Tempo esgotado. Neste domingo 23, 122 milhões de eleitores brasileiros comparecem às urnas para decidir se o comércio de armas e munição fica ou não proibido no Brasil. Os lances estão dados, apesar de a campanha feita pelas frentes parlamentares pelo sim e pelo não ter se pautado por exageros, equívocos e forte apelo emocional. Um lado endemonizou a arma e o outro gerou na população o desejo de se armar. Na Polícia Federal de São Paulo, os pedidos de autorização para compra de armas cresceram 50% desde o início da campanha. Na reta final, a propaganda do não se firmou na tecla da defesa de um direito, enquanto a campanha do sim abusou do prestígio de líderes religiosos. O tiro saiu pela culatra. Iniciada para referendar um artigo do Estatuto do Desarmamento, a campanha intensificou o clima de insegurança. Muitas pessoas que antes eram a favor da proibição chegaram a declarar mudança de voto.

Falhas – O fato é que muitos eleitores, às vésperas da votação, não sabiam enumerar o que de fato mudará no País após o referendo. Se a campanha não esclareceu pontos importantes da lei do desarmamento, isso se deve às falhas
do Estatuto e à necessidade de regulamentações futuras que atendam todos os cidadãos. Está previsto que o policial, por exemplo, pode ter outra arma além da fornecida pela corporação; no entanto, quem o proveria de balas? Também quem tem uma arma hoje não é obrigado a devolvê-la, mas como comprar a munição?
A arma estaria inutilizada. Outro cidadão esquecido foi o morador em áreas isoladas, pois o texto é claro em permitir o uso da arma apenas àquele que dela depende
para subsistência alimentar. “O texto da lei é frágil e nem mesmo este está coberto. O artigo submetido a referendo estabelece que apenas entidades, como os clubes de tiro e as polícias, poderão comprar armas e munição”, alerta o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP),
Fábio Romeu Canton Filho.

Até mesmo quem lida diariamente com o assunto tem dúvidas. “A lei prevê a regra e as exceções, mas os legisladores terão de encontrar formas de solucionar os impasses que aparecerem”, lembra Alessandra Cássia Cardoso, delegada do Sistema Nacional de Armas da Polícia Federal, de São Paulo. “Qualquer que seja
o resultado, o Estatuto do Desarmamento, em vigor desde dezembro de 2003, já é muito restritivo. A posse de armas sem registro é crime, com penas que vão de um
a seis anos de prisão, e o porte ilegal é crime inafiançável, exceção feita aos agentes da lei e aos casos comprovados de risco de morte”, completa ela. Em todo o Estado de São Paulo, apenas dois pedidos de porte foram aprovados em 2004 e cinco este ano. Ou seja, se depender da legislação, o desarmamento é um tiro já deflagrado. Que apenas dependerá de regulamentação para apurar seu curso.