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DIFICULDADES
Aos 75 anos, Norma Bengell passa os dias em casa
sentada, fumando, ouvindo música e falando ao telefone
 

O jeito sensual e o olhar enigmático da atriz Norma Bengell logo atraem a atenção de quem entra na sala de aproximadamente 48 m² de sua luxuosa casa na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. Estamos falando de uma foto, em preto e branco, pendurada na parede, que remete ao tempo em que ela, além de uma grande artista, era sex symbol. De frente para o retrato, sentada na cadeira a um canto do cômodo, a mulher da foto é, hoje, outra pessoa. Aos 75 anos e depois de duas quedas, não se levanta, sofre com uma lesão na medula e tem limitação no movimento das pernas e do braço direito, além de dificuldades neurológicas. A atriz, que fez história ao protagonizar em 1962 o primeiro nu frontal do cinema brasileiro e atuou em 60 filmes nacionais e estrangeiros, não tem trabalhado por causa dos graves problemas de saúde. Às voltas com as contas cotidianas e mais as despesas médicas, não sabe o que fazer. “Estou sem dinheiro, companheiro”, lamenta. “Amigos me ajudam, o Fausto Silva (apresentador) e o Elymar Santos (cantor) me deram uma força, mas eu preciso de um fixo para pagar as contas”, diz ela. As pernas estão inchadas, o braço direito tem marcas da operação feita meses atrás e o tempo agiu sobre seu corpo, como acontece com qualquer septuagenária. Somente nos raros sorrisos e no olhar – ainda enigmático – se notam vestígios da Norma Bengell de décadas atrás, aquela da foto na parede.

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A situação financeira da atriz se agrava ainda mais pelas pendências judiciais geradas com o polêmico filme “O Guarani”, dirigido e produzido por ela em 1996. Por causa disso, seus bens e contas bancárias ficaram indisponíveis. Na época, ela usou leis de renúncia fiscal para levantar R$ 2,99 milhões. O Ministério da Cultura e o Tribunal de Contas da União identificaram irregularidades na prestação de contas e o caso foi parar na Justiça, gerando muitos processos. Na área criminal, tudo foi arquivado. Restam as ações tributárias, ainda sub judice. “Chegaram a me acusar de não ter terminado o trabalho. Como podem dizer isso se o filme foi apresentado em horário nobre na Rede Globo para milhões de pessoas?” Uma das alternativas pode vir de outra empreitada cinematográfica: um média-metragem sobre a vida e a obra do desenhista J. Carlos está prestes a receber verba de patrocínio, que sairia no fim de maio. “De cadeira de rodas, eu consigo dirigir”, garante. Sua remuneração seria de R$ 17 mil por esse trabalho.

A mulher que faz hoje malabarismos para fechar seu orçamento mensal viveu no mais alto patamar da glória cinematográfica. Norma fez parte do elenco do filme “O Pagador de Promessas”, único título brasileiro a receber a Palma de Ouro, no Festival de Cannes. Foi dirigida pelo genial Glauber Rocha em “A Idade da Terra”. “Eu discutia muito com o Glauber, mas nós nos gostávamos. Estava ao seu lado no hospital no momento em que ele morreu”, recorda. Norma também trabalhou com diretores italianos e franceses. Atuou algumas vezes em teatro e muito pouco em televisão – sua última aparição foi como a personagem Deise Coturno, do humorístico “Toma Lá, Da Cá”, na Globo. “É muito difícil fazer cinema no Brasil. A tevê dá melhores condições ao artista.”

Sem condições de ser aproveitada em qualquer emissora, ela se limita a acompanhar como telespectadora o trabalho dos colegas. Gosta da novela “Cordel Encantado” e elogia o desempenho de Cauã Reymond. Cogita procurar o empresário Silvio Santos, dono do SBT. “Ele poderia me contratar agora e quando eu ficar boa retribuo com trabalho”, imagina. Além de passar um bom tempo à frente da telinha, preenche seu dia fazendo sessões de fisioterapia, ouvindo música clássica, vendo filmes em DVD e fumando um maço de cigarros. Passa muito tempo ao celular com amigos como Ney Latorraca e Miguel Falabella. A última conta de telefone chegou enquanto ela concedia entrevista à ISTOÉ, nada menos do que R$ 634.

Sem filhos, a artista ainda tem como referência o padrão de gastos dos tempos da opulência. Por sua matemática, necessitaria de pelo menos R$ 9 mil todo mês. Instalada numa enorme casa de quatro quartos, duas salas e uma bela piscina, em um dos bairros mais nobres do Rio, ela nem pensa em vender o imóvel, onde vive há dez anos. Isso lhe renderia ao menos R$ 2 milhões. “Nem pensar. Minhas lembranças estão todas aqui”, rechaça. Sobre alguém que cogitou levá-la para o Retiro dos Artistas, ela se refere como um “bobo”. Mesmo com os problemas de locomoção, prefere acreditar que terá novos trabalhos. “Planejo fazer um filme sobre a minha vida”, diz. De sonhos, ela já vive. É só fazer o roteiro.