Acusado de ter sido beneficiado com recursos enviados pelo empresário Marcos Valério em 1998, quando disputou e perdeu a reeleição para o governo de Minas Gerais, o presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, foi dormir aliviado na quarta-feira 19. Em depoimento à CPI dos Correios naquele dia, o tesoureiro de Azeredo à época, Cláudio Mourão, até admitiu ter havido caixa 2 na campanha, mas prestou um grande favor ao ex-chefe. O ex-caixa do tucanato mineiro disse que Azeredo, ameaçado de cassação, não sabia da existência do dinheiro “não contabilizado” e tampouco participou da montagem do esquema. Só que, apesar da blindagem, o pesadelo de Azeredo não acabou. Documentos obtidos por ISTOÉ indicam que Mourão recebeu dinheiro para proteger o presidente tucano. O acerto, no valor de R$ 700 mil, traz à tona um vínculo direto entre Azeredo e Marcos Valério. Os papéis desmontam a versão do senador de que o publicitário mineiro nunca operou com o seu consentimento. “A responsabilidade pelos aportes financeiros foi da coordenação da campanha”, disse Azeredo à CPI dos Correios, em agosto.

A papelada está relacionada a um processo judicial movido por Mourão para cobrar de Azeredo um prejuízo supostamente herdado da campanha de 1998. A pendenga só teve fim depois que Marcos Valério pagou a dívida do senador com o tesoureiro. O pagamento foi feito por meio do cheque número 7683, emitido por Valério e pela mulher dele, Renilda Santiago, em 18 de setembro de 2002. O dinheiro saiu de uma conta mantida pelo casal na agência Assembléia do Banco Rural em Belo Horizonte, a mesma onde ocorreu uma parte significativa dos saques em dinheiro que abasteceram o suposto esquema do mensalão. O cheque e os demais documentos que comprovam a ligação direta de Azeredo com Valério chegaram na quinta-feira 20 às mãos do deputado estadual mineiro Rogério Correia (PT) e na sexta-feira 21 foram repassados à Polícia Federal. “O Azeredo tem dito que não sabia do caixa 2 e que, quando soube, desautorizou qualquer pagamento fora do que estava declarado oficialmente. Mas agora está provado que ele mesmo usou dinheiro do Marcos Valério para pagar dívidas não declaradas que ele reconhecia desde 1998”, dispara Correia, vice-presidente da Assembléia Legislativa de Minas.

O processo a que se refere o pagamento começou a correr na Justiça mineira em 2002, logo depois que Mourão decidiu executar uma nota promissória em que Azeredo reconhecia um débito de R$ 812 mil. A dívida referia-se a carros que a locadora União, de propriedade de um dos filhos de Mourão, comprara para a campanha do tucano em 1998. Azeredo estava em plena campanha para o Senado e, inicialmente, reagiu à cobrança. Ele chegou a mover um processo na 27ª Vara Cível de Belo Horizonte para tentar anular o protesto e limpar seu nome. Na ação, o presidente nacional do PSDB negava ter emitido a promissória e lançava dúvidas sobre a atitude de Mourão, acusando-o de tentar obter “vantagem indevida”. O curioso é que, duas semanas depois, a situação mudou e Azeredo, surpreendentemente, fechou um acordo com seu ex-tesoureiro reconhecendo a dívida. Nos autos há um recibo de Mourão acusando a quitação do débito. “Dou plena, geral e definitiva quitação a Eduardo Brandão de Azeredo, pelos serviços e despesas (…) havidas nas campanhas eleitorais referentes às eleições de 1994 e 1998”, diz o texto assinado de próprio punho, em 18 de setembro de 2002, a mesma data de emissão do cheque. O acerto só não faz referência direta à forma de pagamento, que só agora vem a público com a aparição do cheque assinado por Marcos Valério.

Coincidentemente, o acerto que Valério fez com Mourão em nome de Azeredo ocorreu numa época em que o tucano e o publicitário andaram se comunicando regularmente. A quebra do sigilo telefônico de Marcos Valério, obtida pela CPI dos Correios, mostra que ele falou com Azeredo 53 vezes desde abril até outubro de 2002, exatamente o mês em que foi fechado o acordo com Cláudio Mourão.

A Polícia Federal, a CPI e o Ministério Público agora querem rastrear de onde
surgiu o dinheiro que Marcos Valério usou para pagar a dívida de Azeredo com
o ex-tesoureiro. Nessa mesma linha, o trabalho dos investigadores está bastante adiantado. Documentos de posse do MP de Minas reforçam a tese de que o valerioduto usado pelo PT nas eleições de 2002 surgiu nas hostes do tucanato. Embora os caciques do PSDB argumentem que o dinheiro que abasteceu o caixa
2 de Azeredo não tinha origem em corrupção nem em verbas públicas, as provas indicam o contrário: boa parte dos recursos da campanha mineira teve origem
em empresas estatais, como as Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig).
Em 21 de outubro de 1998, por exemplo, saiu R$ 1,6 milhão dos cofres da Cemig como pagamento à SMP&B, uma das agências de Marcos Valério. O pretexto para
o pagamento era a produção de uma campanha publicitária da estatal para convencer os mineiros a gastar menos energia. Segundo a investigação do MP, o dinheiro teve outro destino. No dia seguinte, R$ 1,2 milhão foi parar nas contas de políticos aliados de Azeredo.

Apesar do acordo firmado em 2002, Cláudio Mourão voltou à carga contra o senador este ano. Em 28 de março, o ex-tesoureiro ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação de indenização por danos materiais e morais. Desta vez, a cobrança se estendia a Clésio Andrade (PFL), atual vice-governador de Minas, que em 1998 foi candidato a vice na chapa do tucano Azeredo. A fatura foi igualmente ampliada. O ex-tesoureiro queria que Azeredo e Andrade lhe pagassem R$ 6 milhões. Ele alegava, novamente, que tinha contraído dívidas durante a campanha e que essas dívidas lhe deixaram à beira da falência. Na ação, Mourão chega a fazer uma ameaça velada a Clésio Andrade, que na época da campanha era um dos sócios da SMP&B, junto com Marcos Valério. Antecipando um episódio que viria à tona meses depois, em março o ex-caixa tucano já dizia no processo que Clésio distribuiu a políticos aliados recursos públicos obtidos pela SMP&B com o patrocínio para o Enduro da Independência. Trata-se de um evento promovido pela agência em Minas que, segundo o MP, foi usado para arrecadar dinheiro para o que os petistas mineiros batizaram de tucanoduto.

O novo processo de Mourão teve um desfecho igualmente suspeito no STF. Misteriosamente, o ex-tesoureiro retirou a ação, numa decisão tomada em 12 de agosto, semanas após o surgimento dos documentos que apontaram as primeiras ligações de Eduardo Azeredo com Marcos Valério. O detalhe que desperta a suspeita está numa procuração que Cláudio Mourão entregou, em novembro do ano passado, ao lobista Nilton Antonio Monteiro. No documento, Mourão dava poderes ao lobista para “negociar proposta de acordo” com Eduardo Azeredo e Clésio Andrade. “Ele (Mourão) disse que me daria um porcentual para intermediar esse acordo. Se o Azeredo e o Clésio pagassem, ele ficaria calado, mas, se não pagassem, ele disse que ia acabar com a vida política do Azeredo”, conta o lobista. Nilton Monteiro é um velho conhecido dos tucanos. Foi ele quem trouxe a público, em julho passado, os documentos que revelaram o caixa 2 de Azeredo em 1998.

Durante o depoimento de quinta-feira à CPI dos Correios, suspeitando da visível preocupação de Mourão em proteger Azeredo, parlamentares petistas perguntaram se ele havia feito algum acordo com o tucano para livrá-lo do fardo do caixa 2 e das relações com Marcos Valério. Mourão negou. O deputado Maurício Rands (PT-PE) mostrou a procuração e indagou do ex-tesoureiro sobre o tal acordo. Mourão reagiu imediatamente: “A assinatura é minha, mas o documento é falso. Isso é uma montagem. Ele (Nilton Monteiro) é um falsificador.” ISTOÉ teve acesso ao original da procuração e decidiu submetê-lo a perícia. O laudo, assinado pelo perito Adalberto Novais Dantas, aposentado da Polícia Federal e especialista em documentoscopia, atesta que Mourão, neste caso, mentiu mais uma vez à CPI. Diz o texto do perito: “No aspecto documental, o suporte (papel) onde foram lançadas as impressões digitadas (título e texto) e os manuscritos (assinatura e numerais do CPF) é legítimo. Portanto, não houve montagem.” Dantas comparou também a assinatura de Mourão com outros documentos assinados pelo ex-tesoureiro. E concluiu: “No tocante ao exame grafotécnico, ficou evidenciado que a assinatura questionada e as tomadas como padrões guardam entre si uma mesma unidade de punho. Por conseguinte, partiu de um mesmo punho escritor.” Com certeza, muito há para ser investigado.