulher elogia Deng Xiaoping

Na primeira tarde fui visitar o parque onde fica o Templo do Céu, um paradigma da arquitetura e simbolismo chinês, concluído na dinastia Ming. Milhares de pessoas de todas as idades, mesmo em dias úteis, aproveitavam o dia frio, mas agradável, para jogar, tocar instrumentos típicos de cordas e conversar. Ouvi um grupo muito animado de mulheres que cantavam e dançavam com microfone e alto-falante portáteis. Perguntei à guia o que cantavam. Eram “loas” aos feitos e conquistas de Deng Xiaoping, falecido em 1997.

Música e suvenires
Os chineses gostam de dançar, inclusive em locais abertos, como à noite junto ao lago Hohai, em frente a um grande número de restaurantes e casas noturnas. Homem com mulher, mulher com mulher, homem com homem, o que conta, para eles, é a diversão. Nesse lugar, de muito movimento, quando caminhava com o ministro brasileiro, eis que um rapaz, e depois outro, veio nos perguntar se gostaríamos da companhia de jovens chinesas. Não demos atenção. Havia muitos ambulantes que ofereciam algum tipo de suvenir, como em qualquer lugar onde tenha turistas estrangeiros. Pedindo auxílio, vi um homem, sem uma perna, com muleta, diante do Palácio Imperial.

Hospedei-me no Hotel Minzu, na mesma avenida da Praça da Paz Celestial onde ficara há 30 anos. O impressionante mar de bicicletas que vi naquela época foi substituído pelos carros, num trânsito intenso e atravancado. As bicicletas ainda circulam em grande número, mas nas espaçosas ciclovias laterais. Em Pequim há hoje 2,85 milhões de veículos. Calcula-se que daqui a três anos serão 3,8 milhões. São mil novos carros por dia. As autoridades recomendam aos motoristas que, voluntariamente, utilizem transporte público uma vez por semana. Nossa guia, membro do PCC, procurava dar o exemplo. Há programas para elevar o uso do transporte público para 40% em 2010.

Arquivo Pessoal

Túnel do tempo Suplicy (à dir.) em 1976 e a Muralha de Xian,
hoje: a mais larga do país

Em frente ao hotel, ao longe, ainda consigo observar a torre da estação da Rádio de Pequim, onde trabalhava o jornalista Jaime Martins, exilado em 1976. Sua filha Raquel, então com 12 anos, é hoje uma exímia tradutora e intérprete. Veio me visitar e falou sobre o progresso da China. Explicou que, para um povo que viveu mais de cinco mil anos sob o domínio de um império, o conceito de democracia é bem diverso do que aquele a que estamos acostumados. Para ela, o avanço dos chineses em permitir liberdades democráticas e eleição direta dos governantes será gradual.

Só mulheres Em Xangai, a maior cidade do país,
a banda da TV Pérola tem aposentadas e desempregadas.
O único homem é o maestro

Na avenida do hotel e por toda parte, nas diversas cidades, impressiona o número de novas construções, seja de edifícios residenciais, comerciais ou industriais. Metade dos guindastes ou gruas de construção civil do mundo está operando na China neste momento. Os empresários brasileiros já despertam para essa grandiosidade. Segundo o cônsul-geral João Mendonça Lima Neto, nos últimos quatro anos, 35 empresas brasileiras se instalaram em Xangai, como o Banco do Brasil, a Vale do Rio Doce, o Itaú BBA, a BM&F, a Vicunha, a Seleniun, a Comexport, a M. Kassab, a WEG Motores Hidráulicos e a DHB.

No segundo dia fomos visitar a Grande Muralha, um dos patrimônios da humanidade. Quando Yuri Gagarin subiu ao espaço, observou que essa era a única construção feita pelo homem visível lá de cima. Com seis mil quilômetros, os chineses a construíram há mais de dois mil anos para evitar a invasão dos mongóis e de outros povos. Há 30 anos, nosso pequeno grupo chamava a atenção. Os chineses se aglomeravam à nossa volta para observar como éramos diferentes. Hoje, o número de visitantes é extraordinário e os estrangeiros já não despertam curiosidade. Chega-se à região de Badaling, a 70 quilômetros de Pequim, um dos pontos onde está a Muralha, por uma excelente e nova auto-estrada.

Xangai mudou muito. Visitei a moderníssima área de Pudong, que, até o início da década de 90, era precária e marginalizada. Nos últimos 12 anos, com incentivos fiscais para atrair empresas, Pudong se tornou um bairro de centenas de edifícios, tanto de escritórios como de moradias, que continuam a ser construídos em ritmo veloz. No Centro de Exibição de Planejamento Urbano conheci o cuidadoso grau de planejamento da cidade, com a projeção de um filme, numa tela de 360º, sobre como a cidade ficará no futuro. Numa plataforma, viajo velozmente em meio a prédios muito altos projetados por alguns dos melhores arquitetos do mundo. Em seguida, do alto da torre da TV Pérola Oriental, pude ver a grandiosidade de Xangai, que faz lembrar Nova York.

Tradição mantida O progresso da economia não tirou as
bicicletas de circulação. Elas são a opção preferencial
dos jovens e dos mais pobres

Mesa farta
O Jardim Yu Yuan, outra refinada construção da dinastia Ming, continua preservado. Almoço ali perto, no restaurante Lu Bo Lang. Foram servidos cerca de dez pratos, como aconteceu outras vezes, oferecidos amavelmente pelos chineses. Entre os pratos, sapo branco e tubarão, em meio a muitos “gambei”, a saudação de saúde.

No banquete oferecido pelo diretor-geral do CCPCC, Wang Hua, perguntei-lhe sobre a pena de morte na China. Expus meu ponto de vista de que ela não contribui para diminuir a criminalidade violenta. Dei o exemplo de pena de morte recente, de Saddam Hussein, que havia provocado maior violência e mortes no Iraque. Respondeu-me que os chineses, desde há muito tempo, acreditam que deve se aplicar a pena de morte no caso de assassinatos. Informou, entretanto, que agora somente a Suprema Corte Popular é que pode decidir sobre a pena capital, o que limitará bastante os casos.

Novos tempos, novas roupas No parque, em 1976 (acima), jovens em trajes estilo Mao debatem política em preparação a uma manifestação contra “o vento desviacionista de direita”. Hoje (à esq.), perto do campus universitário de Pequim, o colorido está na moda, assim como os celulares, os iPods e as grifes. Em Xangai (abaixo), as construções tradicionais convivem com arranha-céus. A meta é deixar Nova York para trás em grandiosidade

Conheci o Centro Cultural do Distrito Zhabei, que desenvolve atividades, em especial para idosos, de dança, música, artesanato, artes gráficas, pinturas e de bem fazer e servir o chá. Entrei numa sala onde cantei, com a condução do maestro e o acompanhamento de um coral entusiasmado de 100 pessoas. Em seguida, visitei um apartamento no bairro reurbanizado onde se encontravam quatro gerações de uma família: os avós, os pais, os dois filhos e suas esposas e uma neta. Haviam se mudado há dois anos para aquele edifício recém-construído, onde tiveram direito a ocupar 320 m², divididos em três apartamentos.

Ao seguir para o aeroporto internacional de Pudong, que serve Xangai, para voar para Xian, vejo em velocidade incrível o trem de tecnologia alemã, que praticamente voa sobre os trilhos: 35 quilômetros em sete minutos. Em breve, ligará Xangai até Hangzhou, uma distância de 130 quilômetros, atingindo mais de 400 km por hora. Mais uma vez observo os investimentos em infra-estrutura, as boas auto-estradas e os inúmeros anéis viários, tanto em Pequim quanto em Xangai.

Conheci projetos de inclusão social e combate à pobreza. Na aldeia Xiang Yugou, a uma hora de Xian, no distrito de Chang An, nas montanhas de Qin Ling, há uma boa escola infantil. Percorri as casas de famílias de agricultores, que foram estimulados a melhorá-las para poder receber hóspedes vindos das áreas urbanas e assim melhorar sua renda. São muitos os chineses das cidades que querem conhecer a vida no campo. A diária custa 50 yuans, ou US$ 6,50, com direito a três refeições.

Combate à pobreza
A cerca de 80 quilômetros de Pequim visitei um projeto parecido, embora a região seja mais rica. Trata-se de uma área de plantação de maçãs, iniciada na primeira metade dos anos 90. Ali também as famílias foram estimuladas com ajuda financeira a melhorar suas casas, para receber os hóspedes urbanos. Nesse caso, a diária é de 80 yuans, ou US$ 10. Seguindo a tradição, os moradores reservam os melhores cômodos da casa para os visitantes.

Dois tempos Em ISTOÉ de agosto de 1976 (acima), Suplicy mostrou a velha China; hoje o país faz grandes
obras para as Olimpíadas (ao lado)

Essas áreas e organizações agrícolas são bem diferentes das comunas que visitei em 1976, propriedades do Estado em que os trabalhadores se organizavam de forma coletiva, obedecendo às diretrizes de produção de um planejamento central. Desde 1978 os agricultores passaram a ter direito a cultivar uma área de um hectare ou pouco mais para cada família, podendo decidir o que produzir, de acordo com o mercado. A área ainda pertence ao Estado, mas a família tem a concessão para explorá-la enquanto puder.

A 82 quilômetros de Xian, visito a Zona de Demonstração de Indústrias de Alta Tecnologia Agrícola de Yangling, que promove as mais variadas experiências de plantios, de aproveitamento industrial de produtos agrícolas, pesquisas de plantios em zonas secas, técnicas de irrigação, controle de água e da erosão do solo. Seus diretores, Tang Limei e Liu Zhonshan, informam que já desenvolvem intercâmbios com institutos de pesquisa do Rio Grande do Sul, mas que gostariam de aprofundar relações com outras instituições, como a Embrapa e a SBPC. Ali os chineses criaram o primeiro bode clonado a partir de células somáticas e estão localizadas duas grandes instituições de ensino, a Universidade Noroeste A & F e o Colégio Vocacional e Técnico.

Em Xian também fui conhecer a antiga muralha em torno da cidade. Ela é mais larga do que a Grande Muralha, e anualmente ali se promove corrida de atletas. Aluguei uma bicicleta para poder ter uma idéia melhor das construções da cidade, das mais antigas às mais modernas. Gostei muito de ver o Palácio da Primavera Quente e, sobretudo, os guerreiros do Exército de Terracota, que o imperador mandara fazer para proteger a sua terra de possíveis invasores – que já foram expostos no Brasil.

Cinco mil anos
De volta a Pequim, visitei a enorme área onde estão, já na fase final de construção, inúmeros estádios, ginásios e estabelecimentos para os Jogos Olímpicos de 2008. O Estádio Olímpico de Futebol tem uma arquitetura especialmente bonita que faz lembrar um ninho de passarinho. Ao lado, estão sendo concluídas as obras de edifícios modernos para 20 mil atletas de todo o mundo. Será uma oportunidade excepcional para os chineses se mostrarem inteiramente. Como diz Jin Yuanpu, diretor do Centro de Estudos Olímpicos Humanísticos: “É tempo de nós revivermos e repensarmos nossa filosofia tradicional e preciosa herança. O mundo nos dá 15 dias, nós lhe daremos cinco mil anos.”

Por toda parte onde ando, observo que as pessoas em geral estão bem vestidas, muito diferentes de trinta anos atrás, quando quase todas usavam aqueles típicos uniformes azuis de Mao. Os adultos usam mais cinza e preto e os jovens gostam das roupas coloridas, no estilo ocidental. O uso de instrumentos eletrônicos, a começar pelo celular até os iPods, é intenso e generalizado. Diferentemente de 1976, quando se viam apenas os grandes cartazes de propaganda política, hoje há pelas cidades e estradas uma profusão de anúncios comerciais, tanto de marcas internacionais quanto de nacionais.

Pude perceber que as reformas instituídas desde 1978 estimularam as iniciativas econômicas tanto no meio rural quanto urbano. As pessoas passaram a ter a possibilidade de enriquecer, organizando firmas para produzir e vender bens e serviços, sob o lema expresso por Deng Xiaoping, em 1982: “É tempo de prosperar. A China tem sido pobre por mil anos. Enriquecer é glorioso.”

Os investimentos estrangeiros foram intensamente estimulados. Empresas com diferentes formas de propriedade e controle passaram a existir. As de propriedade do Estado que foram caracterizadas por ineficiência diminuíram. O Estado, entretanto, continua a ter importante presença na economia, especialmente reservando para si as áreas consideradas fundamentais, como energia elétrica, petróleo, petroquímica, telecomunicações, carvão, indústria naval e de aviões. Mesmo nestas áreas, o governo tem promovido importantes parcerias com empresas internacionais, a exemplo do que já ocorre com a Embraer. Ademais, o governo tem a grande preocupação de planejar o desenvolvimento da economia – através dos planos qüinqüenais –, o crescimento das cidades e a interação com o setor privado.

O Partido Comunista da China mantém o controle da sociedade com o apoio de oito partidos menores, chamados democráticos, que são considerados aliados, desde que Mao Zedong assumiu o poder em 1949. Nota-se uma gradual abertura do processo político, com a população participando das decisões em níveis locais, mas não ainda com eleições diretas. Quando perguntei, por exemplo, se seria possível a jornalistas fundarem um novo jornal e tecer críticas às autoridades, disseram-me que não. Há hoje um número muito grande de publicações, jornais, revistas, e muitos canais de televisão e rádio. Mas há normas que precisam ser seguidas, segundo me explicaram, para não criar pessimismo na população. Os modernos meios de comunicação, como o celular e especialmente a internet, muito provavelmente terão um efeito importante na abertura da sociedade chinesa. O China Daily, principal jornal que circula em inglês, anunciou, em janeiro, que dentro de dois anos a China terá um número maior de internautas do que os EUA, que hoje têm 210 milhões de pessoas na rede. Sem dúvida, também o número crescente de chineses que visitam o exterior contribuirá muito para a abertura. Estima-se que 34 milhões viajarão para fora da China em 2007, 10% mais do que em 2006.

Censura na tevê
Nos hotéis modernos há 34 canais na televisão, muitos dos quais internacionais, como a CNN, dos EUA; a BBC, do Reino Unido; a RAI, da Itália; a TV5, da França, e de vários outros países. Informaram-me que, se a CNN der informações sobre a China de fatos não problemáticos, tudo bem; mas, se as notícias forem negativas, a transmissão é suspensa.

Os chineses caracterizam seu sistema como socialista de mercado. Há um contraste, pois permitem liberdade de informação econômica e comercial, certamente muito mais do que há 30 anos, quando, por exemplo, todo o comércio exterior era feito por empresas estatais. Hoje uma pessoa física, se o desejar, pode fazer comércio com o exterior.

Para o sistema de mercado funcionar eficientemente, faz-se necessário que as pessoas e as empresas emitam sinais sobre o que desejam comprar e vender de bens e serviços, inclusive com a liberdade de se fazer publicidade da qualidade e da marca do que se pretende vender. Por outro lado, embora as liberdades de expressão, de imprensa, de organização política e outras tenham se ampliado, ainda são bem mais limitadas do que no Brasil.

Perguntei muito sobre a organização da economia chinesa, de seus programas sociais, de como conseguiram fazer o Produto Interno Bruto crescer a taxas superiores a 9% ao ano desde o início dos anos 1990, e 10,7% em 2006, mantendo a estabilidade de preços – a taxa de inflação no ano passado foi de apenas 1,5%. O PIB atingiu US$ 2,68 trilhões, o quarto maior do mundo, depois dos EUA, Japão e Alemanha. Em 1976, o PIB per capita chinês era 34% do PIB per capita brasileiro. Agora, é 43%.

A China foi capaz de diminuir o número de pessoas em condições de pobreza absoluta nas áreas rurais de 250 milhões, em 1978, para menos de 30 milhões recentemente, explicaram-me. O sistema de seguridade social tem um significativo desenvolvimento. Normalmente, as empresas contribuem com 20% sobre o valor dos salários para o fundo de previdência e os trabalhadores com 8%. Estima-se que, com as demais contribuições referentes à assistência médica, acidente de trabalho, auxílio-maternidade, fundo de habitação e seguro-desemprego, as contribuições da empresa correspondem a 57% do salário. Além do sistema de seguro-desemprego, há meios de ajudar a encontrar novos empregos, com treinamento e lugares nas cidades onde as pessoas diariamente vão procurar oportunidades de trabalho. A taxa de desemprego hoje está próxima de 4%. A taxa de juros anual está em torno de 2,3%. O salário mínimo na China difere se a província, a região ou a cidade são mais ou menos desenvolvidas, e é definido pela autoridade central depois de um diálogo entre o governo, federações representativas de trabalhadores e empresas. Em janeiro, o salário mínimo em Pequim estava em 640 yuans por mês (cerca de US$ 80); em Xangai era de 750 yuans; em Jiangshi, de 270 a 360 yuans; no Tibet, de 445 a 495 yuans. Shenzhen, uma das áreas mais modernas e industrializadas perto de Hong Kong, tem o salário mais alto, de 700 a 810 yuans. Já o salário médio em Pequim estava em torno de 2.800 yuans (US$ 150).

Renda mínima
Há ainda um sistema para completar a renda das famílias que não alcançam um mínimo para a sua subsistência, regulamentado por decreto em cada província, também de acordo com o grau de desenvolvimento. Assim, em Pequim, segundo me explicaram o diretor-geral Wu Zhong e o diretor Gao Hong Bin do Escritório de Desenvolvimento e Erradicação da Pobreza do Ministério do Trabalho, se uma família de três pessoas – pai, mãe e uma criança – não alcança uma renda de pelo menos 390 yuans por mês per capita, cerca de US$ 50, portanto US$ 150 mensais para três pessoas, ela passa a ter o direito de receber o que falta para completar aquele patamar.

Há por volta de 23 milhões de pessoas em 26 províncias nesse programa, o que não é tanto para a China. A família declara o seu rendimento, que é verificado, num processo complicado, pelo ministério civil, governo provincial e pela comunidade. Se for descoberto que houve falsificação, a família perde para sempre o direito de receber o complemento. Segundo Wu Zhong, no campo é mais fácil a comunidade acompanhar, uma vez que os vizinhos conhecem bem cada família.

Expliquei como estavam se desenvolvendo os programas sociais brasileiros, como o Bolsa Família, e a perspectiva, aprovada em lei, de gradualmente introduzirmos uma Renda Básica Incondicional para todos os brasileiros como um direito à cidadania.

Foi com o professor Tian Xiaobao e outros economistas que tive a mais longa e produtiva conversa, de três horas. Ele é autor do livro Seguridade social na China, de 2006, publicado pela China International Press, e é considerado o economista chinês número 1 em assuntos do trabalho. Depois de explicar todas as vantagens de uma Renda Básica Incondicional, perguntei-lhe se achava possível instituir esse direito para todos os mais de 1,32 bilhão de chineses.

Respondeu-me que considera a Renda Básica de Cidadania uma proposta racional, de bom senso, coerente com os objetivos de construção de uma sociedade harmoniosa, conforme defendia o mestre Confúcio (551-479 a.C.). Também era concernente com os objetivos presentes do governo chinês. Mas é preciso, disse ele, um período de preparação durante os próximos planos qüinqüenais. Assim, a Renda Básica será possível e desejável em 2020. Em seguida, o professor Tian convidou-me para uma palestra sobre o tema na Academia de Seguridade Social e Trabalho. Aceitei na hora.

Fiquei superfeliz. Como co-presidente da Rede Mundial da Renda Básica (Basic Income Earth Network – Bien), convidei-o para participar do próximo XII Congresso Internacional da Bien, que se realizará um Dublin, Irlanda, em 2008.

Ao voltar para o Brasil, passando um dia em Paris, vi La stella che non c’è, filme do diretor Gianni Amélio, co-produção chino-italiana, que conta a história de um técnico italiano que se preocupa com a venda de um alto-forno com uma peça defeituosa para uma siderúrgica chinesa. Ele resolve ir à China procurar a siderúrgica que a comprou. Viaja de Pequim até a Mongólia. Vê muitas regiões, vilas e pessoas ainda em dificuldade. A realidade mostra que falta muito para que as estrelas contidas na bandeira chinesa – que significam pátria, dignidade, honra, prosperidade e florescimento – possam brilhar de fato. Mas é um sinal de que não têm medo de mostrar a dura realidade que ainda existe, para combatê-la e poder dar mais um salto de progresso.

Em 1976, a caminho da China, assisti em Paris ao documentário do cineasta holandês Joris Ivens, que se tornara amigo de Xu-en-Lai ao filmar a guerra civil, em 1938. Com seu material se fez o único documentário sobre o período revolucionário chinês. O filme Como Yukong removeu as montanhas foi feito de 1973 a 1975, com a autorização de Xu-en-Lai, em total liberdade. O filme me ensinou muito sobre a transformação da China.

O atual presidente, Hu Jintao, tem enfatizado a sua preocupação com o lado perverso da abertura econômica e do desenvolvimento da economia de mercado, especialmente em função da crescente disparidade de renda, tanto no setor urbano quanto no rural, e entre ambos. Procura-se dar uma atenção mais humana ao que chamam de socialismo de mercado, através de medidas como a eliminação recente de impostos para os camponeses, a ampliação do sistema previdenciário e os investimentos em infra-estrutura em todo o país, do que é exemplo a maciça construção civil, a ferrovia para o Tibet e a interiorização das indústrias.

Desafios atuais
Os brasileiros e chineses têm muito que aprender uns com os outros. Temos muitas semelhanças. O Índice de Desenvolvimento Humano apurado em 2006 está próximo de 0,792 no Brasil, e de 0,768 na China. A expectativa de vida está em 73 anos para ambos. A taxa de analfabetismo de adultos no Brasil é de 11%. Na China, de 9,1%.

Os chineses têm pela frente o desafio de compatibilizar o rápido crescimento com a combinação do funcionamento dinâmico do mercado e o planejamento da economia, criando instituições que possam garantir real cidadania, liberdade e dignidade para todos. Nós, brasileiros, temos a aprender com eles que é possível conciliar crescimento com estabilidade de preços, levando em conta a vida da população. Temos de avançar mais e mostrar aos chineses que a democracia plena poderá permitir a ambos também conciliar o desenvolvimento com maior igualdade e justiça.