O papa João Paulo II deu sua bênção: “O euro é um novo passo para a construção da Europa, entendida como uma verdadeira comunidade de nações.” A moeda única de 12 países europeus está chegando à vida real. O papa de 81 anos terá seu perfil cunhado nas moedas do Vaticano, que, como Mônaco, Andorra e San Marino, não integra a União Européia, mas vai utilizar o euro em transações financeiras. Oficialmente, não falta nada para que, em 1º de janeiro, europeus digam adieu, adiós, geht mit Got a suas moedas, processo que envolve 12 países – Áustria, Bélgica, França, Finlândia, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Portugal e Espanha –, 300 milhões de pessoas, 14 bilhões de notas e 50 bilhões de moedas.

Na prática, porém, a previsão é de que os primeiros tempos do euro serão caóticos, apesar da extraordinária organização que antecedeu o lançamento da moeda única, idéia definida em 1991, num encontro de líderes europeus em Maastricht, na Holanda. Para os estrangeiros que pretendem ir a um dos 12 países a partir de janeiro, a recomendação de especialistas em câmbio é comprar traveller’s check em euros, para evitar complicação (alguns poucos bancos brasileiros, como o BBV, BankBoston, Unibanco e Itaú já vendem). Hotéis como o Mofarrej, em São Paulo, e o Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, também (a cotação média está em R$ 2,34). Outro alerta: pessoas que têm moedas de metal desses países devem trocá-las antes de janeiro, a menos que queiram iniciar uma coleção de moedas antigas. Uma boa sugestão é o dracma grego, a moeda mais antiga do mundo, herdeira distante das pequenas bolas de electro, mistura natural de ouro e prata nascida na Lídia (Turquia) em 660-650 a.C. Mais um: preste atenção no troco porque os vendedores, como você, não conhecem a moeda. Para os europeus, as dúvidas vão do preço do pãozinho às ameaças à soberania da Inglaterra como capital financeira da Europa, passando pelas prostitutas sindicalizadas da França, que festejam o aumento proporcionado pela conversão depois de dez anos de preços congelados.

Os preços vão ser iguais nos 12 países? O que fazer com o dinheiro que está debaixo do colchão? E as crianças, será que elas não terão dificuldade para fazer a conversão? Por aí vai – e vai tão longe que o jornal francês Libération, um dos mais críticos da França, criou uma fictícia e bem-humorada seção de cartas para o presidente do Banco Central europeu, o holandês Wim Duisenberg, com o objetivo de levantar dúvidas. Com uma sem-cerimônia inadmissível na cultura francesa, os talentosos redatores do jornal discutem, por exemplo, o preço de uma baguete, produto sagrado no país, na maior intimidade com Duisenberg, a quem chamam de querido Wim, usando o pronome “tu” em vez de “vous”, ousadia que os franceses cometem apenas com os muito próximos. Munido de uma calculadora, o jornal chega à conclusão de que a baguete, convertida em euros, custa 4 centavos a mais do que em francos.

Analistas acreditam que é nas pequenas contas que os europeus vão se confundir muito no começo porque a conversão muda de país para país. Um euro, neste momento, vale 1,96 marco alemão, 6,56 francos franceses, 1.936,27 liras italianas, 13,76 shillings austríacos, e cada país tem seus custos e seus impostos. No mercado financeiro, o que se discute é, primeiro, se o euro vai se fortalecer o bastante para enfrentar o dólar de igual para igual. Hoje, US$ 1 é equivalente a 0,899 euro. O consenso é de que vai quando a transição acabar, porque tem o cacife de economias que, mesmo em crise, são pujantes – caso da Alemanha. Outro tema de discussão corrente é a disputa pela capital financeira da Europa, posição hoje ocupada pela Inglaterra. Alemanha ou França vão conseguir destroná-la? Com três anos de ensaio geral, o euro ainda é um enigma que só se dissipará quando o francês do

Libération

comprar sua baguete sem calculadora.